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O Invasor e O Homem do Ano

Há vários elementos que, a princípio, aproximam os filmes O Invasor (idem, 2001), de Beto Brant, e O Homem do Ano (idem, 2003), de José Henrique Fonseca – diretor estreante, filho do escritor brasileiro Rubem Fonseca. A começar pelo ponto de partida das suas histórias: a literatura. Enquanto o roteiro de O Invasor é uma adaptação do livro homônimo, de Marçal Aquino, o de O Homem do Ano vem do romance Matador, de Patrícia Melo, que Rubem Fonseca habilmente traduziu para a linguagem cinematográfica.

O cenário em que as histórias se desenvolvem é semelhante: a metrópole (São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente), o ambiente urbano decadente, fissurado, com seus extremos centro-periferia em conflito, um campo de batalha de forças que se confrontam. Uma cidade de vive, pulsa, grita – assim como seus moradores. Também os temas se parecem: é um assassinato que impulsiona o argumento das histórias e muda a vida dos personagens. Em ambos, assistimos ao encontro e ao (posterior) colapso de duas classes, uma rica e corrupta, a outra pobre e ambiciosa. Poderíamos até falar que seriam, os dois, filmes “masculinos”: os personagens principais são homens, são suas ações que importam para a trama, e é uma violência masculina que impera na imagem, conduzindo o espectador a um (sub)mundo em que moral, ética, leis são menosprezadas – ou, ao menos, até o limite possível.

Há uma coincidência partilhada pelos filmes que acaba sendo mais uma curiosidade – ou ironia – do que propriamente algo relevante para esta análise: a atriz Mariana Ximenez atua nas duas obras, com papéis semelhantes. Ela sempre é a filha bonita de um homem rico (que, ironicamente, é morto por quem ela quer se envolver ou de fato se envolve), com predisposições para a marginalidade, o risco, e facilmente atraída pelos bad boys, estes já envolvidos em situações ilícitas e perigosas.

Se partirmos, no entanto, para o âmbito estético-narrativo, traça-se um abismo entre os dois longas-metragem. Tanto Beto Brant quanto José Henrique Fonseca têm um começo no universo do videoclipe, o que confere à direção uma certa agilidade, um ritmo acelerado na forma de se contar as histórias. Mas enquanto a direção de Brant nos aparece, em O Invasor, segura, madura e hábil, usando sabiamente (e até de forma original e inédita para o cinema nacional) os recursos da imagem para fins narrativos, Fonseca se mostra preso a uma estética fortemente publicitária – que é condizente com a proposta da produtora Conspiração Filmes, fundada em 1991 por ele e outros quatro amigos, presentes no cenário da publicidade, do videoclipe, da televisão e do cinema.

O Homem do Ano parece priorizar em demasia a arte, a plasticidade dos planos e da fotografia em detrimento da construção psicológica dos personagens e da relação entre eles. Tudo é muito bonito, mas bonito demais, causando um estranhamento e deslocando a atenção do espectador para a superfície da imagem e não para seus possíveis significados. É que a estética não está a serviço da história, submetida a ela (enriquecendo e complexificando seus efeitos), não é pensada para a identidade do filme como metáfora, como forma de expressar o que se pretende dizer. Nada é colocado propriamente em questão, em conflito, na imagem e por meio dela – da forma como vemos por exemplo em O Invasor. As ações e fatos simplesmente acontecem como se num curso natural, uma concatenação de acasos sobre o qual tem-se pouco ou nenhum controle.

Já em O Invasor, assistimos a uma crise. À crise de uma parceria (dois sócios que matam o terceiro), do romance (por um lado, a falsidade do caso que Ivan tem com Cláudia – na verdade, uma garota de programa chamada Fernanda –, por outro, a estranheza e o deslocamento da relação entre Anísio e Marina), da tranquilidade de um estado de coisas (perturbada pela invasão de Anísio no universo profissional e pessoal de Ivan e Giba) e do próprio cinema (invadido pela realidade brasileira) . E, nesse caso, a imagem se coloca como meio de acesso aos sentidos da história, mas também eleva, cria, multiplica efeitos significantes, potencializando a narrativa.

Um bom exemplo disso são as duas câmeras subjetivas do filme: a primeira bem no princípio, quando é feito o trato entre Giba, Ivan e Aníso; a segunda no início da “invasão” propriamente dita, quando Anísio penetra num espaço que não lhe pertence: a Construtora Araújo Associados. Colocar a lente no olhar de Anísio nos faz adentrar, junto com ele, na realidade que não é a dele, colocando em crise o lugar mesmo do espectador de cinema, que majoritariamente não se reconhece naquele personagem (um homem feio, matador de aluguel, morador de periferia, de fala carregada de gírias e divagações confusas). A imagem, assim, potencializa a crise temática quando coloca em questão a identificação do cinema brasileiro, de quem o faz e o assiste, com o próprio Brasil.

Comentários (4)

Ravel Macedo | domingo, 24 de Março de 2013 - 20:55

Vi Homem do Ano há muito tempo, não lembro quase nada.

Angelão | segunda-feira, 25 de Março de 2013 - 09:16

A Lygia chegou animada! Bom isso, o site possui muito poucos artigos sobre o estudo do cinema. Espero que venham mais.

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