Saltar para o conteúdo

Artigos

Corrida do Ouro (1): As Histórias que se Contam

Bem-vindos à Corrida do Ouro 2018/2019. Se Hollywood vai de março a agosto hibernando (ou com um olho fechado e o outro aberto), cada vez fica mais claro que quando soa o primeiro raio de sol de setembro, a cidade está agitada, e por conta de eventos que nem acontecem em seu solo. Os festival de Veneza, Toronto e Telluride têm concentrado poder de fogo suficiente para transformar a disputa em um barril de pólvora, a começar a explodir no início de dezembro. Mas as campanhas precisam começar né, e os estúdios (macro ou micro - ou não tão micro, os micros geralmente morrem na praia mesmo com filmes incríveis, veremos a seguir) sabem que seus filmes não bastam: se ninguém os vê-los, souber de suas existências, como votar neles?
Por isso que a estratégia mais utilizada de maneira geral é a da 'narrativa'. Qual é a história que o ano quer contar?, se perguntam todos os estrategistas, previsores, uma galera que trabalha com isso FOR REAL, que leva a sério o que muita gente tira sarro, e estuda há anos o comportamento de manada no qual os mais de 8 mil membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas Americana se submetem toda temporada. Com as entradas cada vez mais abrangentes dos últimos anos, com mais estrangeiros, mais mulheres, mais afro-descendentes e mais minorias em orientação de gênero, o caldeirão cultural que compõe o clube cada vez mais desenha um mapa, aponta um caminho e segue até essa situação se concretizar, mas essa narrativa geralmente só se compreende na noite de premiação. Até lá, vários atalhos vão surgindo para a resposta possível. Vejamos:
 
Temporada 2017/2018
Luta contra qualquer tipo de diferença, seja ela o racismo, a homofobia, a xenofobia e até as que apartam deficientes - A Forma da Água.
Temporada 2016/2017
A inclusão de diretores diretores negros e o preconceito aos LGBTQI+ - Moonlight.
Temporada 2015/2016
Grito contra a pedofilia - Spotlight.
Temporada 2013/2014
Revisionismo histórico contra o preconceito racial - 12 Anos de Escravidão.
Temporada 2009/2010
A aceitação das mulheres atrás das câmeras - Guerra ao Terror.
Temporada 2008/2009
O estrangeiro e a miséria ao redor do mundo - Quem Quer ser um Milionário?.
Temporada 2005/2006
A Los Angeles racista e xenófoba mostra a sua cara - Crash.
Segue pelos anos afora, com histórias sendo contadas a cada ano, geralmente intercaladas por um tema que zera sempre as discussões: a arte. Poucas coisas para a Academia são mais prazeirosas que se lamber, fazer um grande afago em sua própria classe, ressaltando o poder transformador da mesma e da manutenção de artistas em seres míticos. Aí entram Birdman, O Artista, Chicago, Shakespeare Apaixonado e até filmes que não se imaginam nesse lugar, como Argo (onde um grupo de atores salva reféns de sequestradores) e O Discurso do Rei (onde um ator salvará o grande monarca britânico da gagueira). Lógico que existem também os anos onde aparentemente só a qualidade dos filmes falam por eles, ou uma questão que tem caído por terra, as gordas bilheterias, que não dão mais as caras no vencedor do Oscar há pelo menos 6 anos - o longa de Ben Affleck foi o último arrasa-quarteirão a levar o boneco pra casa.
Se os últimos cinco vencedores não conseguiram ir além dos 60 milhões de dólares em solo americano (e um deles, Moonlight, foi a segunda mais baixa bilheteria já premiada), a Academia viu sua audiência televisiva cair e se preocupar. Qual seria o melhor pra festa, premiar grandes filmes ou apenas serem vistos? O que vai ficar pra posteridade, o vencedor do Oscar ou a quantidade de gente que assistiu? Junte a isso a crise sobre a importância e relevância da própria premiação, e temos a populista decisão desse ano de criar uma categoria que premiasse a produção mais popular, segregando abertamente algo que ficava só disfarçado. O que eles não esperavam era a união de toda a indústria em repúdio a esse novo prêmio, adiado duas semanas após o anúncio, tamanha foi a grita, liderados por ninguém menos que Laura Dern e Steven Spielberg, apenas O Pai do Cinema Popular. Se nem ele curtiu...
Agora, ficou no ar. Será que nasceu daí a narrativa do ano? Ou será outras histórias surgirão ao longo dos próximos cinco meses? Quais são elas? Hoje, no primeiro dia da coluna "gold race", vou apresentar a vocês os filmes que estão nos principais cavalos da temporada, e o que pode ser construído em torno deles. A essa altura, todos os competidores foram apresentados e poucos deles ainda não foram conferidos pela imprensa americana/mundial e, tal qual os previsores de todo mundo, é com análise do mercado, leitura do que aconteceu nos festivais, consideração da própria imprensa (numa coluna futura, vamos conversar sobre a importância cada vez mais crucial que a mesma exerce na Corrida), e paralelismo com outras listas de previsões de outros profissionais que também estão no jogo.
A Corrida do Ouro está oficialmente aberta! 
1) Por que Nasce uma Estrela?
Diante dos acontecimentos dos últimos meses, onde a Academia achou que teria grande aceitação seu interesse de criar uma categoria popular, onde isso trouxesse a audiência perdida (que nada mais é do que uma questão da globalização), a mesma categoria entrou em discussão a respeito de sua validade e função. Será que não é um bom momento para, como não faz desde Argo, premiar um grande blockbuster? A previsão de que a estreia de Bradley Cooper na direção ultrapasse os 150 milhões de dólares e a recepção positiva maciça podem ser uma saída para mandar uma mensagem: "não precisamos de um prêmio de popularidade; nós podemos premiar um grande filme que também faça sucesso".
2) Por que Roma?
Candidato a queridinho da crítica, o diretor Alfonso Cuaron demorou 5 anos para aprontar seu novo filme, intimista, preto e branco, passado em seu México, falado em espanhol... e que está arrebatando o mundo. Após ganhar o Leão de Ouro em Veneza (tal qual A Forma da Água ano passado), a certeza de que essa jornada familiar cairia no gosto de todos se cristalizou, e o filme se prepara para tomar a crítica americana de assalto. Se não ter cores e não ser falado em inglês, não fossem o suficiente, o filme é a grande aposta da Netflix para as premiações. Muitos tabus podem ser quebrados aqui, desde o abraço ao serviço de streaming que revolucionou o mundo, até o reconhecimento de um filme não falado em inglês finalmente na categoria principal. Ou não.
3) Por que Green Book?
Lembra do que eu citei acima, um vencedor popular? O filme de Peter Farrelly (sim, o diretor de Debi & Loide e O Amor é Cego, aqui sem o irmão Bobby) ganhou o prêmio de Toronto que representa passaporte garantido entre os indicados - vide La La Land, O Quarto de Jack, O Lado Bom da Vida, O Jogo da Imitação, etc - além da aprovação crítica, e as lágrimas gerais. Com a promessa de uma bilheteria gorda, esse drama protagonizado por Viggo Mortensen e Maharshela Ali não parece estar disposto a passar em branco e algum careca dourado deve rolar. O fato do filme falar sobre racismo com certeza não atrapalha.
4) Por que Infiltrado na Klan?
Bom, motivos não faltam. O filme mais bem sucedido em décadas do diretor negro mais bem reconhecido na História já seria o suficiente, mas junte-se a isso o fato de que Spike Lee nunca ter sido indicado ao Oscar nas categorias principais, seu filme ter fãs desde Cannes, sua trama fantástica falar sobre um policial negro que consegue se infiltrar na Klu Klux Klan nos anos 60 e essa história ser real, do filme ser um petardo político muito querido e do seu conteúdo ser explosivo... bem, acho que existe uma chuva de motivos aí. Ele poderia ter tido uma carreira melhor nas bilheterias, mas eu duvido que isso seja um problema para esse filme especificamente.
5) Por que O Primeiro Homem?
O último filme 'quadrado' a ganhar o Oscar foi O Discurso do Rei; o último filme "cinema-espetáculo" a ganhar o Oscar foi O Senhor dos Anéis. Ok, o filme de Damien Chazelle não chega a ser nem uma coisa nem outra, mas um drama intimista baseado em fatos onde o protagonista é a propósito um astronauta, ou O Astronauta, Neil Armstrong. No meio do caminho entre os gêneros, o filme protagonizado por Ryan Gosling é aquela típica saída segura, o filme que todos irão gostar. Amar? Amar já não sabemos... talvez hoje o Oscar peça paixão, e talvez Chazelle já esteja repleto de prêmios pelos seus dois filmes anteriores e recentíssimos. Mas não dá pra negar seu apelo. 
6) Por que A Favorita
Yorgos Lanthimos ensaiou esse bote a década inteira, né? Desde a indicação de Dente Canino em estrangeiro até o roteiro de O Lagosta, igualmente indicado, o cineasta grego parece preparar uma invasão gradativa em solo americano, no que diz respeito às premiações. Após ganhar o segundo lugar em Veneza com essa comédia histórica super elogiada sobre a relação entre uma rainha e suas duas damas de companhia, ele atacou enfim e a crítica se deixou levar, aprovando seu filme por completo. Seu trio de protagonistas com certeza já está no radar (Emma Stone, Rachel Weisz e Olivia Colman, premiada em Veneza também), e o filme não vem fazer figuração não. Se a aposta for na ousadia, pode ser que a Academia tenha achado aqui um concorrente. 
7) Por que Can You Ever Forgive Me?
Sabe o 'filme dos atores'? Sempre tem espaço para ele entre os indicados (Manchester a Beira-Mar, Sideways, Amor sem Escalas) e à vezes ele até ganha o boneco principal, invariavelmente ele ganha algo. Essa história real de uma escritora envolvida num escândalo criado por ela mesma tem dois atores em estado de graça nos papéis centrais (Melissa McCarthy e Richard E. Grant), um roteiro que todos elogiam e talvez seja a grande surpresa até agora, um filme que passou em Toronto e ninguém esqueceu. Com certeza terá um fã-clube entre a maior grupo dos acadêmicos, os atores.
8) Por que If Beale Street Could Talk?
O filme artístico de ano também é uma tacada certeira. Estiveram nessa categoria em anos anteriores Boyhood, Me Chame pelo seu Nome, Nebraska, O Grande Hotel Budapeste e Sangue Negro. Não é necessariamente uma certeza de vitória, mas o filme anterior de Barry Jenkins venceu o Oscar exatamente ano passado. Esse aqui é uma adaptação de um livro de James Baldwin que todos ficaram encantados, dificilmente terá poucos votos para entrar na briga e talvez só a vitória recente do diretor lhe tire um pouco de força, que pode mudar se as associações de críticos cismarem com ele.
9) Por que Vice?
Bom, sempre tem um filme que estreia na reta final e ainda assim é indicado, né? O postulante a essa vaga esse ano é o filme novo do vencedor do Oscar de roteiro Adam Mckay, a biografia de Dick Cheney, um dos vice presidentes mais polêmicos da história americana recente. O filme tem O Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Sam Rockwell, Steve Carrell, entre muitos outros, todos em processo de mudança física. Será tão radical e frenético quanto A Grande Aposta? Estão pagando para ver, mas isso só acontecerá em dezembro.
10) Por que Pantera Negra?
Lembra da questão do filme popular, abordado com outros dois candidatos anteriores? Ninguém será mais popular esse ano, nem ninguém mais fará 700 milhões de dólares. A crítica amou, o público idolatrou, e parece que poderia muito bem ser ele o vencedor da "futura-ex" categoria. Será que a Academia vai enfim se render a um filme de HQ na categoria principal? A representatividade negra na frente é atrás das câmeras é o pulo do gato, ou da pantera, e pode dar o aval pra essa indicação histórica.
Tem fôlego pra mais? Bom, o ano ainda trará The Mule, o novo de Clint Eastwood, Viúvas dirigido por Steve McQueen, Querido Menino, drama familiar protagonizado por Steve Carrell e Timothe Chalamet, a sensação do primeiro semestre First Reformed, do veterano Paul Schrader, e a surpresa indie WildLife, estreia na direção de Paul Dano. Sabem do que mais? A Corrida do Ouro tá só começando... 

Comentários (4)

Walter Prado | sábado, 13 de Outubro de 2018 - 12:10

Você vê pelos exemplos ali dos filmes vencedores que escolher o melhor pela questão social muitas vezes é um tiro pela culatra na reputação do prêmio...

Walter Prado | sábado, 13 de Outubro de 2018 - 12:17

"Com as entradas cada vez mais abrangentes dos últimos anos, com mais estrangeiros, mais mulheres, mais afro-descendentes e mais minorias em orientação de gênero"

E parte disto aí é balela, não incluíram mais gente por orientação sexual, pois não há um formulário perguntando qual a orientação da pessoa.

Prêmio BRAZINTERMA | segunda-feira, 15 de Outubro de 2018 - 11:35

Eu acredito que na categoria de melhor direção tenha os indicados surpresas:
- Bradley Cooper, como o Walter disse no meu fórum das Previsões do Globo de Ouro (http://www.cineplayers.com/topico/globo-de-ouro-2019-previsoes/16782&pg=2) vai ser nomeado por mérito igual a Jordan Peele;
- Peter Farrelly, assim como foram Adam McKay e Lenny Abrahamson vai ser aquele caso de um diretor que conseguiu fazer um filme bem diferente comparado com sua filmografia;

Faça login para comentar.