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Jacques Tati e a singeleza do humor

Nem sempre lembrado como o grande diretor que era, o francês Jacques Tati dominou como poucos as mais variadas formas de se fazer humor no cinema, desde a comédia física até a sátira social, sempre com uma sofisticada mise-èn-scene e grande delicadeza. Tati explorava o humor em todos os seus lados, do implícito ao escrachado, do sutil ao burlesco, do irreverente ao emocional, em um equivalente europeu dos cinemas de Buster Keaton ou Charles Chaplin. 
Tati dirigiu ao longo da vida apenas 6 longas-metragens e muitos curtas e médias, todos reunidos na bela coleção dedicada a diretor  lançada pela Obras-Primas do Cinema, com oito horas de material extra, incluindo depoimentos, entrevistas e documentários sobre vida e obra do gênio, além de cards que reproduzem as artes dos pôsteres originais de alguns dos títulos. Até então a obra de Tati estava em boa parte indisponível no mercado de home vídeo brasileiro, ou tratada sem os devidos cuidados entre as distribuidoras que retinham o direito dos títulos. Agora em qualidade restaurada de imagem e som, filmes como Meu Tio (Mon Oncle, 1958), As Férias do Sr. Hulot (Les Vacances de Monsieur Hulot, 1953) e Playtime - Tempo de Diversão (Playtime, 1967) poderão ser apreciadas em toda sua magnitude. 
Um passadista assumido, Tati procurou retratar em seus filmes sua inadequação perante o mundo moderno e suas mudanças insensíveis. Seu personagem mais famoso, o Sr. Hulot, é o retrato fiel de um tipo de humanidade e polidez ultrapassadas pelos tempos atuais, de modo que o maior apelo de seu humor está nos contrastes entre os modos arcaicos dele e o ambiente cosmopolita e agressivo da França contemporânea, afogada em tráfegos, gritaria, estresse e falta de tempo. Sr. Hulot é um recorte de um tempo passado inserido como intruso em um cenário em que não se encaixa. 
Tal como o Vagabundo, famoso personagem de Chaplin, ele é um símbolo de resistência, carregando características humanas em um contexto de indiferença e caos. Parte dessa construção está na arquitetura impossível que Tati elabora em seus cenários, sempre destacando o absurdo do crescimento urbano e a pequenez dos cidadãos nesse meio, acumulados como prisioneiros de uma engrenagem capitalista de consumo infinito. Toda essa concepção visual inclusive inspira até hoje cineastas como Wes Anderson (Moonrise Kingdom), assim como a temática de sua obra foi de grande inspiração e base para outro palhaço triste do cinema francês: Pierre Étaix (Yoyo). 
O ápice de Tati se daria em Playtime, um delírio arquitetônico no qual o Sr. Hulot se perde tentando encontrar uma autoridade policial em uma Paris futurista e engolida pela praticidade cinzenta e cruel da modernidade. Poder imergir na potência visual de um filme como esse é uma das melhores oportunidade surgidas no mercado de home vídeo atual, o que faz dessa coleção um item praticamente obrigatório para os colecionadores de plantão. 

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