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Paul Newman - A Biografia Completa (parte 1)

 

Biografia Paul Newman - Parte II

Biografia Paul Newman - Parte III

Biografia Paul Newman - Parte IV

 

Quem já não morreu de inveja de Paul Newman?

Boa pinta, bem casado, bom pai e marido, auto-confiante e altruísta. Não bastassem tantos predicados, certamente foi um dos melhores atores americanos da sua geração (e olha que estamos falando de uma linhagem que inclui pesos pesados como Marlon Brando, James Dean e Montgomery Clift). Ao contrário de muitos de seus colegas contemporâneos, soube envelhecer nas telas com extrema dignidade, só dizendo sim a papéis que fossem coerentes com sua idade real. Ao permanecer casado por mais de 50 anos com a mesma mulher, mostrou definitivamente ser uma estrela que remava contra a maré de Hollywood. De fortes convicções políticas liberais, posicionou-se a favor do Partido Democrata e contra a Guerra do Vietnã. Ao perder um filho por problemas relacionados às drogas, buscou sua redenção com a criação de uma fundação filantrópica voltada a programas de reabilitação. Já mais velho, encontrou um novo talento nas pistas de corrida, primeiro dentro dos carros e depois fora deles, administrando equipes e pilotos da Fórmula Indy. Tornou-se multimilionário com uma extensa linha de produtos alimentícios, cuja arrecadação era toda dirigida a projetos sociais. Com tantas realizações, suas nove indicações ao Oscar parecem até brincadeira de criança.

Paul Leonard Newman nasceu em 26 de janeiro de 1925, em Cleveland, Ohio. Segundo filho do casal Arthur e Theresa Newman. Aos 17 anos, seu pai se tornou o repórter mais jovem do jornal de cidade, emprego que largou em 1915 para administrar, ao lado do irmão, Joseph, uma loja de rádios. Com o começo da Primeira Guerra Mundial, o negócio começou a andar pra trás, o que os obrigou a trocar os rádios para a venda de artigos esportivos.

Paul sempre teve uma relação conturbada com o pai, a quem considerava excessivamente rígido e retraído. Apesar desta distância, sua adolescência transcorreu de forma relativamente tranqüila. Após se formar no Shaker Heights High School, Newman matriculou-se na Faculdade de Economia da Universidade de Ohio. Entretanto, mais interessado em mulheres do que nos livros, o futuro astro abandonou o local quatro meses depois. O ano era 1941 e os EUA acabavam de declarar guerra ao Eixo.

Em 1943, Newman alistou-se na Aeronáutica. Ironicamente, seus celestiais olhos azuis se revelaram daltônicos, o que o impediu de se tornar piloto e ver a luta no front. Em vez disso, colaborou para os EUA como operador de rádio.

Dispensado do serviço militar em 1946, Newman viu-se meio perdido na vida. Sua primeira decisão foi matricular-se na Kenyon College, no curso de Economia e Administração. Tempos depois, insatisfeito com a escolha, transferiu-se para o curso de Literatura Inglesa. No entanto, a verdade é que Newman não dava muita bola para todo aquele aparato acadêmico. Seus interesses estavam mais voltados às mulheres, bebidas e esportes, não necessariamente nessa ordem. Após se envolver em brigas típicas de adolescente, Newman foi expulso do time de futebol da escola. Sem nada melhor pra fazer, começou a se interessar pela dramaturgia. Pelos dois anos seguintes, participou uma dúzia de peças amadoras.

Em 1949, ao se formar na Kenyon College, Newman conheceu Jacqueline Witte. Alta, loira e dona de grandes olhos castanhos, Witte logou impressionou Newman. Após um rápido namoro, casaram-se em dezembro daquele ano.

Newman começou a levar os palcos mais a sério. Por volta dessa época, participou de dezesseis peças, entre elas Algemas de Cristal, de Tennesse Williams (autor que teria enorme importância ao longo da sua carreira), e Nossa Cidade, de Thornton Wilder.

No início de 1950, a preocupação com o teatro foi abruptamente interrompida com a morte do pai. O evento trouxe a Newman uma grande sensação de culpa, já que ele achava nunca ter atendido às expectativas paternas. Em setembro do mesmo ano, Newman teve seu primeiro filho, Alan Scott Newman. Dividido entre seus anseios artísticos e as dificuldades econômicas da família, em 1951, Newman decidiu vender a loja artigos esportivos do pai e se mudar, de mala, cuia, mãe, esposa e filho, para Connecticut, onde se inscreveu na escola dramática da Universidade de Yale.

Sentindo que sua carreira como ator daria um salto de qualidade se se mudasse para Nova York, Newman fez um acordo com Jacqueline. No verão de 1952, ele embarcou para a Meca do show business americano, onde ficaria pelo prazo de um ano. Se nesse período a experiência não desse certo, ele voltaria para a Universidade e seguiria a vida acadêmica. Àquela altura, sua esposa já estava grávida do segundo filho. Newman não podia errar.

O ano de 1952 se revelou chave para Paul Newman, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal. O respeitado diretor teatral Joshua Logan estava escalando o elenco para a primeira montagem na Broadway de Férias de Amor, a mais nova peça de William Inge. Vindo de dois mega-sucessos como Ao Sul do Pacífico e Mister Roberts, a simples menção do nome de Logan já fazia tremer na base os atores da nova geração, sedentos por uma chance de serem vistos.

Com Paul Newman não foi diferente. Ajudado por um trabalho eficiente de seu agente, o ator conseguiu o direito a um teste. Foi o suficiente para convencer Logan e Inge a lhe dar o papel coadjuvante de Joker, um personagem menor dentro da trama, que só entrava no terceiro ato e com poucas falas.

Durante os ensaios, no entanto, ficou claro que o talento de Newman estava sendo desperdiçado. Resolveram, então, lhe entregar um papel de Alan Benson, o namorado almofadinha da protagonista Madge Owens (interpretada por Janice Rule) e que, ao final, é descartado pelo mais excitante Hal Carter (Ralph Meeker).

Além de conquistar espaço de maior destaque na peça, Newman foi escalado como o substituto para o personagem principal, de modo que ele estivesse pronto a assumir o papel numa eventual impossibilidade de Meeker (o que, na prática, pouco ocorreu). Isso o obrigava a contracenar em longos ensaios com a substituta da protagonista, vivida por uma atriz de certa forma ainda tão desconhecida quanto ele. Seu nome: Joanne Woodward. Começava ali um romance que duraria mais de 50 anos.

Férias de Amor estreou em fevereiro de 1953 e logo se mostrou um êxito comercial e artístico. Após 477 exibições, a peça rendeu a Inge o Prêmio Pulitzer. Para Newman, sobraram elogios dos críticos de plantão, o que lhe habilitou a penetrar – ainda com certa timidez – no mundo do show business.

Durante os 14 meses em que esteve vinculado à Férias de Amor, Paul Newman começou a trabalhar em programas televisivos transmitidos ao vivo. Sua primeira aparição foi em 1952, num episódio de uma série muito popular chamada The Aldrich Family. Na mesma época, ele foi contratado pela rede ABC para estrelar a série de ficção científica Tales of Tomorrow, uma espécie de rival das também famosas The Twilight Zone e The Outer Limits.

Foi também em 1953 que Paul Newman conheceu Sidney Lumet, com quem faria, 40 anos depois, O Veredito, um dos últimos grandes trabalhos do ator. Egresso da televisão, Lumet escalou Newman em dois episódios da série You Are There, da rede CBS, que tinha por foco a teatralização de eventos históricos.

No mesmo ano, Paul Newman preencheu sua ficha de inscrição no Actors Studio, lendária escola de interpretação criada por Lee e Paula Strasberg e Elia Kazan. Conhecida por promover o estilo de atuação conhecido como Método, que pregava a completa imersão do ator ao personagem, a Actors Studio tinha em suas listas de chamada gente da estirpe de um Marlon Brando, James Dean, Kim Stanley, Julie Harris, Eli Wallach, Lee Remick, Geraldine Page, Eva Marie Saint, Rod Steiger e Karl Malden. É mole ou quer mais?

Muitos destes futuros astros dividiriam as telas com Paul Newman dali a alguns anos. Mas naqueles dias, ainda calouro e desconhecido do meio, ele sentava-se no fundo da sala de aula, assumia sua condição de mero espectador e procurava absorver ao máximo aquela enorme quantidade de talentos por metro cúbico que brotavam dos ensaios.

Com a visibilidade que alcançara no teatro e na televisão, não demorou muito para Hollywood tocar a campainha da casa de Newman. A primeira chance surgiu quando a Columbia Pictures adquiriu os direitos de adaptação de Férias de Amor. Quando Logan e Inge começaram a escolha do elenco, o nome de Paul Newman surgiu naturalmente. Seu teste foi com Carroll Baker, outra protegida do Actors Studio. No final das contas, ambos acabaram preteridos. O papel de Hal Carter foi parar nas mãos de William Holden, que acabara de levar o Oscar para casa por sua interpretação em Inferno n.º 17, de Billy Wilder. Com cartucho tão alto, a chance de Paul Newman foi reduzida a zero logo na largada. Newman não conseguiu nem mesmo o papel que vivera nos palcos, de Alan Benson, herdado por Cliff Robertson.

Uma segunda oportunidade surgiria pelas mãos do diretor Elia Kazan. Nome já respeitado no teatro, Kazan estava com tudo e não estava prosa no mundo do cinema. Sua estréia fora há menos de 10 anos, com o bom drama Laços Humanos, e logo em seu segundo filme, A Luz é Para Todos, abocanhara o Oscar. Daí se seguiram outros dois enormes sucessos, como A Rua Chamada Pecado e Viva Zapata!, ambos estrelados por Marlon Brando, já então considerado o maior ator da sua geração.

O novo projeto de Kazan chamava-se Sindicato de Ladrões e tratava da influência da máfia e a corrupção sindical nas docas de Nova York. O diretor queria que Brando vivesse o personagem de Terry Malloy, um ex-boxeador que buscava a redenção pessoal através da delação dos criminosos. Apesar da forte proximidade profissional, Brando estava relutante em aceita o papel, muito em função das semelhanças da história com os fatos vivenciados pelo próprio Kazan nas investigações do Comitê de Atividades Anti-Americana, quando este listou, um a um, o nome de vários colegas que tinham vínculos com o Partido Comunista.

Quando Brando refugou, Kazan olhou para o banco de reservas e viu, ali, parado e louco para entrar em campo, a figura de Paul Newman. Um teste foi arranjado para que o ator fosse avaliado por Sam Spiegel, o big-boss por trás do projeto. A audição correu sem maiores turbulências. Mas, no fundo, tudo não passava de um jogo de cartas marcadas. A escalação de Newman para o papel de Terry Malloy fazia parte de uma estratégia arquitetada por Kazan para trazer Brando de volta ao projeto. Para piorar, se Brando se mantivesse firme em sua recusa, a segunda opção era Frank Sinatra, recém saído do ostracismo pelo Oscar recebido por A Um Passo da Eternidade. Após uma série de vais e vens, Kazan percebeu que só conseguiria o financiamento da Columbia se Marlon Brando embarcasse no projeto. O diretor, então, colocou o ator contra a parede, apelando para seu senso de lealdade, por ter ele, Kazan, lutado pela manutenção de Brando, então um rosto desconhecido, na adaptação para o cinema de Uma Rua Chamada Pecado. Marlon não resistiu a tamanha chantagem emocional e voltou atrás em sua decisão. Quanto a Paul Newman, restava a ele ir ao cinema mais próximo, comprar o ingresso e ver, em Sindicato de Ladrões, aquela que seria umas das melhores atuações da história do cinema americano de todos os tempos.

Ressentimentos à parte, Newman voltou a ser cogitado por Kazan para seu filme seguinte, Vidas Amargas, adaptação do romance A Leste do Éden, escrito por John Steinbeck e lançado há dois anos. A Warner viu naquela historia sobre dois irmãos que disputam o amor paterno, com óbvias referências bíblicas, uma possibilidade de reeditar o sucesso obtido em 1951, com Uma Rua Chamada Pecado. O diretor escalou Newman para um teste, em preto e banco, no qual ele deveria contracenar com um outro ator, de rosto ainda não familiar, também vindo do Actors Studio, e que começava a surgir nos meios teatrais: James Dean.

Na disputa pelo papel de Cal, Newman novamente perdeu no braço de ferro. Kazan o preteriu até mesmo para o personagem menos importante, interpretado pelo também desconhecido Richard Davalos. Independentemente de se gostar da atuação de James Dean ou não, o fato é que Kazan viu em Newman duas inadequações: já era um pouco velho para o papel de Cal e carismático demais para viver o coadjuvante Aaron.

Mesmo após duas frustrações, a Warner ainda pretendia investir em Newman. Bonito daquele jeito, o estúdio via nele, quem sabe, num novo Montgomery Clift ou Marlon Brando. Na pior das hipóteses, um substituto para James Dean, caso o novo astro não desse certo. Foi assim que o ator recebeu a proposta de sete anos de contrato, de U$1 mil por semana. Mais por necessidade do que por convencimento – afinal ela era casado e pai de dois filhos – Newman aceitou o acordo.

Dona do seu passe, a Warner o escalou para trabalhar em O Cálice Sagrado, superprodução orçada em U$ 4,5 milhões, adaptação do romance Tomas B. Constain e que tentava pegar carona no recente sucesso de O Manto Sagrado, da Fox. Enquanto a história daquele se centrava na vestimenta de Jesus na crucificação, este tratava da taça por ele usada na Santa Ceia.

Logo de cara, Newman percebeu que entrara numa barca furada. O roteiro de Lesser Samuels (que depois virou muito amigo do ator) e a insossa direção de Victor Saville, não privilegiavam o desenvolvimento psicológico do seu personagem Basil, um escravo grego liberal. Newman dividiu as telas com a italiana Pier Angeli, conhecida do público pelo sucesso Teresa, pequeno filme de Fred Zinnemann lançado em 1951, e por ser a nova namorada de James Dean.

Já na época considerado um dos piores filmes dos anos 50, O Cálice Sagrado se mostrou um constrangedor fracasso para a Warner. Anos depois, quando a fita foi reprisada na televisão americana, ficaram famosos os anúncios publicados por Paul Newman no Los Angeles Times, desculpando-se com o público pela má qualidade da obra.

O contrato que assinara com a Warner permitia que Newman trabalhasse paralelamente no teatro e na televisão. Foi o que ele fez. Durante as filmagens de O Cálice Sagrado, ele estrelou na Broadway, ao lado de Karl Malden, a peça Horas de Desespero, baseada no best-seller de Joseph Hayes. A adaptação cinematográfica, feita quase que simultaneamente, foi entregue nas mãos do veterano William Wyler, que optou por escalar para o mesmo papel o também veterano Humphrey Bogart.

Em meados de 1955, Newman e Jacqueline, cujo casamento já estava por um fio há anos, se separaram definitivamente. Mesmo arriscando ser mal visto pela opinião pública, o ator não pensou duas vezes e foi morar com Joanne Woodward.

Após as filmagens de O Cálice Sagrado, Paul Newman foi convidado a co-estrelar o filme para a televisão The Battler, a ser dirigido por Arthur Penn. Um doce para adivinhar quem foi o escolhido para viver o protagonista: James Dean, claro, guindado à condição de astro após o tremendo sucesso de Vidas Amargas.

The Battler estava previsto para ser exibido ao vivo em 18 outubro de 1955. Entretanto, três semanas antes, Dean passou desta para melhor após um acidente automobilístico. Paul Newman herdou o papel.

De volta à Hollywood, o ator foi emprestado à MGM, onde filmou Deus é Meu Juiz, adaptação de um peça televisiva de Rod Serling. Newman interpretou o Capitão Edward Hall, um traumatizado veterano da Guerra da Coréia.  Dirigido por Arnold Leven, ao lado de Newman estiveram os veteranos Walter Pidgeon e Anne Francis e os novatos Cloris Leacham (que vinha do sucesso A Morte num Beijo, de Robert Aldrich, e se tornaria uma das melhores amigas de Joanne Woodward) e Lee Marvin (que deixara uma forte impressão no cult Os Corruptos, de Fritz Lang). Deus é Meu Juiz foi um fracasso de público. Anos depois, o tema da Guerra da Coréia seria abordado por um viés semelhante no sucesso de crítica Sob o Domínio do Mal.

Mas a sorte de Newman estava prestes a mudar. Ainda emprestado para a MGM o ator embarcou no projeto que seria seu ponto de virada: Marcado pela Sarjeta, biografia do boxeador Rocky Graziano. Após dois trabalhos que praticamente ninguém viu, os estúdios já passavam a desconfiar do potencial de bilheteria de Paul Newman. É provável que sem Marcado pela Sarjeta, o ator teria desistido de Hollywood – e vice-versa.

Por trás de Marcado Pela Sarjeta havia o produtor Charles Schnee, àquela altura um roteirista de sucesso (quatro anos antes ele ganhara o Oscar da categoria por Assim Estava Escrito), e o ex-montador e diretor Robert Wise, cujo talento começara a aparecer em 1949, num pequeno grande filme de boxe que ele realizara para a RKO: Punhos de Campeão. Ambos entregaram o roteiro a Ernest Lehman, que trabalhara para Wise em Um Homem e Dez Destinos, seu filme anterior.

Se a lado financeiro e intelectual do filme estava resolvido, faltava definir quem viveria o papel de Rocky – o que não era pouca coisa. Newman, mais uma vez, não foi a primeira escolha. Antes dele, vinham os nomes de Montgomery Clift e – olha ele aí de novo – James Dean. Newman só conquistou o personagem que o colocou no mapa do primeiro time de astros, por causa da insegurança do primeiro – que não filmava desde A Um Passo da Eternidade, três anos atrás – e da morte do segundo.

Newman se preparou para esse filme como se fosse o último de sua vida. Visitou várias vezes o biografado, estudando seus modos de falar e andar, além das manias e trejeitos. Desta proximidade o ator incorporou diversos elementos ao personagem, como o hábito de cuspir no chão.

Ao lado de Newman, a Warner escalou sua parceira de O Cálice Sagrado, Pier Angeli, que viveria sua namorada e futura esposa. Além dela, o elenco contava com Steve McQueen, no seu primeiro papel mais importante e Sal Mineo, que acabara de ser indicado ao Oscar de coadjuvante por Juventude Transviada.

Revendo Marcado Pela Sarjeta com os olhos de hoje, é possível notar que o roteiro não passa de um biografia bem romantizada, naquele estilo conto de fadas que Hollywood sempre foi craque. Em termos de construção dramática e estrutura narrativa, é um filme bem mais pobre que o próprio Punhos de Campeão. Ainda assim, há virtudes óbvias. A fotografia e a direção de arte em preto e branco, ambas vencedoras do Oscar, conferem veracidade à historia. A direção de Wise é segura e fluida como sempre. Newman por sua vez, ao forçar o sotaque italiano e os maneirismos de Rocky, exagera um pouco na dose (característica comum dos atores da Actors Sudio) e fica a um passo da caricatura. Além disso, ele é claramente muito velho para a primeira parte do filme, que acompanha a turbulenta adolescência do protagonista. Mesmo assim, Newman mostra um carisma e uma entrega para o papel de arrasar quarteirão. Era evidente que aquele ator, apesar desta pequena tendência de super-representar, chegara pra ficar.

Marcado Pela Sarjeta estreou em julho de 1956, em Nova York, com críticas amplamente favoráveis, inclusive para a interpretação de Paul Newman. Em janeiro do ano seguinte, no entanto, o ator ficou de fora das indicações ao Oscar. Como consolação, Newman recebeu o Globo de Ouro de melhor revelação do ano, numa época em que esse prêmio era praticamente ignorado do grande público.

Três anos após sua desastrosa estréia em O Cálice Sagrado, Paul Newman estava de volta à Warner, pronto a realizar seu segundo filme para quem, afinal de contas, pagava suas contas. O estúdio olhou ao redor e percebeu que a MGM emplacara dois sucessos em seqüência com cinebiografias de cantoras com vida trágica. O primeiro era Ama-me ou Esqueça-me, com Doris Day vivendo Rutty Etting, e o segundo, Eu Chorarei Amanhã, com Susan Hayward no papel de Lillian Roth. Viu ali um filão que poderia render alguns trocados e não pensou duas vezes. Tirou da gaveta um roteiro que já rodava pelos seus corredores há mais de 10 anos e iniciou a produção de Com Lágrimas na Voz. A biografada da hora era Helen Morgan, cantora de muito sucesso nos anos 30 mas que, por gostar mais dos copos do que das partituras musicais, morreu ao completar 40 anos, em 1941.

Muitos anos mais tarde, Paul Newman recordava-se desse trabalho como um tapa na cara de Jack Warner, tal a mediocridade do conjunto da obra. Um roteiro, escrito a oito mãos, tendia para o sentimentalismo barato. A direção do outrora importante Michael Curtiz era anômala. Ann Blyth, que vivia a protagonista, nunca conseguia transmitir a emoção devida (foi seu último filme). Já Newman, no papel de Larry Maddux, o marido e empresário que explora a carreira de Morgan, parecia estar no piloto automático. Via-se que o sucesso de Marcado pela Sarjeta ainda demoraria a fazer efeito.

Irritado com a Warner, Paul Newman passou a recusar todos os papéis que lhe eram oferecidos, entre eles o drama Até o Último Alento, de Irving Rapper. Newman tentou se socorrer na MGM. Dera certo com Marcado pela Sarjeta, podia dar certo de novo. No curto prazo, a decisão acabou não valendo a pena. O estúdio o colocou em Famintas de Amor, drama romântico baseado no livro de James A. Michener, sobre quatro irmãs que flertam com solados americanos na Segunda Guerra Mundial. Apesar de o projeto contar com Robert Wise na direção e Charles Schnee na produção, por alguma razão inexplicável a coisa não andou. Acima de tudo, Famintas de Amor era um filme feminino. Newman, no papel do Capitão Jack Harding, parecia se ver um estranho no ninho. Apesar de tudo, revisto hoje, Famintas de Amor, ainda que um pouco datado, tem suas qualidades, como a sempre confiável direção de Wise, a emoção genuína que surge daqueles relacionamentos amorosos e a presença de Jean Simmons, garantia de beleza e talento.

Com Lágrimas na Voz e Famintas de Amor estrearam quase que simultaneamente, em outubro de 1957. A presença de dois filmes no circuito podia ser tida como uma confirmação do início do estrelato de Paul Newman. Apesar de os dois terem fracassado nas bilheterias, nem a Warner, nem a MGM pareciam creditar estes reveses na conta do ator. Até porque em nenhum deles o apelo comercial recaíra sobre a figura de Newman. Além do mais, o insucesso dos filmes era muito mais derivado da incompetência dos estúdios, que não souberam aproveitar o momento favorável proporcionado por Marcado Pela Sarjeta, do que por aversão do público ao ator.

Em 1958, Paul Newman finalmente conseguiu convencer a Warner a produzir o faroeste Um de Nós Morrerá, projeto baseado na peça de Gore Vidal e que já era de seu interesse há anos. A direção ficou por conta de Arthur Penn, que achava que havia chegado a hora de estrear na tela grande.

Naquela época, a Warner parecia dar maior atenção à produções mais caras, como Águia Solitária, de Billy Wilder, biografia do aviador Charles Lindenbergh. Por isso mesmo, o estúdio não se preocupou em acompanhar as filmagens de perto. Com isso, Penn teve mais liberdade criativa para preparar planos mais elaborados, utilizando duas câmeras ao mesmo tempo. Contudo, no mundo de Hollywood, "liberdade criativa" não significa necessariamente controle ao corte final. Foi o que aconteceu com Um De Nós Morrerá. Terminadas as filmagens, o estúdio não pensou duas vezes em cortar parte do material.

Newman interpreta William Boney, Billy the Kid para os íntimos, um garoto introspectivo e desarticulado. Logo cedo, ele exibe inteligência e senso moral. Billy é adotado por um criador de gado Tunstall. O assassinato deste faz com que Billy busque a vingança de forma impulsiva e sem freios. Novamente a interpretação de Newman sofre de certo exagero, ainda muito influenciada pelas técnicas da Actors Studio. De toda a forma, é um faroeste atípico, que privilegia mais o aprofundamento dos personagens do que a ação.

O filme seguinte de Newman, O Mercador de Almas, baseado em romance de William Faulkner, marcou seu primeiro projeto em conjunto com mulher Joanne Woodward e seu primeiro trabalho para a 20th Century Fox. A produção coube a Jerry Wald, que acabara de comprovar ao estúdio que tinha jeito para coisa em A Caldeira do Diabo. O elenco ainda exigia um ator veterano e – literalmente – de peso que interpretasse o personagem do patriarca Will Varner. Inicialmente Wald considerou os nomes de Edward G. Robinson e James Cagney, até optar por Orson Welles, àquela altura do campeonato sedento por uns trocados que pagassem suas contas com o fisco.

Em busca de um diretor, Wald escolheu o nome de Martin Ritt, cuja carreira voltava à ativa após a interrupção forçada pelas autoridades americanas em função de sua simpatia pelo Partido Comunista. Ritt e Newman trabalhariam juntos em mais cinco filmes. 

O Mercador de Almas estreou em março de 1958 com críticas favoráveis e uma boa resposta nas bilheterias (foi o maior sucesso da Fox do ano). Newman, no papel do sensual Ben Quick, ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes, primeiro reconhecimento importante da sua carreira.

As coisas corriam bem para o casal Newman-Woodward. Logo após as filmagens de O Mercador de Almas, em janeiro de 1958, eles se casaram oficialmente num hotel-cassino de Las Vegas. Visto com os olhos sensacionalistas de hoje, é de se espantar como os jornalistas da época respeitaram a individualidade dos envolvidos, especialmente de Newman, que poderia facilmente ser taxado de insensível ao trocar sua esposa e três filhos por uma mulher mais jovem. Se soubessem que, naquele janeiro de 1958, Woodward já estava grávida de 4 meses (não completada), talvez eles tivessem agido de forma diferente.

Logo após a lua de mel em Londres, Newman voltou a Los Angeles onde filmaria Gata em Teto de Zinco Quente, produção da MGM, adaptada da peça escrita em 1955 por Tennesse Williams e que rendera ao autor seu segundo prêmio Pulitzer.

Desde o início, Gata em Teto de Zinco Quente foi criado como um veículo para sua protagonista Elizabeth Taylor, uma das maiores estrelas do estúdio de então. Pelo filme, ela recebeu U$125.000,00. Newman, por sua vez, como de hábito, não era a primeira escolha dos produtores. Antes dele, vinha o nome de Montgomery Clift. A idéia do estúdio era refazer a dupla Clift-Taylor, que tanto sucesso fizera anos antes em Um Lugar ao Sol, da Paramount, e A Árvore da Vida, da própia MGM. No entanto, ciente das implicações homossexuais do personagem, Clift recusou a oferta. Ele não queria escancarar o fato que, na vida real, realmente era gay, muito embora isso não fosse segredo pra ninguém. Com Clift fora da jogada, Newman herdou o papel por U$ 25.000,00, uma barganha para a MGM.

Inicialmente, a MGM ofereceu a direção a George Cukor. Fã de Tennesse Williams, o diretor ficou entusiasmado com o projeto. Ele desejava ter Vivien Leigh no papel principal. No entanto, quando percebeu que o estúdio já optara por Elizabeth Taylor, sua excitação se dissipou e ele pulou fora. Em seu lugar, a MGM chamou Richard Brooks, ex-roteirista dos anos 40 e que se mostrara um diretor confiável em trabalhos anteriores, entre eles A Última Vez que Vi Paris (com a própria Taylor) e Sementes da Violência.

Os bastidores de Gata em Teto de Zinco Quente foram extremamente complicados, não apenas por problemas de adaptação da peça (o código de censura da época proibia a menção da palavra “homossexual”), como também pela morte trágica de Michael Todd, produtor de cinema (ele ganhara um Oscar no ano anterior por A Viagem ao Mundo em 80 Dias) e marido de Elizabeth Taylor. Todo o cronograma de filmagens teve ser que refeito, já que a atriz (que chegou a pensar em suicídio), não conseguia se dedicar ao trabalho com a mesma concentração.

Apesar de tudo, quando estreou, em setembro de 1958, Gata em Teto de Zinco Quente se mostrou um sucesso, tanto de público (fez mais de U$10 milhões só nos EUA), quanto de crítica. No início do ano seguinte, ao divulgarem as indicações ao Oscar, Paul Newman estava entre as oito nomeações dadas ao filme (sua primeira das nove que recebeu ao longo da carreira).

Seguiram-se três filmes sem muita expressão, como a comédia A Delícia de um Dilema, da Fox, em que Newman contracenava novamente com sua esposa, e os dramas O Moço da Filadélfia, último filme do ator para a Warner, e Paixões Desenfreadas, novamente com Joanne Woodward.

Em 1960, já desvinculado das amarras dos estúdios, Newman foi contratado por Otto Preminger para a adaptação cinematográfica do romance Exodus, lançado dois anos antes por Leon Uris, o maior sucesso literário nos EUA após ...E o Vento Levou. Há rumores não comprovados que, mais uma vez, Newman não era a primeira escolha para o papel de Ari Ben Cannan, personagem real que lutou pela criação do Estado de Israel. Antes dele, teriam sido cogitados para o trabalho os atores Kirk Douglas e Frank Sinatra. Seja como for, Newman, que tinha de fato descendência judia, acabou fazendo o filme por um salário de U$250.000,00.

Apesar de ser um dos trabalhos dos quais Newman menos se orgulha, muito em função da difícil relação que teve com Preminger durante as filmagens, Exodus acabou se revelando um grande sucesso de bilheteria, dentro e fora dos EUA, o maior da carreira do ator até então. Com isso, ele provava que podia ser um artista rentável, mesmo não tendo atrás de si um estúdio que o promovesse.

Os anos 60 chegavam e eles pareciam feitos para Paul Newman.

Comentários (1)

Silvia Lima | quinta-feira, 18 de Abril de 2013 - 17:51

Que material hein? Overdose de mais que boas informações.
Mui grata.
SilD

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