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Desventuras no Festival do Rio - 3ª Parte

Terceiro dia de festival. Tudo levava a crer que eu iria acordar estafado de tantos filmes vistos nos dois dias anteriores (nove no total), mas aconteceu exatamente o contrário: foi o dia em que mais bem disposto acordei. Só que novamente o tempo estava fechado, com chuva à vista – e nada pior do que chuva para estragar a animação do corre-corre entre uma sessão e outra. Mas por enquanto ainda estava apenas nublado. Torcida para que continuasse assim ou que melhorasse de uma hora para outra, já que o tempo no Rio de Janeiro é completamente imprevisível nesta época.

A primeira parada do dia foi no Estação Botafogo. O filme? Proof (ou A Prova – o título nacional parece que ainda não foi confirmado), novo trabalho do diretor inglês John Madden, que venceu o Oscar por Shakespeare Apaixonado, mas que tinha derrapado feio com seu último trabalho, o insosso Capitão Corelli. O filme foi bem acolhido pela crítica norte-americana, sendo cogitado para a temporada de premiação que vai se iniciar em breve, mas é um trabalho absolutamente regular de um diretor que nunca passou do limite do mediano, incluindo no saco seu trabalho mais conhecido.

Este aqui é baseado na famosa peça de David Auburn (o roteiro também é dele, em parceria com Rebecca Miller, conhecida por ter dirigido o interessante O Tempo de Cada Um e também por ser esposa de Daniel Day-Lewis). Catherine (Gwyneth Paltrow, reprisando o papel que já tinha feito nos palcos) é uma jovem que renunciou uma promissora carreira para cuidar do pai doente, Robert (um Anthony Hopkins no piloto automático), que outrora fora considerado um grande gênio da matemática que, combalido pela doença, está fadado ao esquecimento. A vida de Catherine muda quando seu pai falece e ela recebe a visita de sua irmã yuppie (Hope Davis, fantástica no papel e que merece um maior reconhecimento pelo seu trabalho desde o pouco visto Anti-Herói Americano) que pretende levá-la para Nova York, já que esta desconfia que a irmã também tenha problemas de instabilidade emocional, como o pai. Catherine também se vê envolvida com Hal (Jake Gyllenhaal), um ex-orientado do pai dela que pretende fazer uma avaliação dos últimos trabalhos de Robert. Quando Catherine revela um segredo a vida dos três se transformará para sempre.

O maior mérito do filme é o texto, que consegue ser inteligente, trágico e muitas vezes engraçado (a platéia reagiu muito bem a certas piadas). Uma pena que isso não tenha traduzido em um bom filme, já que o trabalho de Madden é apenas burocrático. O final inverossímil é outro ponto contra desta produção que fica devendo um pouco perante a grande expectativa gerada. Gwyneth Paltrow faz uma variante de seu papel de Sylvia – Paixão Além das Palavras, não mostrando o porquê de a imprensa especializada estar citando-a como provável indicada ao Oscar do ano que vem. Já Jake Gyllenhaal me pareceu em forma demais para um nerd (o roteiro tenta justificar isso quando ele diz que dá umas ‘corridinhas pela manhã’). É um bom programa, sem dúvida, mas fica muito aquém das expectativas.

Próxima parada: Cine Paissandu, no Flamengo. Filme de outro diretor que sempre gera ansiedade, Marc Forster, A Passagem (Stay, no original), é complicado. Complicadíssimo, por sinal. O filme começa com Henry (o sempre ótimo Ryan Gosling, de Cálculo Mortal) desolado, sentado no meio do trânsito em um túnel, com um carro em chamas ao lado. Depois, conhecemos Sam Foster (Ewan McGregor, um pouco deslocado no papel), psiquiatra que recebe a incubência de tratar o jovem atormentado, que anuncia que irá cometer suícidio. Foster travará uma batalha contra o tempo para tentar ajudar Henry e dissuadi-lo da idéia. Para isso, contará com a ajuda da esposa Lila (a mal aproveitada Naomi Watts), que também tentou cometer suicídio no passado.

A trama é enrolada e difícil de acompanhar. Os fatos vão se sucedendo e o espectador vai ficando cada vez mais perdido. O filme vai pirando cada vez mais, com personagens estranhos entrando e saindo de cena até que o final chega para deixar tudo ainda mais confuso ou para esclarecer de vez toda a história, depende de como cada um vai interpretar. Achei muito próximo às viagens de David Lynch, e com isso tudo o que vem junto. Uns amarão, outros odiarão. Destaque para uma Janeane Garofalo finalmente em um papel sério. A moça é talentosíssima e sempre ficou escondida em papéis cômicos secundários. Merece ser descoberta.

O terceiro filme do dia foi Korda (não confundir com KordaVision, que também está passando no festival e do qual já falei na parte 1 deste diário), do diretor brasileiro Marcos Andrade, estreante em longas. Curiosamente, o filme não está passando na mostra Premiére Brasil, e sim na Midnight Movies, dedicada aos filmes bizarros do festival. Aliás, bizarro é o adjetivo mais qualificável para o filme. Korda (Rodrigo Ferrarini) é o nome de um sujeito que possui hábitos estranhos: vive a vagar pelas ruas e pelo apartamento parcamente mobiliado. Coleciona caixas de papelão, tem como companhia um peixe e vive a espiar a vizinha (Ana Bárbara Xavier, a Babi, em uma pequena ponta), que o desperta sexualmente. Só que um tumor aparece no rosto do sujeito e vai crescendo cada vez mais; enquanto isso, um misterioso sujeito passa a persegui-lo.

O filme é estranhíssimo, completamente diferente de tudo o que é feito atualmente no Brasil. Mas isso não é sinônimo de qualidade: a platéia ficou furiosa com o filme (não há um diálogo sequer, a trilha sonora é quase inexistente, a ação nula e o filme ainda por cima tem fotografia em preto e branco; aliás, um belíssimo trabalho), que xingou, reclamou e saiu insatisfeita do cinema. Eu achei arrastado, mas gostei da ousadia criativa do realizador.

O quarto filme do dia, Três... Extremos, é um dos mais comentados do festival. Inicialmente eu iria assisti-lo na sexta-feira, mas não consegui porque a sessão já estava com lotação esgotada. Como estava com um buraco em minha programação, decidi vê-lo neste horário. Composto por três média-metragens de três famosos diretores orientais, tem como base o terror causado pela perversidão humana. O primeiro, Dumplings, do diretor chinês Fruit Chan, é o melhor de todos (há também uma versão em formato de longa metragem, que também está passando no festival). Bem interpretado, com uma história tão incomum quanto fascinante (uma mulher recorre a deliciosos quitutes para alcançar a juventude eterna, sem saber quais são os verdadeiros ingredientes da comida), é o único realmente que vale a pena, ainda que deixe uma sensação de desconforto.

O segundo, do agora cultuado Park Chan-Wook, é basicamente uma alegoria sanguinária e totalmente dispensável sobre um famoso diretor de cinema que é tomado como refém por um figurante de seus filmes. O tal diretor é incubido de matar uma criança, senão seu algoz decepará os dedos de sua esposa pianista. O humor sórdido do diretor sul-coreano não me agradou, mesmo que seja tecnicamente perfeito. Já o terceiro, do diretor japonês Takashi Miike, conhecido por seus filmes de horror explícitos, aqui está bastante contido na história da menina que acidentalmente mata a irmã gêmea em uma espécie de circo e que continua atormentada pelo fato muitos anos depois. É a história menos eficaz das três, já que é burocrática e não desperta maiores emoções. No geral, o filme fica devendo, mesmo com uma legião de fãs que já conseguiu. Mas eu concordo com uma senhora que, ao sair da sessão, disparou: “É filme de diretor de clipe oriental tentando ser engraçadinho”. Definição perfeita.

Eis que chegou a hora de Last Days, talvez o filme mais aguardado pelo público de todo o festival. Uma chuva torrencial caiu antes da exibição do filme, e parte da fila de entrada no cinema teve que se virar para não ficar molhada. Com muito atraso (a ponto de atrapalhar a sessão seguinte de muita gente, inclusive a minha), o filme começa sem a presença de Gus Van Sant, o diretor do longa, que tinha confirmado presença. Ausências à parte, o Van Sant, após o premiado Elefante, resolveu revisitar os últimos dias do roqueiro Kurt Cobain (no longa chamado de Blake, para evitar qualquer tipo de problema), do Nirvana, ídolo no início da década de 90 que faleceu devido a uma overdose.

A platéia estava curiosíssima. Silêncio total ao início da projeção. Aparece Michael Pitt (também de Cálculo Mortal, como o já citado Ryan Gosling, que chamou a atenção mesmo em Os Sonhadores) como Cobain, descendo uma pequena encosta e entrando em um belo rio. E o tempo vai passando e nada de uma linha narrativa aparecer. Tomadas estáticas, de longe, como se estivessem observando a (falta de) ação vão tornando o filme madorrento e cada vez mais arrastado. Na tela, um show de Pitt, numa composição esplêndida, mas nada mais que isso é apresentado. Personagens secundários vão sendo incorporados à trama, mas sem qualquer tipo de função (um retorno de Lukas Haas, há tempos sumido da tela; outra que aparece é Asia Argento), enquanto cenas gratuitas, como uma seqüência homoerótica, são mostradas sem qualquer finalidade. É notável a qualidade técnica que Van Sant imprime ao filme, mas o filme é experimental demais para tentar obter qualquer interesse. Grande parte da platéia dorme e, quando o filme finalmente acaba, uma palavra vem à cabeça: decepção. Alguns arriscam algumas palmas. E só. O clima de desapontamento é geral.

Última parada do dia, novamente Botafogo. Chego em cima da hora para a sessão de Saindo do Chuveiro, mais um filme da Mostra Gay a fazer sucesso no festival. É uma comédia romântica taiwanesa (!) a respeito de um rapaz tímido, inexperiente e virgem (Tony Yang), que vai passar férias de verão em Taipei, onde descobrirá o amor e tudo o que isso traz junto, inclusive as decepções. Cheio de personagens ultra-estereotipados e situações das mais clichê possíveis, o filme é tão bobinho que não agride nem quem não faz parte do público-alvo. É como se fosse um filme da Meg Ryan, só que gay. Levinho, vai até ao inevitável final feliz com um ritmo decente. Vale como curiosidade.

Encerrado o dia, o editor aqui vai fazer um pit-stop até o final de semana que vem. O saldo até agora é positivo, com pelo menos quatro filmes recomendáveis: Crash – No Limite, Sra. Henderson Apresenta, Querida Wendy e A Passagem. Curiosamente, nenhum dos quatro foi unanimidade, pelo menos entre as pessoas com quem tive a oportunidade de conversar.

Até a próxima!

» Leia a parte 1 do diário
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