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34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

A 34ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo trouxe para as salas paulistanas mais de 400 títulos do mundo todo. O Cineplayers fez o possível para assistir o maior número de produções que podem dar o que falar nos próximos meses, de vencedores de festivais até pré-indicados ao Oscar. Veja abaixo uma rápida impressão sobre os filmes:

1. Mama Gogo (Islândia, 2010)
Nota: 6,0

O candidato islandês ao Oscar mistura drama e comédia. O filme, no começo, é eficiente em seu passeio pelos gêneros, mas o problema é não conseguir definir qual trama quer seguir. Primeiro, o público é apresentado a um cineasta que vivencia o fracasso de seu filme sobre o abandono de idosos. Ao mesmo tempo, dedica-se também a acompanhar a história da mãe dele, uma senhora que começa a sofrer com o surgimento do Alzheimer.

As duas histórias são, obviamente, a tentativa de estabelecer um contraste entre o discurso e a ação. O problema é que uma trama é quase abandonada em detrimento da outra e o tom empregado é constantemente substituído, sem que continue existindo harmonia entre os gêneros. Assim, Mama Gogo não consegue mostrar a que veio de fato.

2. Lope (Espanha, 2010)
Nota: 6,0

O brasileiro Andrucha Waddington (Casa de Areia) é o responsável por levar às telas de cinema a história do poeta espanhol Félix Lope de Veja.  O filme apresenta a vida do poeta a partir do momento em que ele abandona a carreira militar para buscar o sonho de viver da arte. O enfoque é basicamente o surgimento de um grande poeta e os problemas que ele coleciona com terceiros por causa de seus relacionamentos.

O recorte é, sem dúvida, limitado. Lope nunca parece uma figura suficientemente interessante. O filme é correto, mas clássico demais, com narrativa “presa” a um estilo convencional para histórias deste tipo. Soma-se a isso o desenho relativamente desinteressante do poeta.

Apesar de respeitar o recorte temporal do roteiro, que opta por mostrar o surgimento de Lope como poeta até o momento em que é condenado ao exílio, o filme esconde justamente partes interessantíssimas da vida dele. Fica a impressão de que o melhor, e que daria profundidade à história, foi cortada pelo longa.

O que incomoda é isso: o roteiro parece por vezes preguiçoso na tentativa de romantizar, como manda o padrão, um capítulo distante da história. Ao mesmo tempo, o filme cumpre seu papel de retratar o espírito sonhador de Lope.

3. Peepli Ao Vivo (Índia, 2010)
Nota: 8,0

O candidato da Índia ao Oscar 2011 mostra uma realidade que não é diferente da brasileira. A história apresenta um agricultor que, desesperado pela falta de dinheiro, resolve cometer suicídio ao descobrir que o governo local indeniza a família daqueles que decidem acabar com a própria a vida. Ao tomar conhecimento do caso, a imprensa indiana monta um verdadeiro circo no pequeno vilarejo do agricultor. Com essa premissa, Peepli Ao Vivo discorre sobre o papel da imprensa, o seu modus operandi, e a relação dos políticos com a mídia, com a população e entre eles próprios.

Assim, o filme se depara sobre a corrupção, e falta de ética, que atinge tanto a política como a imprensa, principalmente em época eleitoral. Se o filme se perde um pouco dentro da jornada do suicida, o mesmo não se pode dizer da crítica que faz aos meios de comunicação e aos políticos, algo que se torna ainda mais deplorável ao constatar que são problemas globais.   

Adotando um tom de comédia na perseguição ao pobre agricultor, já saturado com sua condição miserável e, depois, com a transformação de sua vida em um reality show, Peepli Ao Vivo esvazia um pouco sua denúncia por contar com uma figura central frágil, que se torna coadjuvante de sua própria história. Mesmo assim, o filme é suficientemente interessante para transmitir sua crítica social sem ser cansativo.

4. O Silêncio (Alemanha, 2010)
Nota: 7,0

A história de O Silêncio mostra dois homens que assassinam uma menina após estuprá-la. Anos mais tarde, quando eles já não têm mais contato, um crime semelhante volta a ocorrer. Assim, a vida aparentemente tranquila que um deles levava é alterada devido ao abalo que a notícia acarreta em sua mente.

O primeiro crime, que havia sido arquivado, é reaberto e a policia fica cada vez mais perto de solucionar o ocorrido e a possível ligação entre os dois crimes. O Silêncio vale muito mais se visto sob a ótica das marcas que o crime deixou em um dos envolvidos, e como a nova ocorrência o deixa abalado, do que a investigação do crime em si, que, mesmo em seus momentos de tensão não chega a ser suficientemente forte. As descobertas envolvendo a lógica que move os criminosos e como um assassinato se relaciona com outro prendem o público e garante o sucesso do longa que, em sua forma, não inova e se encaixa perfeitamente no padrão Super Cine.

5. Dias Violentos (Geórgia, 2010)
Nota: 5,5

O indicado da Geórgia ao Oscar de melhor filme estrangeiro mostra a triste realidade dos jovens que pela janela da escola podem ver o amargo futuro que os aguarda ao serem seduzidos pelas drogas. E é esse retrato alarmante, da violência contra as gerações, que o filme aborda. Em sua trama principal, o filho de um ministro está seduzido pela ideia de experimentar entorpecentes, e policiais corruptos pretendem flagrar o garoto como forma de subornar o seu pai para que o ocorrido não se torne público.

O filme, em seu tom quase documental, em vez de se tornar mais atraente, infelizmente passa do ponto e cansa o espectador. Sob essa perspectiva, é triste constatar que opções narrativas acertadas se mesclam com outras precipitadas, como o ritmo. No fim, é menos impactante do que poderia ser e, por consequência, menos atraente. 

6. Um Lugar Qualquer (EUA, 2010)
Nota: 7,5

Sofia Coppola retorna ao estilo que a consagrou em Encontros e Desencontros. Assim como o personagem de Murray se sentia descolado do mundo, aqui Johnny Marco, interpretado por Stephen Dorff, passa pela mesma problemática. Ator famoso e renomado, Johnny Marco parece achar a cidade do cinema entediante, assim como as obrigações profissionais relacionadas aos filmes que atua.

Sua vida nitidamente não o satisfaz e a jornada pessoal retratada aqui é a busca dele por algo/alguém que o complete enquanto pessoa. A facilidade que encontra para ter tudo o que uma pessoa comum deseja leva Johnny ao mais verdadeiro desespero interior, já que nada parece pertencer realmente a ele. A cena de abertura já mostra Johnny correndo em círculos com sua Ferrari, ou seja, o personagem está em uma espécie de beco sem saída, no qual é difícil encontrar novos caminhos. Essa sequência, por sinal, dialoga muito bem com a cena final, que aponta a saída encontrada pelo personagem para seu tormento interior.

Se nestes aspectos o filme traça seus próprios caminhos, Sofia aproxima-o ainda mais de Encontros e Desencontros ao introduzir na história Cleo, a filha de Johnny interpretada por Elle Fanning, irmã de Dakota. Na obra antecessora, Bill Murray firmava uma relação quase paternal com a personagem de Scarlett Johansson, que dividia os mesmos sentimentos do protagonista. Em Um Lugar Qualquer, essa relação pai-filha deixa o simbolismo e passa a existir de fato.

É interessante notar ainda, e dessa forma o filme ganha novos significados, o toque autobiográfico que Sofia imprime à história do pai mundialmente famoso pelo seu trabalho no cinema. E Sofia é talentosa. Acerta em suas opções de enquadramentos, principalmente quando negligência os acontecimentos de seus planos, abrindo a câmera no vazio ou fechando-a em seus personagens. Apesar de não ser irretocável, é mais uma boa obra de Sofia.

7. Atração Perigosa (EUA, 2010)
Nota: 5,0

Em nenhum momento este segundo projeto de Ben Affleck como diretor é capaz de parecer suficientemente interessante. A introdução do filme deixa a entender que haverá alguma crítica social contundente, ou uma análise mais profunda de Charlestown, bairro de Boston que serve de cenário. Logo de início, surgem na tela informações sobre a comunidade, conhecida por ser o local em que mais acontecem roubos a bancos, hábito ensinado de pai para filho.

Assim, o bando liderado por Doug MacRay (interpretado por Affleck) já é logo apresentado em ação, mas o didatismo da cena é muito prejudicial. O motivo é evidente: se o espectador mais desavisado não perceber os detalhes, metade da trama se esvai. Após a cena inaugural, e que se pressupõe muito mais interessante do que de fato é, resta a espera pelo evidente momento seguinte. Na sequência, Affleck ainda tenta dar um tom sério ao flertar com a interessante reflexão da vítima que se apaixona pelo seu sequestrador. Mas sua passada pela Síndrome de Estocolmo é vazia.

Desse modo, a história toma novo rumo: como tornar viável o romance entre duas pessoas com estilos de vida tão diferentes? Atração Perigosa, então, torna-se o conflito de um personagem que pretende alterar seu modo de vida, mas, ao mesmo tempo, não quer trair a amizade dos amigos, principalmente por dívidas passadas. Atração Perigosa tem bons momentos dentro de suas fraquezas. Os atores tornam o enredo digno e são eles os responsáveis por segurar a atenção do público em relação ao que é contado. O filme, de modo geral, é bastante previsível.

8. A Primeira Coisa Linda (Itália, 2010)
Nota: 6,0

O candidato italiano ao Oscar de filme estrangeiro é simpático, mas nunca conquista o público. A história apresenta Bruno, um professor dependente químico que parece não se sentir confortável com a sua vida. O problema maior é que esse deslocamento do mundo o acompanha desde cedo, quando já demonstra não encontrar a menor graça em nada que o cerca.

Nem a alegria de sua mãe, eleita a mulher mais bonita de um festival, consegue contagiá-lo. Para ele, na verdade, ela é justamente um dos motivos para sua insatisfação. O quadro piora quando, já adulto, Bruno tem de viajar para restabelecer o vínculo com sua mãe, que está prestes a morrer. O filme sempre opta pela abordagem cômica das situações, o que inevitavelmente não funciona em muitas passagens.

A impressão é a de que o filme se arrasta. Ao tentar ser belo ao buscar alegria na depressão de seu personagem, A Primeira Coisa Linda se perde.

9. Hammada (Espanha, 2010)
Nota: 3,0

Hammada mostra o campo de refugiados de Dajla, no deserto do Saara, habitado por mais de 200 mil Saaráui, que foram viver lá por medo das tropas marroquinas depois da saída dos espanhóis de suas terras.

A vida dessas milhares de pessoas à espera do momento em que poderão voltar para casa é estarrecedora. No meio do nada, pouco há para fazer, e todos estão totalmente abandonados. O vazio mostrado em tela é desesperador, mas é a falta do que mostrar que deixa o espectador extremamente entediado e desesperado pelo final da projeção. São intermináveis 90 minutos de duração de um filme que nada conta de concreto. Pela abordagem sem conteúdo se tornou um filme muito fraco.

10. Minhas Mães e Meu Pai (EUA, 2010)
Nota: 9,5

Minha agradável surpresa na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é ter me deparado com Minhas Mães e Meu Pai. Ao contar a história do casamento de duas mulheres, brilhantemente interpretadas por Julianne Moore e Annette Bening, e a relação delas com os filhos adolescentes, o filme já se apresenta com um quê de originalidade. O roteiro capta a essência das famílias modernas – héteros ou homos – e, acima de tudo, conta uma belíssima história sobre relacionamentos humanos, em suas mais diversas instâncias, mas com uma roupagem moderna e atual.

O enredo, na verdade, vai além da relação do casal com seus filhos. Os irmãos Joni e Laser estão na fase de descobertas – principalmente sobre quem são eles próprios. A primeira questão atual é apresentada: a geração da inseminação artificial. É assim que Mark Ruffalo, interpretando Paul, surge na história. Pai das crianças, ele aceita conhecê-las e rapidamente estabelece um vínculo com elas e com as mães. Minhas Mães e Meu Pai mergulha, a partir desse novo olhar, nos dramas interiores de suas personagens, mas, para fazer isso, desenvolve uma deliciosa e comovente comédia dramática de costumes sobre a sociedade moderna.

Minhas Mães e Meu Pai é moderno, com diálogos verdadeiros e marcantes.

11. Hermano (Venezuela, 2010)
Nota: 6,5

O indicado da Venezuela para o Oscar 2011 é aquele típico filme singelo, mas eficaz. Narra a história de dois irmãos que moram em uma favela de Caracas e que procuram formas de melhorar as condições de vida deles e da mãe. O filme é simplório em todos os aspectos. O roteiro é previsível, excetuando-se uma ou outra cena que confere mais profundidade aos personagens e que, por tabela, salvam o longa.

O problema maior é que o filme passa, em muitos momentos, a impressão de ser fake. As partidas de futebol que são a esperança dos meninos de melhorarem de vida, algo que estão perto de realizar com a visita do olheiro do time de futebol do Caracas, são filmadas de modo primário e a mise en scene dos jogos beiram o artificialismo. Isso fica evidente toda vez que o personagem principal precisa driblar meio time para fazer o gol. Os adversários simplesmente se atiram no chão em consecutivos e inverossímeis “carrinhos”.

Hermano conta a história de garotos pobres que pretendem, pelo futebol, deixar a marginalidade que os cerca. Algo que todos de alguma forma já viram antes. O filme, infelizmente, nada traz de novo, mesmo que à sua maneira conquiste o público pela honestidade.

12. Em um Mundo Melhor (Dinamarca, 2010).
Nota: 9,0

O indicado dinamarquês ao Oscar narra a história de Christian, um garoto que precisa encarar uma nova vida após a morte de sua mãe. A intensidade com que o ator William Jøhnk Nielsen interpreta Christian é fenomenal.

Claramente amargurado com a vida, o menino incorpora, com irresponsabilidade, o espírito justiceiro. Acreditando que a vida foi ingrata com ele ao tirar a vida de sua mãe, e culpando também seu pai por isso, o garoto mostra reações destemperadas na tentativa de impedir que o seu mundo seja pautado por injustiças. Dessa forma, o garoto flerta cada vez mais com a violência, e as expressões de Nielsen, geralmente com o rosto franzido e fechado, são de uma competência interpretativa que há tempos um ator mirim não propiciava.

A diretora Susanne Bier constrói uma narrativa que sufoca, mas não por se entregar ao suspense, mas por saber construir personagens profundos, que tem seus motivos para ser como são. Ao mesmo tempo, peca por intercalar a história de Christian com a do pai de Elias, Anton, já que as duas histórias se intercalam de forma bem espaçada, deixando a trama do trabalho voluntário na África enfraquecida – e o diálogo entre as duas tramas é frágil.

Do mesmo modo, Anton é o personagem mais interessante ao lado de Christian, já que seu caráter inabalável – mas nem por isso salvo de erros - é fundamental para estabelecer um contraste com aquilo que Christian está se tornando ao não saber lidar, por total falta de maturidade e não por maldade nata, com a fase turbulenta que atravessa em sua vida. Um belo filme dinamarquês.

13. Se eu Quiser Assobiar, Eu Assobio (Romênia, 2010)
Nota: 6,0

O indicado da Romênia ao Oscar de filme estrangeiro não atinge em momento nenhum a sua proposta. A contemplação do vazio e do silêncio é ineficaz, o que torna a experiência cansativa para o público. A história mostra um jovem presidiário que a poucos dias de deixar a prisão agrícola em que se encontra recebe a visita do irmão mais novo. O objetivo da criança era contar para o irmão infrator que a mãe pretendia levá-lo para a Itália, o que o deixa revoltado.

Assim, o rapaz de comportamento exemplar na cadeia passa a se rebelar de forma quase incompreensível para o espectador – o que se passa na cabeça do jovem é perceptível, mas é impossível acreditar na eficiência de seus atos, ou até mesmo se solidarizar com os motivos que o levam a tantas atitudes desastrosas.

O cinema romeno segue sua tendência de primar pela observação dos personagens e a partir daí extrair suas histórias. O problema é que essa mesma forma que já apresentou grandes filmes, recheados de significados, é capaz também de resultar em obras mais fracas, que na verdade pouco transmitem.

14. O Atleta (Etiópia, 2010)
Nota: 9,5

O indicado da Etiópia ao Oscar de filme estrangeiro dificilmente ficará de fora da premiação. Ao narrar a história de Abebe Bikila, primeiro maratonista africano a vencer a prova nas Olimpíadas, o filme intercala imagens reais e ficcionais e mistura passado e presente. A perfeição das idas e vindas, sempre com cortes suaves e que estabelecem rimas visuais entre os tempos, conferem ainda mais beleza a já emocionante história de superação de um homem destinado a nunca se apequenar diante dos obstáculos.

Além de extremamente eficiente em suas opções narrativas, o Atleta ainda conta com um belíssimo trabalho de fotografia, que explicita muito bem o momento da história que se apresenta na tela, além de retratar as imensas paisagens onde Bikila realizava seus treinamentos.

O Atleta é uma história de superação narrada com precisão. A fluidez é admirável e, diante de tantas escolhas acertadas, o público é rapidamente envolvido pela história sem nunca ter a chance de perder o interesse pela jornada do maratonista.

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