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Especial 10 Anos Cineplayers - Filmes de 2010

Dois artigos já foram, mas ainda tem muita água para rolar neste especial que revisitará os dez anos de cinema que o Cineplayers acompanhou durante sua existência.

Algo que iremos repetir sempre: a única regra é que cada editor deveria pegar um filme e escrever sobre ele, sem repetição com outro editor e considerando o ano de lançamento original do filme, não necessariamente sendo o seu preferido, apenas aquele que ele gostaria de falar algo relevante a respeito.

As listas anteriores podem ser vistas aqui: 2011, 2012.

 

Bravura Indômita, de Ethan Coen e Joel Coen

Os Coen e o vazio. Os Coen e a vingança. Bravura Indômita é a olhar dos irmãos diretores sobre o faroeste, após desmontar tantos outros cenários eternizados na memória cinematográfica, como por o exemplo o noir (Fargo), a Grande Depressão (E aí, meu irmão, cadê você?) e o mundo da espionagem (Queime Depois de Ler). Seus personagens personagens são sempre sujeitos patéticos e desesperados, porém obstinados em um mundo guiado pela falta de objetivos. O mundo decadente já prenunciado por Peckinpah e Clint dessa vez apresenta pistoleiros deficientes e arrogantes, assassinos são bodes expiatórios para uma vida ingrata e nem a juventude é poupada. O clima quente, o suor, o esgotamento físico e nervoso, a violência explícita, a sensação de perigo iminente claustrofóbica; no final, o filme acaba num anticlímax que evidencia o grotesco e a falta de sentido que sempre reinou em seu cinema – feito de forma cada vez mais sofisticada na sua dramaturgia anacrônica, cíclica e mais anticonvencional do que nunca.

- Bernardo D.I. Brum

 

Caminho Para o Nada, de Monte Hellman

Caminho para o Nada equilibra as pretensões de artista de Monte Hellman com sua visão de como fazer cinema. Trata-se uma espiral de imagens que se move no cerne de uma metalinguagem deslocadora. Ainda na primeira cena, somos convidados a um mergulho. Ali, entramos no filme que é rodado em um computador e passamos a viver em uma espécie de sonho, pois o que o diretor propõe é um avanço movediço por entre camadas em que realidade e ficção se tornam indissociáveis. Há uma cena em que Laurel pergunta a Mitchell quantos filmes ele já viu. Na resposta, o rapaz diz que ela nunca deve perguntar isso a cineastas, porque estes não gostam de admitir quanto tempo passam obcecados pelos sonhos de outras pessoas. E este último Hellman é isso: uma obsessão. É pulsão, ilusão, encenação ininterrupta... É a tradução do desejo intenso de abarcar o cinema e suas características limítrofes sob a égide do século XXI. É um longa repleto de televisores e câmeras modernos, celulares, computadores, DVDs e onde encontramos cenas de clássicos que vão de Ingmar Bergman a Victor Erice. Finalmente, não temos aqui apenas um filme sobre o cinema, e sim uma belíssima obra feita para quem vive do afã de desbravar as fronteiras dessa tal de Sétima Arte.

- David Campos

 

Cisne Negro, de Darren Aronofsky

Apavorante e tenso – mérito da direção e de recursos técnicos –, a obra nos desconforta por crescer fantasmagoricamente. Natalie Portman enternece, é impossível não ser seduzido. Ela leva o espectador até o íntimo de uma grande personagem. A conheceremos e reconheceremos, suas angústias são claras e sua transformação tangente elucida e inquieta, desnudando a cobiça pela perfeição e a sanidade confusa que lhe acomete. Tal como no balé, “Cisne Negro” cadencia, há um padrão que se submete ao sensorial e esse perturba à medida que o filme se prolonga e o terror particular impera. Tal ritmo proposto por Darren Aronofsky tão importante é para o filme que percebemos chegar com seu desenvolvimento a um final de espetáculo daqueles inabaláveis. Um cume da vida destituída de existência real. E é inevitável não pensá-lo a partir de um olhar kafkiano, a admiração pelo belo em redenção, a morte como saída, disposta em O Lago dos Cisnes em seus extremos. Não poderia ser mais bonito e drasticamente poético

- Marcelo Leme

 

Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami

A intensidade das relações amorosas feat a verdade no cinema e na arte: através de um jogo de encenação sobre estas duas esferas, Kiarostami arma um exercício que impõe ao espectador uma necessária quebra de convenções interpretativas, exigindo do olhar uma ressignificação constante e ativa das imagens para extrair de cada sequência o seu essencial, num belo conjunto de cenas que transbordam sentimento a cada gesto e frase dita. Cópia Fiel não permite ser compreendido para além de um filme sobre seu próprio método – que, enfim, é o que o torna tão especial. Nas diversas camadas propostas, nas situações que encena e das quais jamais iremos saber uma verdade definitiva (o que seria verdadeiro ou falso para aqueles personagens em um suposto contexto geral das suas vidas, que inicia e encerra novamente a cada ruptura), nos planos rigorosamente elaborados e preenchidos por diversas camadas focais, temos um filme que existe para atear fogo em nossa relação com as imagens e com as obras de arte que contemplamos, um trabalho essencial que condensa o que existe de melhor no cinema do seu autor e nos filmes sobre a dualidade de sentimentos à qual o amor inevitavelmente nos submete.

- Daniel Dalpizzolo

 

O Escritor Fantasma, de Roman Polanski

Ao assistir a “O Escritor Fantasma”, o espectador sai com uma certeza: trata-se de um filme com a assinatura de um mestre. Fugindo um pouco do profundo viés psicológico que faz parte de seus grandes clássicos, Roman Polanski se contenta, aqui, ao construir de forma praticamente impecável um dos grandes thrillers dos últimos anos. A escolha pela utilização de cores frias, a cuidadosa construção de uma atmosfera de constante perigo, a elegância de cada plano, tudo contribui para Polanski exibir um pleno domínio de seu ofício. Por mais que “O Escritor Fantasma” tenha um roteiro bem desenvolvido e amarrado, é a condução de Polanski que faz do filme uma verdadeira experiência, que atinge seu ápice nos sensacionais últimos minutos – nem tanto pela conclusão da história, mas principalmente pelo modo como são filmados. Filme menor de Polanski? Talvez. Mas, ainda assim, uma aula de cinema.

- Silvio Pilau

 

Ilha do Medo, de Martin Scorsese

Scorsese sempre conduziu o colapso dos seus protagonistas das margens para o centro, quando a compressão do homem pela realidade que o rodeia eventualmente o leva a rebelar-se e a atacar sozinho o mundo inteiro. Era assim em Taxi Driver, Touro Indomável, Depois de Horas… Há a célebre sequência de Os Bons Companheiros em que o céu parece inclinar-se a despencar sobre a cabeça do mafioso Ray Liotta. Em Ilha do Medo, o motor que achata converte-se em força centrífuga, e o que resta ao homem é rebelar-se para atacar não mais o mundo, mas a si mesmo. Neste sentido, Ilha aproxima-se de filmes como Lisa e o Diabo, Silêncio nas Trevas, O Iluminado, onde um referente espacial é usado para situar a aniquilação do tempo e do próprio espaço, para mais tarde evoluir a algo como Cinzas Que Queimam e Fando y Lis, em que o espaço se dilata apenas para refletir o imenso deserto guardado no verso do olho. É um movimento de contração e expansão, da cela gradeada àquela circunscrita por todo um oceano. Neste segundo mundo, não menos real porque inventado, não basta para purgar o mal o ato contra o Outro. Que não se alimente ilusão de alteridade, o Outro está morto. Por isto é correto Teddy resistir às pieguices da expiação de culpa para encontrar a paz no corpo desta estranha reencarnação: de um fantasma mudo, louco e trancafiado em um calabouço.

- Luis Henrique Boaventura

 

Os Mercenários, de Sylvester Stallone

O ambiente hoje já não é propício como foi nos anos 80 para os exércitos de um homem só, mas Stallone viu na recém-guinada de sua carreira, com o retorno bem visto de Rocky e Rambo, a oportunidade perfeita para reunir a galera que representa e representou o gênero de ação em um happy hour regado a aço, explosões e a mentirada cara-de-pau que havia ficado perdida em algum lugar do passado. Os Mercenários não é um filme sério e nem poderia ser. As rugas denunciam a idade, o absurdo da história ignora qualquer lógica e as risadas fluem naturalmente do choque com a nossa realidade, do caretismo, do exagero. Talvez não haja muito futuro para este tipo de filme, mas no mínimo curioso e nostálgico ele é, pois representa bem uma época onde o descompromisso combinava com madrugadas em claro, cervejas congeladas, petiscos nada saudáveis e amigos reunidos para rir com e de filmes como esse.

- Rodrigo Cunha

 

Mistérios de Lisboa, de Raoul Ruiz

272 minutos épicos, labirínticos, desesperados, barrocos e românticos em que Ruiz parece retirar o pó com que tendemos a enxergar certo tipo de literatura folhetinesca do século XIX, que julgamos convencional e obsoleta, como nos sugerindo que por trás dela pode haver muitas outras histórias e mistérios que ultrapassam nossa compreensão rápida e imediata. Ruiz concebe um romance gótico particularmente fascinado pela ideia de uma recursividade (que parece infinita) de histórias dentro de histórias. Sua câmera não para um minuto da mesma forma que quase não há interrupções nos seus excessos de ficções e acúmulo de histórias uma saindo da outra o tempo todo, algumas menores e outras mais importantes (mas todas essenciais), e personagens que entram em cena, somem e depois reaparecem, às vezes mudados, crescidos, diferentes. Tramas que só podem ser vistas e compreendidas em conjunto, circulares, nas quais nos perdemos com deleite, mas sem esgotar nossa atenção, porque sempre podemos mentalmente remontá-las e ligar um personagem (e fatos) ao outro. Obra-prima.

- Vlademir Lazo

 

Namorados Para Sempre, de Derek Cianfrance

A busca por um parceiro com quem se possa estabelecer uma conexão íntima é universal. Para alguns, pode ser a procura de toda uma vida. Ciente do alto poder de comoção suscitado pela temática dos relacionamentos amorosos, Derek Cianfrance emitiu seu doloroso parecer sobre as dissensões conjugais ao colocar Ryan Gosling e Michelle Williams na pele de um casal de harmonia desgastada. O tempo é o seu mais implacável oponente, cujo ônus se traduz em uma crescente nuvem de separação, tanto metafórica quanto denotativa. Por essas e outras, o título nacional escolhido é uma estratégia de marketing para incautos das mais charlatãs, que encobre a real vocação de um dos melhores exemplares de antirromance da década. No revezamento entre um presente desencantado e um passado idílico, forma-se um filme que ceifa ilusões e traz à tona algumas verdades aterradoras em pulsações melódicas descendentes, como uma autêntica elegia cianótica.

- Patrick Corrêa

 

A Origem, de Christopher Nolan

O cineasta que deu nova vida à franquia do Batman e elevou as adaptações de super-heróis a um novo patamar ainda divide opiniões entre cinéfilos, e, justa e curiosamente, por sua maior virtude: aliar ao cinema de entretenimento a histórias consistentes e que não subestimam seu espectador. Fora assim no surpreendente Amnésia e, após arrebatar crítica e público com O Cavaleiro das Trevas, Christopher Nolan concebeu o que seria o representante mais condizente com seu cinema até então: A Origem, ficção que reúne uma trama complexa (embora compreensível) e ação da melhor qualidade, além de contar com grandes atores em ótimas atuações e um longo clímax entoado (organicamente) por um clássico de Edith Piaf - sequência que rendeu um dos momentos mais inspirados do cinemão hollywoodiano no presente século.

- Rodrigo Torres de Souza

 

O Primeiro Amor, de Rob Reiner

“A pintura é mais do que a soma de suas partes”. Esse é o raciocínio que guia a história de Flipped, sobre a diferença nos olhares de duas crianças, explicando assim a opção usada por Rob Reiner de fragmentar sua narrativa através de duas perspectivas, nos permitindo enxergar as mesmas situações ora sob a ótica de um garoto, ora de uma garota. Fica então o desafio para nós espectadores, de conseguir enxergar o todo em um filme fragmentado em partes. Juli tenta aprender a enxergar seu querido Bryce com outros olhos, depois de aos poucos começar a ficar incomodada com o descaso deste perante seus sentimentos. Bryce, por outro lado, começa a perceber que Juli não é apenas a vizinha esquisita que o segue por todo canto e gosta de cheirar seu cabelo – no conjunto da obra, ela é muito mais do que isso. Como é complicado para ele perceber que agora está apaixonado por ela, e como é complicado para ela perceber que já não gosta mais tanto dele. Para nós espectadores, que conseguimos enxergar a situação do ponto de vista dos dois, é ainda mais difícil, porém tocante, captar a beleza que forma o todo de Flipped. É sobre olhar com novos olhos e aprender enxergar o total de um novo horizonte que é formada a tão tocante e singela mensagem deste trabalho.

- Heitor Romero

 

Poesia, de Chang-dong Lee

Grande filme, belíssimo, sobre uma senhora idosa com Mal de Alzheimer que entra num curso de poesia em busca de paliativo à doença. Procurando inspiração para seus poemas, acaba ficando obcecada por uma adolescente suicida, encontrada boiando no rio, cuja morte pode ter sido causada, entre outros, pelo neto dela. É o melhor filme de Claude Chabrol feito desde a morte do cineasta francês, que parece ter encontrado no sul-coreano Lee-Chang Dong um discípulo menos arguto, mas muito mais lírico. Merecidíssimo prêmio de melhor roteiro no Festival de Cannes.

- Demetrius Caesar

 

A Rede Social, de David Fincher

Se Cidadão Kane resumiu bem o poderio da comunicação no século XX, David Fincher não perdeu tempo para ilustrar o que se tornou a comunicação no século XXI. Principalmente por meio da democratização das ideias permitidas pelas redes sociais, o que mudou a lógica da propriedade da informação dos grandes conglomerados como o de Charles Foster Kane, apesar de toda a influência ainda existente. Mas Fincher seguiu a lição de Welles. Não é só sobre o impacto da comunicação na sociedade, mas sim sobre pessoas, com uma figura central detentora dos meios de produção. Aqui, há o conhecimento como força motora do sucesso pessoal e profissional, mas, como em qualquer lógica empresarial, o dinheiro como foco. A comunicação é o negócio. O grande negócio. A Rede Social é o retrato da geração Y, apressada em obter o sucesso e imersa nas tecnologias. Fincher entendeu a essência por trás da história do Facebook, que não era, exatamente, a rede social, mas sim as pessoas inseridas nesse contexto.

- Emilio Franco Jr.

 

Senna, de Asif Kapadia

Senna foi o filme que mais me tirou lágrimas entre todos os que vi em minha vida. Só por causa disso, merece este lugar especial na lista de 2010. O melhor piloto de corrida de todos os tempos, com quem cresci quase todos os domingos, ganhou um documentário magnífico, que fez sucesso no mundo todo. Seu único ponto fraco, provavelmente, é que não foi produzido no Brasil, mas o inglês Asif Kapadia demonstrou conhecer do esporte e também ser um apaixonado por Senna. Os principais pontos da vida e carreira do piloto estão no filme e, à medida que ele vai chegando ao seu clímax, que é a sua morte, a emoção vai aumentando. Já sabemos o que vai acontecer, é claro, e talvez por isso mesmo as lágrimas sejam irresistíveis. Quase tão perfeito quanto poderia ser.

- Josiane K

 

Toy Story 3, de Lee Unkrich

Tin Toy, o curta-metragem lançado pela Pixar em 1988, foi o primeiro filme infantil a contar sua história pelo ponto de vista dos brinquedos e não dos humanos. No momento que aquelas figuras de plástico ganharam um coração, as possibilidades narrativas se tornaram infinitas. A trilogia Toy Story acrescentou a esta experiência os avanços tecnológicos da computação gráfica, e o resultado é praticamente um tratado sobre a amizade, o desejo por uma família e um lar (no limite, os três filmes mostram a jornada dos heróis regressando para a casa), e o rito de passagem para a vida adulta. Se os dois primeiros capítulos já eram excelentes, nada supera o episódio final, que mantém a coerência com o espírito central da obra, e, ao focar na ida de Andy para a faculdade, faz do intervalo entre os filmes um elemento chave da história. Impossível não se emocionar com a cena dos brinquedos se dando as mãos no lixão, e, claro, com toda a devastadora sequência final. Ver Toy Story 3 repetidas vezes, com o Murilo e a Helena sentados no meu colo, não me transportou ao passado, mas sim para o futuro, quando também chegará o momento dos meus filhos seguirem em frente, em busca das suas próprias conquistas. E me fez pensar que, mesmo distante, eu estarei presente na vida de ambos para sempre, até o infinito e o além.

- Régis Trigo

 

Tropa de Elite 2, de José Padilha

Em 2007, o cineasta José Padilha não sabia que estaria criando uma das franquias de maior sucesso do cinema brasileiro de todos os tempos. Seu Tropa de Elite causou polêmica, criou bordões ainda hoje utilizados, estabeleceu padrões dentro de nossa indústria cinematográfica e arrastou milhões de pessoas às salas de cinema. Três anos mais tarde, ele fez de novo. E maior! Tropa de Elite 2 alcançou não só o recorde de público do cinema brasileiro de todos os tempos, mas seu sucesso retumbou em Hollywood – Padilha virou cineasta internacional. Pode parecer um trabalho óbvio, pois falar mal dos políticos é um dom de todo brasileiro, mas ele faz isso tão bem, com um roteiro tão bem costurado e com uma técnica tão apurada que fica difícil não se render. Capitão Nascimento virou uma espécie de herói nacional, lamentavelmente restrito à ficção.

- Alexandre Koball

Comentários (37)

Rodrigo Torres | sexta-feira, 28 de Dezembro de 2012 - 11:53

Fiquei arrepiado com o texto do Régis, assim como ficara antes com sua lupinha.

Kleber Rodrigues | sábado, 29 de Dezembro de 2012 - 01:48

a lista vai melhorando através dos anos...

Esse ano é incrivel pro Cinema

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