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Artigos

Diário do Festival do Rio 2015 - Dia 6

Nada é mais esquisito durante um Festival de cinema nos dias de hoje do que: 1) discordar de algum outro cinéfilo sobre o que achou de determinado filme; e 2) o próprio ato de ver em sequência horas e horas de filmes consecutivamente. A atividade 1 é desaconselhável a níveis de periculosidade mesmo, já que o mínimo que você pode receber em determinados casos é sarcasmo e deboche a granel; ofensas gratuitas à mãe, amizades desfeitas e agressões a terceiros não estão descartados. Tudo isso deixa claro como a cada dia que passa está cada vez mais difícil escutar, compreender e aceitar o outro, e quando eu falo "outro" também tento me encaixar na sentença, já que sou humano e também escorrego na intolerância às vezes. O bom é estar sempre alerta a si mesmo, às nossas atitudes. Mas, em tempos de Festival, temos de redobrar o cuidado, porque as pessoas querem discutir até pessoalmente mesmo, e a agressão está sempre a caminho. Essa semana já fugi de diversos atritos, infelizmente deixando de participar de alguns debates justamente porque conhecia os debatedores e seus retrospectos de intolerância.

Já a atividade 2 é um processo longo e que demanda sapiência e aprendizado, além de treinamento constante. Não precisa ser muito inteligente para chegar à conclusão de que se jogar numa espiral de filmes que o leve a assistir mais de 60 em duas semanas é uma prática brutal que, no mínimo, prejudica a apreciação de várias obras na totalidade por conta do volume insano de material que o cérebro absorve. Tirando a mim mesmo como exemplo, já tive na maratona desse ano alguns filmes que precisavam de mais do que 1 hora da minha reflexão e maturação, e infelizmente não consegui; estou tentando empilhá-los num canto da memória para voltar a acessar em breve seu material, com calma. 

Problemas modernos do cinéfilo moderno? Não vale mais a pena discutir saudavelmente sobre algo que nos provoca tanto? Como realizar uma maratona fílmica pessoal sem perder tanto na apreciação quanto nos neurônios? Falta equilíbrio ao todo, e falta rir do todo. Rir muito, de tudo... Falta diversão, falta leveza, falta sacanear a si mesmo, falta não se levar tanto a sério. Cinéfilo tem mania de achar que sua opinião é a mais certa e mais importante; acreditem, não é. Esse aprendizado deve ser assimilado o mais rápido possível, para que não ajam muitas decepções e diminuam os aborrecimentos também. Vamos aos textos de hoje?



The Lobster

O diretor grego Yorgos Lanthimos só está no seu terceiro filme, mas já adquire um status no meio cinéfilo. As pessoas simplesmente adoram seus dois filmes anteriores, tanto o primeiro Kynodontas (indicado ao Oscar de filme estrangeiro) quanto o segundo Alpeis (vencedor do prêmio de roteiro no Festival de Veneza). Quando a trama desse terceiro foi liberada e o elenco anunciado (um comboio que inclui Colin Farrell, Rachel Weisz, Lea Seydoux, John C. Reilly, Ben Wishaw, Olívia Colman e outros), as pessoas foram à loucura: no futuro, ser solteiro não é aconselhável, então quando os solteiros atingem determinada idade, são enviados a um hotel onde terão 45 dias para deixar de se-lo; se o propósito não for atingido, essas pessoas são "desovadas" numa floresta e transformadas em um animal a sua escolha, e lá tentar sobreviver. Fala sério, chamativa essa sinopse é. E o filme ainda levou o prêmio do júri no Festival de Cannes desse ano.

Lanthimos faz parte de uma nova geração de cineastas gregos que não agrada a todos, e muita gente o acusa de fetichizar violência e desgraça. Mas a verdade é que esses filmes adquiriram respeito crítico, cinéfilo e entre os festivais também, e filmes como Miss Violence e Attenberg adquirem um aura cult cada vez mais rápido, a revelia de muita gente o acusá-los disso tudo. Lanthimos parece ser o porta voz dessa geração, e mesmo assim ainda não teve nenhum filme lançado no nosso circuito. Não sei se será dessa vez que o rapaz verá nossas salas (até porque ele nem foi comprado ainda), mas o que eu posso dizer é que a língua inglesa entrou pela porta e sua coragem saiu pela janela.

Leia-se: o elenco internacional que o cara amealhou fez com que o filme fosse produzido por chefões de língua inglesa, o filme foi rodado na mesma língua, e então fica claro o porquê de dessa vez suas bizarrices virem acompanhadas por uma narração auto explicativa, a trama ter sido esgarçada até ficar sem qualquer risco de não-compreensão e o final ser tão arrastado e sem ritmo a ponto de tirar o brilho até da parte inicial tão sedutora. O elenco faz a sua parte, e os destaques vão para Farrell e Colman, ambos brilhantes. Infelizmente a receita desandou pela primeira vez, e seus detratores tiveram justa munição contra a invasão da esquadra grega.

Nota: 6,0
Título original: The Lobster



Eu, Você e a Garota que vai Morrer 

O grande vencedor de Sundance desse ano, a estreia de Alfonso Gomez-Rejon é nunca menos que visualmente brilhante. Responsável por episódios de séries televisivas como American Horror Story e Glee, o novo queridinho da América faz por onde merecer todos os elogios que vem recebendo desde janeiro. Baseado no livro de Jesse Andrews adaptado para as telas pelo próprio autor, o filme parte de uma ideia bastante original, bebe em fontes bem reconhecíveis por qualquer amante de cinema, mas transforma toda a alegoria em tesouro graças a sua argamassa impressionante que envolve direção de arte, fotografia e mise-en-scene nunca menos que surpreendente. Quem poderia imaginar que de um produto a princípio teen e descolado renderia um resultado tão requintado na tela?

A trama acompanha Greg, um adolescente que recebe um pedido no mínimo inusitado de sua mãe: criar uma conexão com uma colega de colégio que acabou de descobrir leucemia em estado avançado. Junto ao melhor e único amigo Earl, que desde a infância o ajuda a criar paródias de clássicos do cinema, Greg se aproxima de Rachel literalmente obrigado, e graças a ela (e a sensibilidade que nem imagina ter, mas que o filme deixa claro desde a primeira cena que ele tem) descobre que precisa fugir da luta e criar um novo Greg, ou simplesmente ser o cara que ele nunca quis ser. Rejon transforma essa sinopse até simples num espetáculo visual que bebe em fontes de cineastas como Wes Anderson, Spike Jonze e Michel Gondry.

O trio protagonista (composto por Thomas Mann, RJ Cyler e Olivia Cooke) esbanja simpatia e um talento tão nato quanto natural, que passa despercebido e pode ser encarado como não-interpretação, mas tá tudo muito bem ensaiado e interpretado ali. Eles e seus coadjuvantes (que variam da sumida Molly Shannon a subaproveitada Connie Britton, passando pelo ótimo Nick Offerman) não são páreos para tirar o foco do posicionamento de câmera sempre inusitado e precioso do novato diretor, que já deixa babando qualquer público para seu próximo passo. O filme será facilmente esnobado pelo público exigente que acha estar vendo uma nova versão de algo como A Culpa é das Estrelas; graças a diálogos inspirados, ao elenco cheio de frescor, mas essencialmente a uma direção impressionante, essa garota pode até entrar em cena prometendo sua morte, mas dificilmente terá suas cenas esquecidas.

Nota: 9,0
Título original: Me, Earl and the Dying Girl 



Love & Peace

Alguém consegue imaginar um filme cuja trama tenha em seu molho uma tartaruga geneticamente modificada que sonha, canta e cresce + um nerd músico que ganha a vida como contínuo num escritório e de repente se transforma numa estrela pop com inspirações 'ladygaguianas' + um mendigo que vive nos subterrâneos de uma cidade oriental que distribui pílulas entre brinquedos abandonados, que com isso ganham vida e sentimentos? Pois Sion Sono é o japonês perfeito para transformar isso tudo não apenas em realidade, como em um programa divertido pra caramba. Afinal, vocês lembram que no festival do ano passado ele trouxe para gente um musical com japoneses rappers mafiosos de gangues do submundo, violento pacas e ainda assim entregou um senhor filme? Pois ele conseguiu de novo.

Óbvio que não dá pra entrar na sala escura e encarar um filme com as características que apresentei acima da forma mais natural do mundo e esperar a coisa mais comum do mundo; Sono nunca tenta fazer o filme fácil, muito pelo contrário, ele abraça o risco com tanta força que não consegue acertar sempre (ano passado Gangues de Tóquio foi um triunfo inesperado). Mas não dá pra negar que o cara não tem medo de cara feia e se joga em cima de todas as ideias possíveis, ainda tratando de criar outras pelo caminho. Então o filme começa como uma comédia amarga sobre bullying, vira um conto sobre a ascensão de um inocente e sua virtual perda da inocência, ainda contém um conto moral sobre abandono e por fim ainda tem uma surreal fábula natalina!

Particularmente eu sempre vou preferir alguém que tente a um opção mais quadrada e repetitiva. O cinema de Sion Sono ele não se prende e nem está quieto no canto dele; são filmes que em sua totalidade seus personagens travarão jornadas que os mudará por completo, taí um tema que é possível encontrar em comum em suas produções. Mas esses passos não serão dados de forma convencional nunca; sua narrativa sempre é repleta de acidentes de percurso, você observa nitidamente ele apostar nisso a cada cena. Como eu disse anteriormente, esse risco que se corre pode vir a degringolar seus roteiros e suas decisões estéticas, e isso infelizmente acontece aqui. O conto moral e por vezes a fábula natalina parecem estar sobrando, e nem sempre tem desenvolvimento agradável como o resto do todo. Mas sendo Sion Sono quem é, imagina-se que ele esteja feliz mesmo com as irregularidades apresentadas... E vai continuar pirando e arriscando. Ainda bem. 

Nota: 7,0
Título original: Love & Peace

Comentários (10)

Alexandre Guimarães | segunda-feira, 19 de Outubro de 2015 - 11:46

Vcs tão ligado que o Marlon fez um barreira no intuito de evitar que o pau do Pedro entrasse em contato com outro cu que não fosse o seu!?

Marlon Tolksdorf | segunda-feira, 19 de Outubro de 2015 - 11:51

foi exatamente isso o que eu fiz

Darlan Pereira Gama | segunda-feira, 19 de Outubro de 2015 - 11:52

Nada é mais esquisito durante um Festival de cinema nos dias de hoje do que! O Carbone cobrindo um festival tão importante como o do Rio!

Nilmar Souza | segunda-feira, 19 de Outubro de 2015 - 12:13

Deus acabe com esse diário prfvr nunca te pedi nd

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