Saltar para o conteúdo

Artigos

Direto do Festival do Rio - Parte 3

Escrevendo esta reportagem sobre o Festival do Rio, notei ter assistido  alguns bons filmes dirigidos por mulheres, além de Red Road que analisei na matéria anterior, conferi mais dois:

Em Madeinusa, a diretora peruana Claudia Llosa faz um retrato nada turístico de seu país ao enfocar a vida de um povoado encrustado nas montanhas. Felizmente (ou infelizmente para alguns) ela não se deixa levar pelas paisagens e volta sua lente para os personagens, aparentemente pitorescos, mas que escondem perversões comuns a qualquer cidade do mundo.

O nome do filme é o de uma adolescente local, a bela e virginal Madeinusa, que vê em um forasteiro, oportunamente chamado Salvador, a chance de escapar daquele local isolado durante as festas da Semana Santa. Mas o filme não é uma comédia romântica. Logo a insanidade coletiva da cidade, que segue uma tradição local onde nada é mais pecado durante as festas porque Deus está morto, revela o pior de cada um deles.

Premiado em artigos festivais, Madeinusa é um filme de difícil digestão, porém fascinante e bem realizado, cujo aspecto documental empresta realismo à uma história fictícia. Uma estréia forte de uma cineasta talentosa.

Do México, Efectos Secundarios também é a estréia de uma diretora e roteirista, Issa López, que pega mais leve em uma comédia sobre pessoas de trinta anos. O nome do filme se refere aos efeitos colaterais causados pelas escolhas que fazemos na vida, o que nesse caso gera uma série de desgraças cômicas para deleite do público.

O estilo de Issa é um tanto televisivo, afinal o México também é um país exportador de novelas, mas o que destaca seu filme é o ágil roteiro, com diálogos afiados e inúmeras reviravoltas. A criatividade demonstrada por ela em algumas cenas (como a "mente" de um personagem ex-viciado, ou o enxame de borboletas que pontua uma sequência importante) também é um dos pontos fortes do filme que, se não é exatamente uma obra original, possui apelo comercial sem deixar de usar a inteligência.

Outro badalado nos festivais por onde tem passado é o coreano The Host de Bong Joon-Ho. Inusitado que um filme de monstro foi uma das sensações de Cannes e isso atraiu mais atenção ainda para este, que estreou há pouco tempo com grande sucesso em seu país.

Depois do eficiente thriller policial Memories of Murder, Joon-Ho prova que domina bem o cinema de gênero e efeitos especiais, realizados por uma compania americana de São Francisco, a Orphanage FX, que apesar do orçamento não tão generoso quanto o de uma produção do mesmo gênero nos EUA, realizou um bom trabalho. The Host possui um bom roteiro e direção, que ajudam a dar credibilidade aos efeitos e não o contrário, mas infelizmente Hollywood já anunciou um remake e deve reverter essa regra.

Principalmente porque há um elemento político que os atinge: A crítica da presença americana na Coréia. A premissa dos químicos jogados no Rio Han, em Seoul, foi baseada em uma história real e foi ordem de um americano que permanece impune até hoje. Há também o sargento dos EUA que luta com o monstro ao lado do protagonista Kang-Du, ele é retratado como herói pela imprensa enquanto Kang-Du é largado num hospital, suspeito de levar um vírus disseminado pela criatura. Assim, sucessivamente ao longo do filme, o diretor entretém o público mas dá suas alfinetadas no Imperialismo. Algo que certamente vai ser a primeira coisa eliminada da versão do Tio Sam.

E diversão é o que não falta, ele é hábil em construir seqüências de ação e cada ataque do monstro é muito bem encenado. Mas o segredo do sucesso de The Host está nos personagens que compõe a família de protagonistas,  cativantes e carismáticos, fazem com que o misto de drama e humor funcione. Esse elemento pode parecer um tanto exagerado para olhos ocidentais, mas não vejo porquê isso vá depreciar a qualidade do filme, que pode ser uma boa introdução ao cinema da Coréia. Há até uma cena em que um dos personagens explica uma expressão popular coreana, uma linha nitidamente colocada para o público estrangeiro.

Desde que foi anunciado anos atrás, o ambicioso drama sci-fi Fonte da Vida, do diretor Darren Aronofsky, tem sido aguardado com grande expectativa. A produção foi problemática devido a saída da sua estrela original, Brad Pitt, poucos dias antes do início das filmagens, cancelando-o. Aronofsky resolveu tocar seu projeto com Hugh Jackman para o lugar que seria de Pitt e também alterou a história para acomodar o novo, e limitado, orçamento. O roteiro original foi lançado na forma de uma graphic novel, mas a mudança pode ter influenciado o resultado final?

Não devo atribuir a culpa de A Fonte da Vida não ter funcionado à esses problemas, pois o filme é visualmente impecável, Aronofsky é um bom diretor mas desaponta como roteirista, os diálogos em alguns momentos são ruins e a estrutura é falha. As duas narrativas paralelas, da busca do consquistador espanhol e do viajante cósmico, acabaram se tornando mero suporte para uma história um tanto banal do médico que busca a cura do câncer para a mulher, uma história de amor imortal como já se viu diversas vezes e as partes que deveriam ser carregadas de simbolismo se tornam óbvias e acabam por não acrescentar uma profundidade a mais, apenas confundem a platéia.

Falando em Simbolismo, o festival prestigiou o cinema mexicano esse ano trazendo diversas produções do país, incluindo três filmes do cineasta surrealista Alejandro Jodorowski e tive oportunidade de assitir a dois.

Fando e Lis de 1968, é baseado em uma peça do autor surrealista Fernando Arrabal, mas não do texto literal e sim de lembranças de Jodorowski escritas em uma folha de papel. Foi o primeiro filme do então jovem diretor e já chegou causando uma certa comoção. Existem diversas histórias de como o público da premiere perseguiu o diretor com pedras e de como o filme atraiu uma multidão de curiosos, tornando-se um sucesso de bilheteria, mas que causava diversas confusões e brigas pelos cinemas, o que levou o governo mexicano a banir o filme e quase deportar o cineasta. O filme permaneceu perdido durante alguns anos, mas foi lançado em DVD numa edição especial comentada pelo diretor, onde ele revela os simbolismos por trás das cenas.

Vendo o conteúdo da película digo que é compreensível que as pessoas nos anos 60 se chocassem, é uma produção bastante avant-garde e nada comercial sobre um casal, interpretados pelo próprio Jodorowski e por Diana Mariscal, que viajam em busca da utópica cidade de Tar. Ela é paralítica e ele a faz sofrer durante quase toda a viagem, abandonando-a, oferecendo-a a outros homens, humilhando-a e agredindo, me pareceu tudo uma grande metáfora aos relacionamentos amorosos. Apesar da inexperiência dele e da precariedade, nota-se um razoável domínio da linguagem de cinema, mas este não é um filme convencional e sim um filme de arte, bastante hermético por sinal, onde cada sequência é recheada de simbolismo. Difícil de acompanhar pra quem não está habituado a um cinema tão abstrato, mas que me prendeu a atenção devido a imprevisibilidade de cada sequência e a força de algumas situações.

Seu outro filme El Topo, o faroeste místico realizado em 1970, é o filme que deu origem ao termo midnight-movie, e foi cultuado por gente como John Lennon que chegou a comprar os direitos de distribuição nos EUA. É um trabalho com mais humor feito por um cineasta mais experiente, acabou se tornando seu filme mais famoso e, apesar de ser um pouco mais narrativo que Fando e Lis, não deixa de ser novamente hermético.

Dividido em capítulos com nomes bíblicos como Genesis, Salmos etc. narra as aventuras de um pistoleiro conhecido como El Topo (O Toupeira, uma alusão à busca da iluminação já que é um animal que vive embaixo da terra e busca o sol para sobreviver, como explica a narração). Na primeira e mais estranha parte do filme ele é como o Deus do Velho Testamento, violento e implacável, abandona seu filho e parte para enfrentar quatro mestres no deserto, onde ele quase morre e é acolhido por uma comunidade de deformados e párias. Chegamos na segunda e mais arrastada parte do filme onde ele remete a Jesus Cristo, o Deus do Novo Testamento, tornando-se mendigo em uma cidade corrupta a fim de conseguir dinheiro para cavar um túnel e libertar seu povo. El Topo é um filme desconcertante mas cheio de cenas memoráveis, que desfila uma série de críticas à burguesia e a religião.

Muito mais simples é Driving Lessons, pequeno veículo para o ator Rupert Grint, o eterno Ron Weasley da série Harry Potter, voar solo. É uma espécie de Ensina-me a Viver (Harold and Maude de 1971) mais delicado, mas nem por isso menos interessante, esperava uma mera Sessão da Tarde e fui surpreendido com um roteiro esperto que lida com situações dramáticas com leveza, um senso de humor ligeiramente distorcido e excelentes atuações.

Grint não está fazendo um papel muito diferente de Ron, pois o seu personagem aqui também é um tímido adolescente, mas com o auxílio luxuoso de atrizes como Julie Walters, que vive a velhinha que o ajuda a "quebrar a casca" e de Laura Linney, excelente como uma mãe repressora e religiosa. Grint consegue se livrar do estigma de coadjuvante de Harry com uma boa escolha de projeto.

Ano que vem tem mais Festival do Rio.

Comentários (0)

Faça login para comentar.