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Desventuras no Festival do Rio - 5ª Parte

Acordei tarde. Muito tarde. A seqüência excessiva de filmes e a falta de horários regulares deixaram meu organismo enfraquecido. Fui dormir no dia anterior muito cansado, e então decidi não pegar o primeiro filme do domingo, Green Chair, filme baseado em uma história real, vindo da Coréia do Sul e que passou no Festival de Berlim desse ano. Quem viu disse que gostou.

Como eu não peguei essa primeira sessão, pude ir calmamente ir assistir a Meu Amor de Verão. Da mostra gay, mostra como uma forte amizade entre duas garotas acaba se tornando em uma paixão avassaladora. O filme, super elogiado onde passou (chegou a vencer o prêmio de melhor filme britânico no BAFTA), tem uma fotografia linda, atrizes talentosas e... nada mais! Uma chatice só, entediante, enfim, uma perda de tempo. A velha história dos adolescentes descobrindo o amor, com um final metido a besta e uma história paralela envolvendo o fanatismo religioso (Paddy Consindine, de Terra de Sonhos, é o irmão de uma das garotas buscando redenção) só para tornar o filme mais ‘sério’.

O próximo filme do dia também seria da mostra Gay, Peter Berlin: Que Homem!, que fez bastante sucesso e que acabou despertando a minha curiosidade – e por ser um filme curto, encaixaria perfeitamente na minha programação. Chego no cinema e ... sessão esgotada! Decepção que acabou virando uma constatação: a mostra gay foi a segunda mais concorrida do Festival, com quase todas as seções lotadas, inclusive as que ocorreram à meia-noite – só perdendo para a mostra Panorama, a principal do Festival. Um fenômeno interessante.

Sem uma opção aparente para o horário, recorro ao guia: estaria passando, às 17 horas, no Cine Odeon, o documentário Sou Feia Mas Tô Na Moda, sobre a explosão do funk no Brasil com destaque para a participação feminina no movimento. Com uma amiga, pego o metrô e saio de Botafogo para a Cinelândia. Chegando lá, novamente, sessão esgotada. Só então me dei conta que poderia ter verificado a disponibilidade de lugares na Central do Festival, em Botafogo mesmo – e evitaria dar essa viagem perdida.

Volto para Botafogo para assistir a Carmen Na África, do qual eu tinha comprado o ingresso antecipado. Vencedor do Leão de Ouro no último Festival de Veneza, o filme do sul-africano Mark Dornford-May é uma adaptação da ópera Carmen, de Bizet, ambientado em uma cidade sul-africana. O filme, quase todo cantado, começa bem, com uma encenação diferente, ousada, engraçada. Mas vai perdendo o pique, vai ficando sem graça, repetitivo. Outro tédio.

E começo a me preocupar com o horário. Logo em seguida eu teria a sessão de Café da Manhã em Plutão, o filme mais aguardado do dia, em outro bairro. E Carmem na África tinha começado atrasadíssimo, e teve um curta-metragem nacional ainda na frente. Uma situação engraçadíssima acontece: pessoas começam a se levantar e a se postar atrás das cadeiras – entre elas eu! E a cantoria do filme continua. Quando o filme finalmente acaba, as pessoas começam a correr desesperadamente para o metrô, em uma cena que merecia ser ao menos fotografada.

Falando em curtas-metragens, o festival esse ano foi muito infeliz na seleção desse tipo de filme. De todos os que eu assisti apenas um mereceu algum tipo de elogio: O Nosso Livro, de Claudia Rabelo Lopes e Luciana Alcaraz. Com um bom trabalho de direção (a história me lembrou um outro filme que eu não consigo lembrar), e uma dupla de protagonistas eficiente, Vera Holtz e Marcos Caruso, o filme foi o único a valer a pena ser assistido. Nada excepcional, apenas bonitinho. Todos os demais foram péssimos. Curiosamente, o curta premiado na mostra, Historietas Assombradas, eu acabei não vendo.

Café da Manhã em Plutão, um dos mais aguardados de todo o festival. Neil Jordan, que tinha confirmado presença na sessão, foi outro que acabou não vindo. Uma pena, já que queria tanto ver de pertinho um dos meu cineastas favoritos. Fica para uma próxima vez. Quanto ao filme, conta a história de Patrick ‘Kitten’ Braden (na tradução, ficou como Patrick ‘Gata’), rapaz abandonado ainda pequeno pela mãe e órfão de pai, que revela tendências homossexuais ainda criança. Em constante conflito com a família adotiva, acaba se tornando independente e vai procurar em Londres o sonhado encontro com a mãe. Envolve-se com drogas, prostituição e em conflitos entre os católicos e protestantes, até finalmente encontrar a felicidade.

O filme, desnecessariamente pontuado por capítulos (como no livro em que é baseado, de autoria de Pat McCabe), assume um tom de fábula (há passarinhos fofoqueiros que emitem suas opiniões através da legendagem!), conseguindo ser relevante e interessante. Neil Jordan segura firme seu filme, não o deixa desandar em momento algum, mas acaba sendo prejudicado por uma trama alegórica demais. Cillian Murphy, de Vôo Noturno, tem a grande chance de sua carreira, no papel de protagonista. Não compromete, mas também não chega a brilhar (pelo menos no meu ponto de vista; teve gente que o achou maravilhoso). Já o elenco de coadjuvantes é brilhante: Liam Neeson, Stephen Rea, Brendan Gleeson e Eva Birthistle (que eu tinha sido conhecido o trabalho no dia anterior, em Apenas Um Beijo). No geral, não foi o melhor filme do Festival, mas é um ótimo programa.

Última sessão do dia, Caché, o filme que chegou a ser cancelado, mas que acabou vindo para o Festival em sessões remarcadas. Dirigido pelo suíço Michael Haneke, o cara por trás do excelente A Professora de Piano, é uma trama a princípio interessante: uma família classe média alta, sem problemas aparentes, passa a receber estranhas fitas de vídeo com gravações de seus cotidianos e também estranhos desenhos. Começam a investigar e tudo leva a crer que o autor desses estranhos atos é um argelino, antigo empregado da família.

É um filme lento, cheio de minúcias (atenção ao último take, que mata a charada), mas que eu achei bastante aborrecido – talvez por já estar excessivamente cansado; deverei assisti-lo novamente depois para tirar a prova). Exceção feita à uma cena fortíssima, chocante, mostrando um suicídio. Os atores Daniel Auteuil e Juliette Binoche estão magníficos, como de costume. Haneke recebeu o prêmio de direção e o do Júri Ecumênico no último Festival de Cannes.

O dia se encerra e eu vou dormir. Aguardem a próxima parte da cobertura do Festival!

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