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Os primeiros anos de Wes Craven


Mente brilhante por trás de vários dos personagens e filmes mais icônicos do cinema americano, como Freddy Krueger e Ghostface, o cineasta Wes Craven hoje é mais aclamado e reconhecido por suas contribuições para os filmes de terror adolescentes, como A Hora do Pesadelo (Nightmare on Elm Street, 1984) e Pânico (Scream, 1996), onde brincou muito com a metalinguagem e a autoconsciência que poderia existir no gênero. O que nem todos reconhecem, no entanto, é o primeiro cinema de Craven, que começou a dirigir em um momento de renovação para o terror no cinema americano, fazendo parte de uma geração que revolucionou o cenário com abordagens de fundo social carregado e violência explícita e crua, ao lado de lendas como George A. Romero, John Carpenter, Joe Dante, Tobe Hooper e Larry Cohen. 

A oportunidade de conhecer essa fase inicial tão controversa dele está na Coleção Wes Craven, da Obras-Primas do Cinema, um box com 4 filmes cruciais acompanhados de extras, imagens e sons restaurados, além de cards que reproduzem a arte dos pôsteres originais. Divididos em dois DVDs, a seleção de quatro filmes aborda desde seu primeiro trabalho, na década de 1970, até a metade da década seguinte, permitindo acompanhar um pouco a gradual evolução de seu cinema, que começou tão cru e visceral e depois foi se suavizando dentro da configuração mais cômica e suburbana com que o cinema de terror oitentista se desenhava. 


No primeiro disco temos Aniversário Macabro (The Last House on the Left, 1972), o primeiro filme de Wes Craven e até hoje provavelmente seu trabalho mais pesado e radical, tratando de uma história que envolve estupro e vingança e sem muitos filtros ou limites. Trata-se de uma versão mais hardcore de A Fonte da Donzela (Jungfrukällan, 1960), do mestre sueco Ingmar Bergman. O próprio Craven, anos mais tarde, admitiria se tratar de seu filme mais indigesto e sinistro. Aqui é perceptível a influência do horror social que tanto revolucionou o cinema americano nos anos 60 e 70, sem muito aparato de alegorias e elipses, e mais focados em cenas explícitas e extremamente violentas – não à toa é um dos filmes de cabeceira de Quentin Tarantino. Benção Mortal (Deadly Blessing, 1981), segundo título do primeiro disco, já se trata de um trabalho de transição, momento que Craven começava a abandonar o cinema pesado dos anos 70 e abraçava o fator sobrenatural de sua formação com a fantasia infantojuvenil, sendo muito assustador, mas imensamente mais leve do que seus filmes anteriores, além de ser o título mais raro do box. 

O segundo disco traz Quadrilha de Sádicos (The Hills Have Eyes, 1977) e Quadrilha de Sádicos 2 (The Hills Have Eyes Part II, 1984). Embora um seja a continuação direta do outro, há um abismo entre os dois filmes. O primeiro é o melhor da primeira fase de Craven, tão cru e impressionante quanto Aniversário Macabro, porém beneficiado por um cuidado maior e um notável amadurecimento dele como diretor, em uma história estranha sobre uma família sendo perseguida por um grupo de canibais isolados em um deserto. Aqui Craven se juntava aos outros grandes diretores de sua geração para questionar a ruína de instituições como a família e o governo, desmembrando a estrutura dessas instituições em um cenário de revolta contra as mortes patrocinadas pelos EUA em uma época tão delicada como a Guerra Fria. Já a continuação traz um trabalho mais acomodado dentro da preguiça da indústria americana em sempre explorar sequências imensamente inferiores aos filmes originais, tal qual O Massacre da Serra Elétrica 2  (The Texas Chainsaw Massacre 2, 1986), e Craven não parece muito inspirado, comandando tudo no piloto automático.

Os extras trazem interessante material sobre Aniversário Macabro, seu legado, suas polêmicas, entre outros frutos deixados pelo filme ao longo dos anos. De qualquer forma, a coleção sobrevive pela incrível ousadia de trazer títulos tão desconhecidos e/ou subestimados de Craven, um dos grandes nomes do cinema de terror e que infelizmente nos deixou em 2015. Vale a oportunidade de conhecê-lo para além do universo de Pânico e A Hora do Pesadelo, percebendo sua gradual evolução e aprimoramento ao longo de quase quatro décadas de carreira. 

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