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8 Filmes Para Conhecer o Cinema Noir

O filme noir é considerado por muitos críticos e estudiosos como o único movimento autêntico do cinema de Hollywood. Tendo seu ciclo histórico durado entre os anos 1940 e 1950, ele nasceu de um cruzamento de referências específicas que hoje são claramente reconhecidas como parte de sua identidade temática, narrativa e visual. Herdou suas principais características do expressionismo alemão (no jogo de contrastes de luzes e sombras), na literatura hard-boiled (romances policiais baratos cheios de cinismo, personagens amorais e marginalizados, intrigas, ganância e violência, passados em cenários urbanos), e dos filmes de gângster populares dos anos 1930. 

Em um cenário pós-depressão econômica e ainda sob os efeitos da Guerra, o noir abandonava o farsesco feliz dos musicais e o heroísmo patriota dos faroestes para abraçar uma América mais amarga, cínica e menos inocente, questionando o sonho americano e expondo o seu lado mais obscuro. Aos poucos, suas influências foram tomando formas em outros gêneros e subgêneros, de modo que hoje é reconhecido em várias vertentes. Para conhecer melhor um pouco de cada uma, confira abaixo nossa seleção de 8 títulos. 

 

Fuga do Passado (1947) e o noir tradicional

O detetive, a femme fatal, o homem comum assombrado pelo seu passado, o crime, o protagonista amoral, o fatalismo e um destino que não demora a chegar para cobrar suas contas. Fuga do Passado, de Jacques Tourneur, é da cabeça aos pés um noir autêntico, com direito a todas as características narrativas e estéticas do movimento. Nesse universo sombrio, não há como escapar do que lhe aguarda e nem de si mesmo, e todas as ações do protagonista de Robert Mitchum são cientes de que cedo ou tarde ele será alcançado e finalmente engolido. Assim como o icônico Pacto de Sangue (1944), de Billy Wilder, este exemplar é um noir definitivo e uma boa oportunidade para se conhecer a fundo o movimento em seu período clássico. 

 

Alma em Suplício (1945) e o melodrama noir

Narrado em primeira pessoa através de flashbacks, algo muito característico do noir, e com uma protagonista feminina, Michael Curtiz fez de Alma em Suplício um noir suburbano e misturado ao melodrama, ao tratar da história de uma mãe de família e seu difícil relacionamento com as filhas. Assombrada pela misteriosa morte de seu marido, ela aos poucos é absorvida pelo seu meio em um espiral cada vez mais atormentador que reflete a crise familiar como epicentro da desmoralização social americana. A estrela Joan Crawford ganharia seu único Oscar por esse filme. Junto de obras-primas como Amar Foi Minha Ruína (1945), Na Teia do Destino (1949), Ao Cair da Noite (1949) e No Silêncio da Noite (1950), Alma em Suplício é um dos cruzamentos mais incisivos do noir com o melodrama e o cenário suburbano.  

 

Punhos de Campeão (1949) e o noir de boxe

No submundo dos marginalizados próprio do universo noir, os homens extravasam suas frustrações através da violência, muitas vezes nos ringues. Punhos de Campeão conta com um Robert Ryan em incrível performance lutando não contra seus adversários, mas principalmente contra a corrupção e ganância dos agentes patrocinadores dessas lutas. O ringue de boxe é a mais literal forma do noir manifestar sua essência violenta de homens lutando e sangrando até as últimas consequências, como se vê também em trabalhos como Corpo e Alma (1947) e O Invencível (1949). Se a violência era elemento recorrente no noir, como se vê no impressionante Os Corruptos (1953), de Fritz Lang, no noir de boxe ela é tratada mais graficamente do que nunca.

 

Mortalmente Perigosa (1950) e o filme B noir

Produção independente e de baixo orçamento, o cult Gun Crazy assimilava o fatalismo e a amoralidade do noir na trama de um casal de assaltantes que faz tudo por dinheiro e ascensão social, traçando um retrato da América afundada em ganância e pobreza do período pós Guerra. Também representa a vertente dos noir de casais em fuga, muito populares na época, como Amarga Esperança (1948), e foi de influência para muitos diretores independentes ao longo dos anos, desde Jean-Luc Godard e seu Acossado (1960) até Arthur Penn e o clássico Bonnie & Clyde - Uma Rajada de Balas (1967), e chega até hoje influenciando cineastas como Quentin Tarantino e Edgar Wright.

 

A Casa da Rua 92 (1945) e o “docunoir”

Semidocumentais, os docunoir tinham influência neorrealista e se inspiravam em casos reais, quase sempre em caráter de denúncia. A Casa da Rua 92 se baseou em arquivos do FBI. O aspecto de reportagem e as locações reais conferiam esse ar jornalístico, e foi muito popularizado pelo cineasta Louis de Rochemont. Em uma época de paranoia com bombas nucleares e nazistas infiltrados, Henry Hathaway dirigiu em A Casa da Rua 42 um autêntico documento de seu tempo e os temores de uma nação ainda em tempo de guerra. Aqui os próprios cenários urbanos ganhavam o primeiro plano e as cidades eram a próprias protagonistas, denunciando o indivíduo engolido pelo crescimento vertical das megalópoles em formação. Jules Dassin seguiria essa mesma linha com Cidade Nua (1948) e Mercado de Ladrões (1949), assim como Elia Kazan em O Justiceiro (1947) e Pânico nas Ruas (1950). 

 

Rififi (1955) e o noir de assalto

Também conhecidos como heist movie, o noir de roubo focava na ganância de personagens que vivem em um meio onde somente o dinheiro tem alguma relevância para eles. Rififi foi filmado por Jules Dassin, um diretor americano, na França. Os franceses amavam o noir e os filmes de roubo eram muito próximos das características mais peculiares do noir americano. A trama é a mais básica possível: o protagonista magoado e sem nada a perder, o plano meticuloso que em algum ponto dará errado e acarretará uma reação em cadeia. Tudo ao mais impressionante vislumbre estético de Dassin e seus sofisticados jogos de sombras e luzes. Junto de O Segredo das Joias (1950) e O Grande Golpe (1956), é um dos mais importantes filmes de roubo – e com roupagem noir – do cinema, além de único título não americano desta seleção. 


A Marca da Maldade (1958) e o réquiem do noir

Marco do cinema do grande Orson Welles e um dos filmes mais importantes de todos os tempos, A Marca da Maldade é também lembrado por ser oficialmente o último noir do ciclo histórico. André Bazin o apontou dessa forma junto de A Morte Num Beijo (1955), de Robert Aldrich. Depois de se iniciar lá no começo dos anos 1940, a partir de Relíquia Macabra (1941), o noir finalmente cedia à modernização gradual do cinema de Hollywood e ficava para trás com os avanços sociais de uma América já pronta para deixar o cinismo e a amargura da atribulada primeira metade do século XX. Sem todos os elementos mais característicos do noir, como a femme fatale, Welles erigiu o réquiem do movimento e consolidou seu nome para sempre no cinema. 


O Perigoso Adeus (1973) e o neo-noir

Embora o período clássico do movimento tenha se encerrado no fim dos anos 1950, o noir e suas influências não deixaram de existir no cinema. Muitos filmes que vieram tinham reflexos fortes do noir e muitos dele se caracterizavam por inteiro como uma releitura dele. É o caso do emblemático O Perigoso Adeus, de Robert Altman, inspirado em um romance de Raymond Chandler, um dos autores hard-boiled mais adaptados na era clássica do movimento. Muito afiado em fazer releituras de gêneros, Altman subverteu o noir e o modernizou para o cinema da Nova Hollywood, assim como Roman Polanski em Chinatown (1974). Contribuiu assim para que o noir jamais morresse definitivamente e continuasse alcançado novas gerações do cinema, sempre com suas resoluções pessimistas e fatalistas sobre os males da América e a degradação de seus indivíduos nesse meio, sobrevivendo até os dias atuais com filmes maravilhosos como Cidade dos Sonhos (2001) e Marcas da Violência (2005). 

Agradecimento especial ao curador, professor e crítico de cinema Fernando Brito, que ministrou na cidade de São Paulo, em 2016, o curso "Pensando o Noir", parte essencial na pesquisa para este artigo. 

Comentários (12)

Heitor Romero | quarta-feira, 21 de Março de 2018 - 11:14

Obrigado, pessoal ❤

Alexandre Koball | quarta-feira, 21 de Março de 2018 - 11:59

E fica a dica: o feedback, principalmente nesse espaço, é importante para que mais artigos como este saiam. Tanto os pontos a melhorar como os elogios são importantes.

Carlos Eduardo | quarta-feira, 21 de Março de 2018 - 22:50

Por mim que se façam mais artigos como esse.

Dois films noir pouco lembrados e que são espetaculares: Um Retrato de Mulher, de Fritz Lang e Kansas City Confidential, de Phil Karlson.

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