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Entrevista com o elenco de Notícias do Fim do Mundo

O elenco de Notícias do Fim do Mundo deu uma entrevista exclusiva para o Cineplayers, com participação especial do criador dessa distopia tão real, Rosemberg Cariry, durante o Cine Ceará. Eles comentaram como foi se embrenhar no projeto e como eles observam o cenário do país hoje através desse filme visionário, rodado há quase 10 anos, sobre uma revolta popular num país fictício que talvez reflita nosso país hoje. 

Cineplayers: Como vocês receberam o convite para Notícias do Fim do Mundo e como se colocaram diante das ideias do diretor, Rosemberg Cariry?

Everaldo Pontes: Eu já tinha feito um filme anterior do Rosemberg, Siri-Ará, então uma coisa levou a outra. Lá já tínhamos essa visão antropológica, política e social, do Brasil e do Ceará. Ao término de 'Siri-Ará', ele já me chamou: "Everaldo, vamos fazer uma experiência, uma ideia minha aqui que eu já te digo", e assim aconteceu. Passaram-se alguns meses e ele voltou a me chamar, disse que não tinha dinheiro para essa experiência de umas 2 semanas, no máximo 3, com bastante improviso. "você é o mestre de um reizado, e você vai fazer essas coisas", a ação era mais ou menos essa. Era uma situação mínima, que a partir da montagem ganha novas dimensões, mas de núcleo dramático muito simples. A procura de como preencher aquela ação, com os telejornais que mostram o quadro geral, é que levou mais tempo.

Majô de Castro: Faz quase uma década... Mas é isso, Rosemberg já considera que eu tenha uma cadeira cativa dentro do cinema dele. Ele me chama desde seu primeiro filme, que também foi o meu. Eu tava fazendo esse telefilme, Folia de Reis, me chamou e conversamos muito pouco, mais durante o processo mesmo, que ele queria essa rainha que é quase uma continuidade do que eu venho fazendo com ele, que já estava no 'Siri-Ará', essa mistura do sacro com o profano. Por ter essa familiaridade, ele já sabe o que esperar e eu tenho muita confiança nele, com essas personagens que não tem muitas falas, e nessa ele enlouqueceu. Todos os dias tinham muitos textos, e eu sentia que tudo aquilo era o que ele e o filme precisavam falar. Eu via toda aquela postura, aquela rainha com aquela boneca, tinha uma doçura, e outra cena inspirada na Pietá que eu já tinha feito no primeiro filme e ele retorna a ela, na cena da moça com a bala perdida. Tem uma continuidade.

CP: João, me fala como foi se transformar naquela figura política enorme, de postura gigante, olhar que transpassa os outros por estar em outra esfera de poder, se transformar em cena.

João Paulo Soares: Pra começar, eu cheguei no projeto através de Everaldo, que me indicou a Rosemberg. Vim temeroso, porque o personagem tem mais que altivez, ele tem tamanho. Mas tudo foi conversado, Rosemberg ia me mostrando as cenas, como tava ficando, e eu ia dosando o tom. E aquela energia dentro daquele ônibus colaborava muito para conseguirmos aquele resultado.

Rosemberg Cariry: E o espaço naquele ônibus era pequeno, a lente que eu utilizei os aproximava da ação, inclinava um pouco as cenas, e tudo isso contribuiu para o resultado, esse jogo dos personagens que vemos, de como nos organizamos ali... Lembram que montamos até uma rede pro personagem de Everaldo ali dentro? (risos)

EP: Complementando as respostas, o cinema tem ângulos que foram criados para isso, para dar essa grandeza, esse poder e ajudar nesses casos.

RC: A intenção era olhar pra ele e não ver alguém acabrunhado. Ele é uma autoridade, tem uma superioridade e um olhar que torna todos ali inferiores. Pegar um ator com o biotipo do João e transformá-lo.

CP: Agora me contem da realização sob o ponto de vista de vocês: um filme de ação, tenso, ao mesmo tempo que é um documentário, e acaba abrindo inúmeras possibilidades de gênero ali, com um trabalho de montagem primoroso. 

MC: Imagina, são muitos anos montando aquilo, aquela colcha de retalhos de imagens, que foram se atualizando ao longo dos anos. Nós dentro daquele ônibus e ao mesmo tempo tudo que foi acontecendo aqui do lado de fora nesses anos... O que tem ali são 70 minutos maravilhosos de inovação de linguagem, que me encantam com aquele final onde as crianças jogam com as vidas humanas. É a reinvenção do próprio filme. 

CP: O que era a cidade de Jenipapuaçu em 2010, data das filmagens, e o que se tornou hoje para vocês? Um filme feito em outro momento, mas já com uma fúria particular embutida e se comunicando com os filmes de hoje, como 'Inferninho', 'Bacurau', 'Sol Alegria'. Rosemberg foi visionário?

EP: Nós temos uma tradição de resistência muito grande, por conta do golpe de 1964, e isso tá muito presente. O tempo todo esse era o assunto durante as filmagens, nas conversas fora do set, eu, Rosemberg e todo mundo. Essa luta por resistência é muito forte na nossa História, vem de Araguaia, eu não aprendi isso no colégio, mas li muito nos livros, então quando Rosemberg me falou da trama de sequestro do filme, eu me vi fazendo isso. Quando eu era jovem, com meus amigos na Universidade Federal de João Pessoa em uma grande recepção, nós estouramos os pneus de 50 carros da burguesia. Nós ficamos glorificados, depois do evento nós assistindo todos entrando em seus carros de pneus furados. Eu furei o pneu de 50 carros. Eu adoro contar isso, porque quando Rosemberg me chamou, trouxe toda a nossa História de resistência com essa trama.

MC: Os nossos índios aqui do Ceará foram os que mais resistiram à colonização na História, os tapuias. Como já estavam chegando às histórias da Bahia, nossos índios resistiram e foram muito guerreiros, não foram de fáceis captura. Assim o filme me arrepia toda quando ele menciona as tribos que resistiram à colonização.

JPS: Como disse Rosemberg, não poderíamos imaginar em 2010 com nossa ficção científica que chegaríamos nesse lugar de hoje, sem alegoria. Acho que tinha mesmo que demorar esses anos todos pra estrear, e com esse título.

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