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II SINISTRO FEST 2023 - DIA 001 – 03/10/2023

Macabro dia primeiro

II SINISTRO FEST 2023 - DIA 1. Foto: Divulgação
II SINISTRO FEST 2023 - DIA 1. Foto: Divulgação

O primeiro dia do SINISTRO FEST chegara com sua idiossincrasia subsequente mais interessante: a diversidade dos materiais exibidos. Desde uma animação mais fria e aterradora à proposições ao body horror mais frontais, passando ainda pelo suspense, sci-fi e (por que não?), a comédia. A vantagem em se ter tiros curtos (trocadilho escrotinho) é o poder de confabular criminosamente as mais variadas obras em espaço ainda mais curto de tempo do que em festivais que possuem uma gama graúda de longas-metragens. O proveito tem que ser utilizado a reboque da proposta açambarcada, e nisso funciona o esquema de antologia do horror/terror do SINISTRO FEST. Os espaços democráticos (alguns saborosamente vadios) que o gênero terror/horror permite aqui é visto em tela grande, sangrando e sibilando.

DESTAQUES DIA 1 - SINISTRO FEST 2023

De Onde eu Vim (De Onde eu Vim, 2022)
De Onde eu Vim (De Onde eu Vim, 2022). Foto: Divulgação

De Onde eu Vim (De Onde eu Vim, 2022) [suspense - 19 min – Brasil], de Eduardo Linzberg. Exibido na Sessão Boitatá. Competitiva Curta Nacional.

Parte do pressuposto da existência tácita dos julgamentos morais causadores de prisões internas no protagonista por conta de uma vertente homossexual. Algo que acaba por acarretar numa desconexão forçada do sujeito para com o seio social que o circunda, através de uma interessante parafernália alegórica – que visa a reflexão social através da visceralidade de um renascimento retroativo. As boas escolhas dalguns planos zenitais que demonstram as relações de desconforto, sofrimento e inconformidade do personagem, servem a este fim. Há um preparo final via um ritualístico radical cheio de significados no fechar do material. Uma literal volta para o útero da mãe – à fórceps – já que a vida o tecido social escroto e preconceituoso não o aceitara. Busca a solução do recomeçar maternal num esquema de suicídio com a ressurreição como fim (?), ou como um abandono da vida sem a busca por uma nova trajetória. A fita deixa esta questão em aberto, já que o interesse é pela força da mensagem.

Colares, Talvez (Colares, Talvez, 2021). Foto: Divulgação
Colares, Talvez (Colares, Talvez, 2021). Foto: Divulgação

Colares, Talvez (Colares, Talvez, 2021) [fantasia / drama - 25 min – Brasil], de Sandro Vilanova. Exibido na Sessão Boitatá. Competitiva Curta Nacional.

Fita de tom fantasmagórico via o interior paraense do profundo folclórico. É um esquema de continuidade ficcional tácita dos acontecimentos ufólogos de 1977, no Pará, cidade de Colares, onde foram avistados ovnis à época e se criara a lenda de que os alienígenas viriam a chupar o sangue da população, por isso a nomenclatura dos bichos de “Chupa-Chupa”. O filme em questão escolhe compor sua estratégia através do aspecto ficcional do cinema fantástico junto à enxertos documentais proporcionados de maneira orgânica ao material, funcionando muito bem e não retirando em ponto algum a imersão desejada. Denota aqui um intrigante estudo de folclore regional. Com boas ideias visuais que corroboram com o projeto, principalmente nos usos dos espaços como localizações de mistério e tensão pelo meio dos matos.

Lete (Lete, 2022). Foto: Divulgação
Lete (Lete, 2022). Foto: Divulgação 

Lete (Lete, 2022) [horror / animação - 20 min – Colômbia], de Duban Pinzon. Exibido na Sessão Boitatá. Competitiva Curta Internacional.

Animação colombiana que trata de traumas de um pós-guerra e como este afetara os personagens física e mentalmente. Um terror pós-guerra no gelo. Boa animação. Esquisita. Mortos perambulando ou alucinação? Usa do choque como uma membrana silenciosa e traumática por sobre quem vivenciara o conflito. Porém aqui o citado trauma ainda atravessa uma camada mais pessoal por envolver a filha de um ex-combatente. A escolha por não propor os diálogos é salutar por nos fazer adentrar no drama silencioso e brutal desse personagem, que se configura como uma figura perdida em busca não só pelo paradeiro de sua filha, mas por uma redenção (ou fuga qualquer que seja) que não encontra finitude. A técnica usada prioriza os usos do clima frio para se vender como claustrofóbica através do deserto branco chapado e doloroso, assim como aterroriza nas figuras dos fantasmas com seus olhos escuros e vazios. Espertamente usa dalgumas técnicas clássicas para a facilitação da animação, como do próprio dançar dos flocos de neve para causar uma sensação de movimento num cenário estático. Os traços são contidos, mas poderosos no que há de sinistro por trás das intenções do material.

Quiet (Quiet, 2023). Foto: Divulgação
Quiet (Quiet, 2023). Foto: Divulgação

Quiet (Quiet, 2023) [horror - 15 min – Espanha], de Hector Romance. Exibido na Sessão Labatut. Competitiva Curta Internacional.

Um pai buscando a filha, que parece ser um fantasma a transtorná-lo. E essa perturbação tem mais do que motivação. Tem vingança. Justiça. Punição. Ou quaisquer outros adjetivos que o valham, e que mesmo assim não conseguem transpor o revés merecido de algo tão escroto quanto a pedofilia. Para contar esta macabra estória o material se utiliza de ótimos movimentos de câmera em alguns planos sequências interessantes ao terror, onde aprimoram o aspecto de tensão e movimentação dos personagens – com destaque para uma cena num banheiro que solidifica o primeiro encontro de pai e filha na diegese a tratar do terror propriamente dito. A escolha da paleta de cores é coerente com a proposta. Uma fotografia em cores frias num azulado e em verde lodo quando precisa, e aumentando o tom mediante o filme avança. A podridão através destas cores atesta não só o caráter escabroso do criminoso, mas mostra uma transformação da vítima na própria paleta. Um crescimento duma frieza silenciosa que busca vingança pelo sofrimento na autoconsciência de sua falta de vida, mas não sem um propósito.  

Cáustico (Cáustico, 2023). Foto: Divulgação
Cáustico (Cáustico, 2023). Foto: Divulgação

Cáustico (Cáustico, 2023) [suspense / horror - 22 min – Ceará], de Wesley Gondim. Exibido na Sessão Quibungo. Filme Convidado.

Mãe e filha vendem carniças de sapos e querem manter uma solução ativa de sabonete humano para curar as mazelas físicas da matriarca. O usufruto do sabonete feito de carne/gordura humana – antes utilizado com sarcasmo em um filme da envergadura de um Clube da Luta (Fight Club, 1999) – aqui escolhe o tom mais agudo da coisa, no que tange a uma deliciosa de feridas em seboseira. Inclusive com um aspecto de punição aos sujeitos vis que delas queriam tirar algum proveito, principalmente através do sexo. Aí que mora o justiçamento orgânico (necessário à sobrevivência também, não vamos alisar) através metamorfose da carne humana em cura temporária para um conjunto de nauseabundas pústulas. Inclusive quando a fita decide mostrar o destroço a vera, o faz de forma competente com corpos massacrados em sagaz trabalho de arte e câmera. Interessante perceber o ciclo vicioso do diabo dos sapos, que servem tanto como elemento de venda (um sujeito chega a pedir 20 quilos dessa iguaria, haja sapo, rã e perereca para dar esse montante) para elas, quanto que para exercer sua matança ritual e sacrificial, já que é um veneno paralisante extraído desses animais que é usado para dominar os caras. A fita te prepara pra isso, dando espaço para uma construção do espectador frente ao descalabro que em breve acontecerá.

 Texto para a cobertura do Sinistro. Artigo Festival II SINISTRO FEST 2023.

Comentários (1)

Rômulo Santos | quarta-feira, 04 de Outubro de 2023 - 20:47

Excelente material!!!
finalmente um festival voltado para esse tipo de filmes aqui em Fortaleza.

Ted Rafael Araujo Nogueira | quinta-feira, 05 de Outubro de 2023 - 00:55

Beleza demais meu patrão. Com toda certeza necessitava-se de um festival desta envergadura horrorífica para o estado do Ceará.

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