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Ingmar Bergman em 12 filmes

Nascido em 1918 e falecido em 2007, o cineasta Ernst Ingmar Bergman completa seu centenário de nascimento em 14 de julho de 2018. Ao longo de quase seis décadas de carreira, o cineasta erigiu uma obra autoral que o consagrou como o cineasta da alma e da intimidade humana, bem como tocou em outras questões tabu como fé, religiosidade e sexualidade humana, abordando a vida de homens e mulheres comuns e desiludidos com as circunstâncias.

Influenciado pelas peças intimistas do dramaturgo August Strindberg e pelas imagens evocativas do cineasta Victor Sjöstrom, consagrou um estilo inimitável, largamente copiado e quase nunca igualado. Em uma filmografia tão extensa, pode ser difícil saber por onde começar. 

Por isso, escolhemos 12 obras essenciais para desbravar o mundo de Ingmar Bergman e cair de amores por um dos artistas mais influentes do século XX. Confira abaixo!


Juventude (1951)

À parte das angústias existenciais, dos horrores da realidade, Juventude é um raio de sol na filmografia de Bergman, ainda que inevitavelmente triste. Fazendo seu próprio filme de amores adolescentes no verão, hoje tão comuns no cinema, o diretor aqui apostava em uma abordagem um pouco mais equilibrada entre seu lado doce, nostálgico, e seu lado fatalista. Nada mais confuso do que os sentimentos despertados pela nostalgia da juventude: um misto de saudades, sorrisos tristes, arrependimentos, pequenas satisfações. Ao contar a história de uma bailarina que encontra um diário antigo e com isso é engolida pelos relatos de seu próprio passado, Bergman já desenhava de forma um pouco mais suave alguns de seus traços temáticos mais recorrentes, como a finitude da vida e a perspectiva feminina do mundo. Não à toda considerado por Jean-Luc Godard o filme mais belo do diretor, e que não deve em nada à suas grandes obras. (Heitor Romero)


Mônica e o Desejo (1953)

Não à toa Bergman conseguiu tanta projeção com Mônica e o Desejo – o diretor aborda frontalmente a figura da mulher, sua sexualidade e as posições sociais que se via imposta. É um filme que fala sobre sexo e amor, mas também sobre gravidez e casamento. É o filme de Bergman que mais tem a característica de um “romance de formação”, onde a protagonista aprende sobre os preços das escolhas mas também reflete sobre suas próprias aspirações. Como o título original anuncia, é o Verão de Mônica, o ponto de virada de sua vida, muito além do que o filme foi percebido na época pelo grande público internacional, de um “filme sueco de teor sensual”. A personagem é profunda e tridimensional porque não podemos julgá-la, condená-la e absolvê-la. É o ponto forte que fazia Bergman um cineasta tão imerso na alma humana mesmo em um período tão germinal da sua carreira: é uma pessoa, com defeitos, falhas, desejos e sonhos. Como nós. Filme fundamental para entender porque Bergman foi conhecido mais à frente como um “diretor de mulheres”. (Bernardo Brum)


Morangos Silvestres (1957)


Duas vezes no mesmo ano, Bergman falou sobre a finitude da vida, no sombrio O Sétimo Selo e no mais solar Morangos Silvestres, onde ele dirige seu ídolo, o cineasta e ator Victor Sjöstrom e pega o sombrio ponto de partida do seu A Carruagem Fantasma (onde a figura da morte é encarnada pela última pessoa que morre todo ano) para encenar a última viagem de vida de um professor – e do próprio Victor, em seu último trabalho no cinema (ele faleceria em 1960). Enquanto outros títulos iniciais de Bergman falavam sobre a confusão que é o período inicial da vida, Morangos Silvestres é intimista em seu tom crepuscular, não sobre as realizações e arrependimentos que estão sendo encarados agora, mas os que já passaram e deixaram marcas. Também um dos últimos acenos de Bergman ao tom mais clássico de seus filmes – a partir daí o cineasta cada vez mais entraria de cabeça em um cinema radicalmente pessoal, artesanal e iconoclasta na mesma medida. (Bernardo Brum)


O Sétimo Selo (1957)


Literalmente o filme que lançou Bergman para o mundo e que consagrou certos assuntos como a sua assinatura a – a morte, a finitude da vida, o silêncio de Deus. Ambientado na Idade Média, o filme compartilha suas doses de fantasia (o cavaleiro que joga xadrez com a morte tenta adiar a chegada do inevitável fim) e realismo (a peste negra varrendo a Europa, a ameaça da Inquisição, a autoimolação de fieis), conectadas pela convicção abalada que o protagonista sente após voltar para casa das campanhas contra os muçulmanos e não encontrar mais a terra que deixou. Tão duro de assistir nos retratos de Bergman sobre o clima sombrio da época. que o personagem de Max Von Sydow representa tão bem, quanto lírico na figura da companhia teatral (a eterna rendição de Bergman à arte como redentora da vida) renderam algumas das cenas mais icônicas da história do cinema. (Bernardo Brum)


A Fonte da Donzela (1960)

12 anos depois, o americano Wes Craven refilmaria essa pequena joia esquecida de Bergman como Aniversário Macabro, explicitando toda a violência que em A Fonte de Donzela era apenas tristeza. Espécie de fábula moral de Bergman sobre a vingança e a culpa filmado a partir do roteiro da escrita Ulla Isaksson (que também escreveu o roteiro de No Limiar da Vida), o filme recebeu influências do cinema japonês, o próprio Bergman sendo um fã de Rasohomon e mais tarde se referindo ao filme como uma “imitação de Kurosawa”. A disputa religiosa entre cristianismo e paganismo também entra na roda de discussões, e o protagonista Töre, baseado em uma lenda sueca, dividido entre o ódio dos assassinos e estupradores da sua filha e sua vingança pagã encarnada na figura da serva Ingeri, conflitando com a busca por perdão e a redenção cristãs que busca após cometer crimes tão bárbaros como aqueles que lhe fizeram mal. De um realismo nauseante para a época, Bergman dessa vez mescla os demônios interiores com as atrocidades da vida real. Controverso, não tão unânime, mas não menos impactante. (Bernardo Brum)


Luz de Inverno (1962)

Filme do meio da famosa trilogia do silêncio, Luz de Inverno é provavelmente a obra máxima na filmografia de Bergman dentro de um dos temas que definiram sua identidade: o silêncio de Deus. A história de um pastor em crise com sua própria fé e crença em Deus exprime a angústia que pontuou a vida do diretor desde a infância, quando foi criado sob a rigidez religiosa e moral de uma família luterana. Dentre todas as formas de silêncio na rotina do homem comum (também discutidas nos outros dois filmes da trilogia, Através de um Espelho e O Silêncio), nenhuma parece pesar tanto ou calar mais fundo na alma de Bergman quanto a divina. Nunca ele foi tão claro e cru quanto a isso, colocando no texto pesadas sentenças como “acreditar que Deus não existe faz a vida ter sentido. É um alívio! Dor e morte tornam-se coisas naturais”. Em um cenário mundial funesto de tensão nuclear crescente, o resquício de otimismo e fé morria no peito do gênio. (Heitor Romero)  


Persona - Quando Duas Mulheres Pecam (1964)


O filme que hoje é amplamente apontado como a obra-prima máxima de Bergman é um dos seus trabalhos mais radicais tanto na forma quanto no conteúdo. Abrindo mão do naturalismo antes tão em evidência em sua obra, o diretor aplicava aqui subversões narrativas e fragmentos experimentais em torno do trabalho preciso de Liv Ullmann e Bibi Andersson. Talvez seja o mais cinematográfico dos seus filmes, o mais visualmente inventivo e até hoje o mais influente. Bergman aplicava suas muitas máscaras em diversos níveis, desde a relação ambígua e jamais desvendada entre as atrizes, que em dado momento se fundem em uma pessoa só, até na forma como trata o próprio filme em si, em um frame antológico que se queima durante a projeção. A ambiguidade prevalece do começo ao fim, desde o uso da fotografia em preto e branco realçando as sombras que cobrem parcialmente cenários e rostos até o texto enigmático e intrincado que aponta diversos lados e caminhos nesse labirinto de imagens que só fazem pleno sentido quando assimiladas como fluxo do inconsciente humano. Poucos filmes atingem esse nível de modernidade, complexidade e densidade. (Bernardo Brum)


A Hora do Lobo (1968)

O único filme de terror dirigido por Bergman é talvez sua grande obra-prima fora da esfera dos títulos comumente mais idolatrados de sua filmografia. Quase um complemento de Persona, Bergman começa seco e documental para aos poucos alcançar um nível de subjetividade que vai condensando a narrativa em um espiral regido pela mente insana do personagem de Max von Sydow, um pintor que mora isolado em uma ilha com a esposa. Discutindo o processo criativo de todo artista, que se deixa aos poucos engolir pelos próprios fantasmas, Bergman alcança uma amplitude com sons e imagens que poucas vezes o cinema ofereceu. Toda a sequência do pesadelo na pescaria é um complexo uso de luzes e sons que chega muito próximo do enlouquecedor. Conforme a tal hora do lobo se aproxima e a escuridão da madrugada avança, o cineasta quebra qualquer barreira entre real e imaginário, sonho e pesadelo, verdade e ilusão, até nos deixar sozinhos no escuro com o que há de pior e mais assustador e inominável na alma humana. (Heitor Romero) 


Gritos e Sussurros (1972)

Bergman já tinha filmado a cores antes de Gritos e Sussurros, mas dá para se dizer que ele nunca tinha filmado em cores. A sua parceria com o diretor de fotografia Sven Nykvist equilibra através da cor vermelha predominante nos cenários e transições o mergulho sem volta na alma de quatro mulheres com diferentes percepções da vida, diferentes desejos e diferentes encargos. Na história das duas irmãs que visitam a irmã que morre de câncer com apenas uma empregada a acompanhando, há a mulher desfigurada pelo luto de ter perdido o filho, emocional e fisicamente, a mulher que traiu o marido e provocou sua tentativa de suicídio e se tornou indiferente para lidar com a culpa e a mulher que cuida lealmente da patroa com um amor familiar que as irmãs são incapazes de demonstrar. Praticamente sem personagens masculinos e com poucas cenas exteriores, Gritos e Sussurros é uma via crucis feminina onde após vermos a morte da parente convalescente nem elas nem nós seremos os mesmos, à medida que o filme fica mais evocativo, chegando a flertar com o simbólico e até lá pelas tantas o sobrenatural, distorcendo o que antes era um ambiente comum ambientado no século XIX. Uma das atmosferas mais angustiantes e impressionantes já erigidas pelo sueco. (Bernardo Brum)


Cenas de um Casamento (1973)

Ao mesmo tempo que também dirigiu filmes que chegavam a resvalar em temas como religião, fantasia e arte, boa parte dos fãs de Bergman corria atrás de suas obras pela intensidade com que tratava relações familiares e afetivas. Os temas não são mutualmente excludentes, mas obras como a minissérie/filme Cenas de um Casamento faz parte de um rol especial de filmes que influenciaram diretores como Woody Allen (em seus filmes mais centrados em relacionamentos) e Richard Linklater (na trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Pôr do Sol e Antes da Meia Noite). Filme feito apenas e puramente de conversas, acompanhando como um casal tradicional se desintegra através de pequenos desentendimentos, segredos e palavras ditas fora de hora. Praticamente uma sessão de psicanálise de quase cinco horas de duração, Erland Josephson e Liv Ullman entregam um dos retratos mais íntimos do cinema sobre a dificuldade de se viver juntos quando não se vive bem consigo mesmo. Pungente, destruidor e emocionante sem nunca recorrer a nenhum afeto estilístico além de longos diálogos e reações microscópicas. Um monumento da intimidade, para ser sucinto. (Bernardo Brum)


Sonata de Outono (1978)


Fascinado pelas relações femininas, Bergman era um contumaz observador das interações entre uma ou mais mulheres, o que resultou em filmes clássicos como Gritos e Sussurros (1972) e No Limiar da Vida (1958). Mas de todas essas relações, nenhuma o intrigava tanto quanto a de uma mãe e uma filha, e para explorar esse fascínio o diretor escalou Ingrid Bergman e Liv Ullmann para uma das maiores lavações de roupa suja do cinema, com Sonata de Outono. Duas atrizes monstruosas sob a tutela de um texto inspiradíssimo se enfrentam para a discussão da estrutura familiar – uma interpretando a filha amargurada, carente e cheia de traumas de criação, e a outra no papel de uma mulher independente que nunca soube se encaixar no padrão maternal que lhe era cobrado. Pontuando o duelo, a trilha sonora de Chopin e seus prelúdios melancólicos. O costumeiro uso de close-ups aqui penetra nos momentos-chave em que Charlotte e Eva se assemelham pelo sangue, assim como expõem a fundo os demais momentos em que uma se mostra o exato e cruel oposto da outra. A conclusão não poderia ser mais devastadora na narração de Ingrid Bergman: “mãe e filha: que mistura terrível de sentimentos, confusão e destruição”. (Heitor Romero) 


Fanny e Alexander (1982)


Pode ser a saga de uma família opulenta. Pode ser a história de duas crianças que enfrentam pela primeira vez uma grande reviravolta na vida. Pode ser sobre muitos, sobre o indivíduo, sobre a infância, sobre a vida adulta, sobre a velhice ou simplesmente sobre a existência. Pode ser um drama, um épico, uma fantasia, um terror, uma comédia, uma aventura, um suspense ou mesmo um romance. Talvez seja autobiográfico e nostálgico, talvez seja apenas pessoal demais. Pode ser sobre os mistérios insolucionáveis da vida, as perguntas que nunca ganham respostas, ou pode ser sobre as respostas que já foram encontradas, porém jamais ditas. Pode ser realista tanto quanto pode ser surrealista, mágico e fantástico. Pode ser uma celebração à vida, ou uma constatação mórbida da proximidade da morte. Fanny e Alexander  pode ser apenas mais um filme de Ingmar Bergman, assim como pode ser todos os seus filmes em um. E dentre tantas hipóteses, a única afirmação que podemos fazer é que se trata do testamento de um dos maiores gênios do cinema. Enciclopédia bergmaniana, é a obra-prima final de sua carreira, onde todas suas características mais definidoras se cruzam e onde a magia faz as vezes não como uma fuga da realidade, mas como um instrumento inusitado usado para enfrentá-la. (Heitor Romero)

Comentários (6)

Davi de Almeida Rezende | segunda-feira, 16 de Julho de 2018 - 01:46

Ainda tenho fé de um dia acreditar que ele é um grande diretor, mas tá difícil viu! Dos 3 filmes que vi, só Gritos e Sussurros achei bom, e mesmo assim nota 7. Morangos Silvestres achei meia-boca (6) e Sonata de Outono, horrível (2).

Por acaso o diretor era esquerdista? Vai ver ele fazia parte da patota...

Guilherme Rodrigues | quinta-feira, 19 de Julho de 2018 - 23:30

Só uma pequena colaboração: o 7+ "Redescobrindo Bergman" que o Cunha fez uns anos atrás:

http://www.cineplayers.com/artigo/7-redescobrindo-ingmar-bergman/189

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