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Conheça 12 curtas de diretores famosos

Muitas vezes quando descobrimos uma obra-prima podemos perguntar como os diretores fizeram um filme tão bom assim. Ficamos nos perguntando quem é aquele artista - o que fez antes, quais suas influências, o que o torna tão relevante. Parte do mistério pode ser elucidado assistindo os curta-metragens que fizeram antes da fama - e alguns deles são consagrados inclusive por um ou mais curtas marcantes em suas carreiras. Formato de cinema menos assistido mas ainda assim cultuado, o curta-metragem é um verdadeiro mundo de possibilidades onde longe dos holofotes muitos artistas se descobriram e floresceram.


Um Cão Andaluz, de Luís Buñuel (1929)

Vindo da combinação de sonhos tidos entre o diretor Luís Buñuel e o roteirista Salvador Dalí, Um Cão Andaluz é o marco inaugural do surrealismo do cinema: o melodrama de pulsões sexuais é derretido pelo espetáculo de alucinações provocativas da dupla, e momentos clássicos como um olho cortado tornando-se uma lua no céu à noite, a mão cheia de formigas ou o chocante final na praia estão entre os grandes momentos da história do cinema. A encenação subversiva do que é tradicional na aparência seria um marco na carreira de Buñuel como dá para ver em clássicos longas posteriores como Viridiana e A Bela da Tarde.


Acabando Com a Festa, de Roman Polanski (1957)

Polanski filmou esse “documentário combinado” que quase o fez ser expulso da faculdade: combinou com vários valentões de invadir uma festa do curso e estragar tudo, arrumando confusão e iniciando brigas. O esquema narrativo de Polanski mostra com tanto interesse a festa quanto a briga que a leva à ruína, explorando várias perspectivas e olhares bem como as consequências de atos irreversíveis. A trilogia do apartamento, o neonoir Chinatown e o suspense Busca Frenética não tardariam a repetir a obsessão temática de subverter vidas urbanas aparentemente pacíficas e conservadoras. Uma molecagem completa, perturbadora e bizarra em certo nível, mas ainda assim uma molecagem do jovem diretor então com 24 anos.


Todos os Rapazes se Chamam Patrick, de Jean-Luc Godard (1957)

Uma das únicas vezes que Godard dirigiria o filme roteirizado por outro, no caso aqui o diretor e amigo da Cahiers Eric Rohmer, já antecipa muita coisa que Godard faria alguns anos depois com Acossado: referências a outros filmes, espírito blasé e anárquico dos personagens, planos sugestivos e vários habitués dos filmes da primeira fase do cineasta, como Jean-Claude Brialy. A influência do neorrealismo em um filme desfragmentado e filmado nas ruas torna a história do homem chamado Patrick e suas interações com as colegas de quarto Véronique e Charlotte um filme com um tom inovativo e urgente. A revolução estética do início dos anos cinquenta estava só no início.


O Despertar de Woton, de Brian De Palma (1962)

O cineasta que mais tarde se consagraria com exagerados filmes de gênero como Scarface e Vestida Para Matar dirigiu na faculdade Woton’s Wake, que traz William Finley como o desfigurado escultor Woton, que persegue casais com uma tocha e sofre uma reviravolta em sua vida quando uma escultura abstrata sua ganha vida e torna-se uma mulher. Boa parte dos delírios visuais do diretor já estavam aqui, como os movimentos de câmera, luzes expressionistas e montagem evocativa em uma grande homenagem do diretor à narrativa visual do cinema mudo.


O Bonde, de Krzysztof Kieslowski (1966)

Ao contrário do conterrâneo Polanski, Kieslowski tornou-se conhecido por um cinema “para dentro”, sempre intimista do início ao fim. A Liberdade é Azul, A Dupla Vida de Veronique, Não Amarás são filmes onde o cineasta observou os atos mais prosaicos e de lá extraiu narrativas de uma intensidade fervilhante. São também consequência direta de O Bonde, onde um homem comum observa uma mulher comum em um bonde e quando resolve falar com a mesma ela já desceu e é tarde demais. Essa sensação de vidas incompletas e anseio por realidades diferentes através da observação de detalhes, silêncios e olhares são a tônica de uma filmografia para lá de pessoal e particular.


The Big Shave, de Martin Scorsese (1967)

Que Scorsese é um apaixonado pelo poder da montagem e sua capacidade de sugestão não é segredo para nenhum dos que acompanham seus filmes - basta uma olhada em clássicos seus como Os Bons Companheiros e Cassino. Em The Big Shave, Scorsese explora várias perspectivas e dilata e contrai o ritmo para criar um filme terrível onde um homem comum  se barbeia até passar a se mutilar furiosamente, acompanhado de uma música irônica. Puro exercício de estilo de um jovem autor se descobrindo.


Six Men Getting Sick, de David Lynch (1967)

Projeto de estudante que custou 200 dólares, Six Men Getting Sick é uma animação de um minuto de seis figuras humanas cujos orgaos intestinais estão à vista e se enchem de uma substância brilhante que saem pelas suas bocas, enquanto uma sirene soa ao fundo. Tal minuto é repetido quatro vezes, ao melhor estilo que Lynch faria em filmes como Eraserhead e Império dos Sonhos: ao mesmo tempo perturbador, curioso e incômodo no bom e no mau sentido. Todo o clima de pesadelo a ser evocado posteriormente já estava aqui.


Blá Blá Blá, de Andrea Tonacci (1968)

A influência da cultura popular torna o filme marginal de Tonacci aparentado com a pop art praticada no período: a linguagem de televisão adaptada para o cinema, o uso de trilha sonora irônica, as imagens de arquivo, a narração provocativa com a ditadura militar à época, a atmosfera geral de livre improviso e criação entre diretor e atores… Tudo é costurado na sala de edição para Andrea Tonacci; Seus filmes nasciam da montagem, pareciam pular décadas de narrativa dramática Hollywoodiana e misturar o ilusionismo das trucagens de Meliés com momentos que forçam a frágil divisão à época entre ficção e documentário. Paulo Gracindo, como o governante autoritário, discursa e lamenta solitário em uma sala de gravação enquanto Nelson Xavier fuma encostado no muro de um viaduto e declama de volta. A terceira declamante é Irma Alvarez, mostrando o interior do Brasil tomado pelas guerrilhas. No encontro de três discursos incompatíveis, não há convergência, mas dissonância, puro blábláblá incompatível. Sintetizar isso através da forma é para poucos, o que só aumenta a impressão de como o cinema marginal brasileiro foi um momento singular.



From The Drain, de David Cronenberg (1970)

Dois homens em uma banheira conversam. Um está preocupado com alguma coisa no ralo, o outro não se importa. Uma música insistente toca enquanto a câmera dá close em rostos, objetos e se move pelo ambiente de maneira livre e desimpedida. Até que o final há uma reviravolta monstruosa e sobrenatural, talvez provocada pelo medo e indiferença dos dois interlocutores. Cronenberg se testando em um filme que certamente seria recebido de má vontade após um teste do tempo (história sem sentido, ritmo desconjuntado, atuações histéricas), mas a curiosidade de ver o estado embrionário do cineasta responsável por Videodrome, A Mosca e Senhores do Crime em seu segundo curta e reconhecer algumas marcas que não tardaria a amadurecer (Calafrios viria cinco anos depois) já vale a assistida.


Within The Woods, de Sam Raimi (1978)

Os irmãos Sam e Ted Raimi e o amigo Bruce Campbell com um orçamento irrisório se mandaram para o meio do mato filmar uma história de terror em uma cabana. É a história de A Morte do Demônio, mas também a de Within The Woods, curta de meia hora de 1978. Tudo estava lá - o Necronomicon que o roteiro pega “emprestado de H. P. Lovecraft”, os efeitos práticos porém funcionais, o terror ao mesmo tempo repulsivo mas também com uma alta dose humor pastelão. Raimi refilmaria a mesma história em Evil Dead I e II, mas Within The Woods tem todo um charme germinal acompanhado.



Salomé, de Pedro Almodóvar (1978)

Baseado na peça homônima de Oscar Wilde, Salomé já carrega o Almodóvar de Fale Com Ela, Ata-me e Carne Trêmula: a sugestão de sensualidade, lirismo e humor é presente desde o primeiro minuto de sua filmografia. Almodóvar, então com 29 anos, já sabia verter o exagero e o kitsch em benefício próprio e a história de Abrãao e Isaac fascinados pelo encontro e as danças de Salomé é um reflexo disso. Em seu décimo primeiro curta, Almodóvar já parecia pronto para voos maiores; não à toa, na década de oitenta lançou oito filmes em dez anos que o transformaram no maior cineasta de seu país ao lado de Luís Buñuel e Carlos Saura.


Nocturne, de Lars Von Trier (1980)

O filme em 16mm dirigido por Von Trier na época de estudante na Escola de Cinema Nacional da Dinamarca já lida com aspectos psicológicos que seriam presentes em praticamente todos os outros filmes da obra do diretor. Seu retrato da ansiedade já pega pesado na experimentação com luzes, cores, perspectivas e movimentos de câmera. As aspirações vanguardistas que depois encontrariam tanto a experimentação no Dogma 95 quanto os grandes orçamentos e estrelas do cinema aqui aparecem aqui em estado bruto e quase desvairado, exorcizando as angústias por meio de muitas imagens ao mesmo tempo belas e perturbadoras, bem antes de todas as polêmicas e controvérsias que incensam sua carreira tanto quanto seus filmes.

Comentários (7)

Thais Queiroz Ramos Ferreira | segunda-feira, 15 de Janeiro de 2018 - 12:31

😏 Bernardo, você vai fazer uma segunda parte? Porque o curta La Cravate (1957), de Jodorowsky, nao pode ficar de fora! É incrível

Thais Queiroz Ramos Ferreira | segunda-feira, 15 de Janeiro de 2018 - 13:01

Tem um do Abbas Kiarostami do menino e o cachorro que é incrível tbm https://youtu.be/ACLgZ0dyaeU

César Barzine | quinta-feira, 18 de Janeiro de 2018 - 15:01

Faltou muita coisa.

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Daniel Dalpizzolo | quinta-feira, 18 de Janeiro de 2018 - 16:13

Como diz a introdução, o artigo terá continuidade.

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