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7 Gêneros, 7 Filmes - Os Anos 40

Dando continuidade à série iniciada com 7 Gêneros, 7 Filmes - Os Anos 30, relembramos clássicos da década seguinte que definiram seus respectivos gêneros.

Que filme você acrescentaria a esta lista? E qual deixaria de fora? Confira e deixe sua opinião nos comentários! 


Comédia: O Grande Ditador (Charles Chaplin, 1940)

Maior ícone do cinema mudo, Charles Chaplin promoveu nesse filme uma das sátiras políticas definitivas. Ao abordar o regime nazista em uma comédia, o diretor e ator demonstrou sua empatia pelos marginalizados e o desprezo que sentia por governos autoritários. Daí saem sequências de pura inventividade visual que só Chaplin conseguia fazer, como o barbeiro trabalhando ao ritmo de Brahms, com a hilaridade provocada pela sincronia entre movimentos e compassos, utilizando o respeitado compositor alemão a serviço do humor; ou tudo relativo ao ditador Adenoyd Hynkel, a paródia afetada e megalomaníaca que Chaplin fez de Adolf Hitler, com seus discursos incompreensíveis e exaltados, suas disputas de poder com Benzino Napaloni e a clássica cena onde o ditador brinca com um globo terrestre. Muito mais que o icônico discurso final, O Grande Ditador é uma das  demonstrações máximas do poder da sátira contra os absurdos.


Drama: Ladrões de Bicicleta (Vittorio De Sica, 1948)

A obra de Vittorio De Sica trouxe locações reais e não atores aos olhos do grande público, retratando a situação dos italianos no pós-Guerra. O filme mostra didaticamente a criação dos “ladrões” do título: a situação social caótica, os subempregos e o desemprego afligindo protagonista e filho, a ameaça da miséria, o desespero escalante. Difícil julgar o final após tamanha catarse trágica - a sensibilidade que De Sica trouxe ao neorrealismo criou um filme de legado duradouro: de Satyajit Ray (A Canção da Estrada) a Isao Takahata (O Túmulo dos Vagalumes), inúmeros artistas no cinema se inspiraram na narrativa da busca por dignidade humana em tempos difíceis e sem norte moral definido. 


Terror: Sangue de Pantera (Jacques Tourneur, 1942)

Um filme de terror que aborda o mito da licantropia pelo viés da imigração, da repressão sexual e do machismo. A história de Irina, saída da Sérvia e encontrando o urbanismo novaiorquino, assombrada pela folclore da licantropia que amaldiçoa mulheres de sua ascendência e atormentada pelos ciúmes que sente de seu marido Oliver. O horror psicológico que o ucraniano Val Lewton quis infundir no filme B americano encontrou o casamento perfeito com o francês Jacques Tourneur, que traduziu a temática fantástica e as pulsões sexuais de pano de fundo em um jogo de sombras e perspectivas controlado e minimalista, onde as revelações se dão nos detalhes e o sobrenatural é nada mais que a manifestação das perturbações do real em seu clímax. Anos depois, ainda é um dos símbolos máximos do que se entende por horror sofisticado.


Faroeste: Consciências Mortas (William A. Wellman, 1943)

É sintomático que os gêneros, após verem suas nascentes em matéria de forma, estilo e consolidação na indústria, comecem a abordar temas que não necessariamente estejam dentro de sua mitologia, e até mesmo flertem com as maneiras de composição de outros gêneros. É assim que chegamos a Consciências Mortas de William A. Wellman, cineasta surgido em uma Hollywood pré-código e que nunca foi estranho a temas sociais fortes como aconteceu em O Inimigo Público e Triunfos de Mulher. Já seu faroeste flerta com o drama de tribunal para falar de linchamento e dos perigos da opinião pública concentrar os papéis de juiz, júri e executor em um filme que, em época da nascente do neorrealismo, já utilizava da experiência prévia do diretor para injetar uma forte dose de realidade em um gênero normalmente encarado como escapista. Seu desconforto ao falar de um aspecto antigo da condição humana ainda é de dar um nó na garganta.


Suspense: Festim Diabólico (Alfred Hitchcock, 1948)

Festim Diabólico é histórico para o cinema e para Hitchcock, que então entraria naquela que é reconhecidamente a grande fase da sua carreira, realizando nos próximos anos obras como Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai e Psicose. Festim Diabólico é frequentemente elogiado pela proeza técnica de ser filmado em um plano-sequência, mas o que nem todos elogiam é como tal proeza técnica consegue entrelaçar uma discussão sobre vida, morte e ética em um suspense ancorado na premissa do seu diretor em revelar o segredo de um personagem ao espectador, mas não ao mundo que o rodeia. Pouco a pouco, a contraposição de visões entre os alunos e o professor se materializa do campo teórico para o campo físico. Não à toa foi elevado à categoria de “autor” pelos críticos: suas histórias gelavam a espinha justamente porque falavam de preocupações e anseios pessoais. 


Crime: Relíquia Macabra (John Huston, 1941)

Explicar a representatividade do filme de Huston para o cinema na década de 40. Depois dele, o ciclo noir seria detonado e nomes como Fritz Lang, Billy Wilder, Edgar G. Ulmer e Robert Aldrich fariam filmes fortes em seu abuso dos contrastes entre luz e escuridão, testariam os limites da ambiguidade moral de seus personagens e refletiriam o espírito dos EUA urbano crescendo vertiginosamente, não necessariamente acompanhado de ética e bons princípios. Mas tudo isso é necessário creditar o seu Livro do Gênesis à história de Sam Spade em busca de uma estátua valiosa que desencadeia uma espiral de mortes, sedução e traições, e só um protagonista cínico como o detetive de Humphrey Bogart para sobreviver a esse novo filme de crime menos sensacionalista e mais identificado com as trevas humanas do expressionismo, menos acusatório e mais reflexivo. Uma reflexão regada a álcool, cigarros e tiradas cínicas de Humphrey Bogart, fundamentais para atestar o film noir como um ciclo sintomático da sociedade americana e seus efeitos pós-Depressão. 


Musical: Agora Seremos Felizes (Vincente Minnelli, 1944)

Pelos olhos do ítalo-americano Vincente Minnelli em seu terceiro filme, St. Louis é elevado ao posto de paraíso idílico, e as desventuras do início do século ao mesmo tempo guardavam em si a nostalgia e o ideal de tempos passados. Agora Seremos Felizes denota a habilidade de Minnelli a praticamente derreter a narrativa e fazer com que todas as situações convirjam não em dramas falados mas conflitos resolvidos através da canção. Assim, um sentimento de amor pelo familiar, pelo espírito que nos mantém unidos, é expresso não através de desenvolvimento intelectual e psicológico, mas harmônico e melódico. Não há momentos, mas movimentos, e não há monólogos, mas árias. O cinema atrai Minelli menos por “captar a realidade” e mais pelas possibilidades conceituais e plásticas que o dispositivo oferece. Agora Seremos Felizes não é uma janela, mas um sonho, e nele Judy Garland transparece como o desejo encarnado de estabilidade, laços afetivos e princípios. A prova inconteste da sensibilidade pictórica do diretor.

Comentários (3)

Ravel Macedo | segunda-feira, 04 de Junho de 2018 - 10:45

Terror e comédia não tem muita conversa, Faroeste fica no gosto mesmo, curto Consciências Mortas, mas com ressalvas, pegaria Pursued ou Paixão dos Fortes...em crime podia entrar algum Welles, mas falando de especificidades de gênero, Falcão Maltês merece seu lugar.

Joga pra 9+ e coloca A Bela e a Fera de Cocteau em Fantasia e Uma Aventura na Martiníca em Aventura.

Carlos Eduardo | segunda-feira, 04 de Junho de 2018 - 12:14

Lista excelente. Difícil fazer uma lista da década de 40, muitos grandes filmes. Em faroeste colocaria Rio Vermelho e Drama, Casablanca com Desencanto implorando pela menção honrosa. Ah, e crime: Fúria Sanguinária sem dúvidas.

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