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Corrida do Ouro - O tempo constrói

Já fazem duas semanas que a corrida para o Oscar começou e temos uma profusão de conclusões que podemos chegar a essa altura. Sobre a temporada atual e sobre todas as outras, ou todas as reações. Essa semana, Sasha Stone escreveu em seu Awards Daily sobre algo curioso e que provoca uma reflexão imediata: o que são os filmes sem a prova do tempo? Sem proteger os acadêmicos ou a análise cinematográfica, mas a verdade é que alguns filmes são descobertos no auge do lançamento (Guerra ao Terror, Onde os Fracos não têm Vez) e outros... bom, no futuro onde estarão filmes tão diversos quanto Moonlight e Trama Fantasma?
O que Sasha Stone deixa claro com seu texto é que temporada nenhuma define a perenidade. Além disso, cada uma delas é movida por narrativas particulares, motivações diversas e conta com suas próprias situações. É mais difícil criar uma relação analítica aprofundada com um objeto de discussão cujo contato tenha se dado poucas vezes e tão recentes; os anos encorpam as obras, acentuam seus dados, nos fazem mergulhar mais intimamente em suas camadas. Logo, como cobrar exatidão dessas decisões anuais sem imaginar que elas na maior parte das vezes estão sendo assoladas por inúmeras votações similares à sua volta, por pressão de marketing, ou pela negação disso tudo, podendo gerar um avesso até injusto?
Com um ano particularmente aberto como esse, que pode indicar um extremo - absoluta falta de excelência geral - fica difícil traçar, tão no início, um panorama geral. Mas tem alguns pontos que podem indicar uma certa propensão até agora, o mais forte em relação a Regina King. Dos sete primeiros prêmios entregues até então, cinco foram para ela. Essa era uma tendência apontada antes da temporada começar que está se mantendo, e mostra que se Amy Adams quiser ganhar seu primeiro Oscar por Vice terá que vencer a mãe exemplar vivida por King em Se a Rua Beale Falasse, um típico personagem vencedor de prêmios dessa categoria; a admiração da indústria pela consagrada atriz da TV está fazendo o resto, em trajetória parecida com a de Alisson Janney ano passado.
A A24, distribuidora jovem que ganhou ano passado pelo longa de Barry Jenkins e que aparentava estar fora da corrida desse ano, ressuscitou dois filmes do primeiro semestre e está demonstrando porque tem tanto poder. Eight Grade e principalmente First Reformed estão fazendo o "trabalho de casa" muito bem, aparecendo em praticamente todos os prêmios e indicados, e garantindo presença na lista do Oscar. O segundo foi a grande ausência do Globo de Ouro e por conta disso adquiriu um plus de importância, fazendo com que a Associação dos Jornalistas Estrangeiros (que fazem seu corpo de votantes) passem novo constrangimento ao ignorar um dos filmes mais reconhecidos até agora. O filme de Paul Schrader tem ligeira dianteira até agora nos prêmios críticos em roteiro original e ator, para o trabalho elogiado de Ethan Hawke, como um padre atormentado.
Já entre as atrizes, nenhum consenso. Lady GaGa e Toni Collette ganharam dois prêmios cada, respectivamente por Nasce uma Estrela e Hereditário, mas nada que justifique uma tendência. À favor de GaGa o buzz interminável de seu filme, que deve bater os 200 milhões nos EUA a qualquer momento e é o mais improvável sucesso de crítica do ano. Dirigidos pelos estreantes Bradley Cooper e Ari Aster, estão em lugares opostos na corrida; enquanto um é o virtual favorito até agora que não vê rivais aparentes até agora, o segundo é um dos filmes de gênero mais bem sucedidos de 2018, mas que não parece ter apoio suficiente para chegar até o Oscar.
Entre os diretores, o nome de Alfonso Cuaron parece ameaçar um desenho de favoritismo antecipado, e seu Roma é indiscutivelmente o filme mais lembrado até agora. Já ganhou prêmios como filme estrangeiro, na categoria principal e como diretor, provando que a Netflix esteve certa ao comprar sua distribuição e mudar sua estratégia de lançamento, priorizando a estreia nos cinemas dentro e fora do México local. O filme é uma elegia à infância do próprio Cuaron, com ênfase na relação que ele criou com sua babá, e acabou se tornando o mais bem sucedido longa-metragem junto à crítica esse ano. Muitas barreiras o separam de uma vitória na categoria principal do Oscar, as maiores sendo seus diálogos em espanhol e a própria relação da Academia com a gigante do streaming hoje, mas ninguém pode dizer que dessa vez eles não estão fazendo o jogo da indústria. A intenção é sair vencedor da maior quantidade de prêmios (inclusive a principal), e preparar o terreno para a chegada do mestre Martin Scorsese ano que vem, com seu The Irishman.
O que sobreviverá dessa corrida para a posteridade? Roma fará História? Nasce uma Estrela será o primeiro remake de um filme americano - e que já teve versão anterior indicada na categoria principal - a vencer o Oscar? A Academia reconhecerá três diretores afro-americanos pela primeira vez? Uma adaptação de HQ fará sua estreia no ponto mais alto da corrida? Spike Lee e Paul Schrader serão enfim louvados, depois de décadas provando sua excelência? O mais importante de uma corrida de premiação é jamais se levar a sério demais. Oscars vêm e vão, e o que fica são as obras agraciadas, que tantas vezes foram esquecidas assim que a televisão foi desligada ao fim da premiação. Somente a prova do tempo diz quem ficará nos livros e quem não passou de paixão fugaz. Com a maturação, fica mais claro onde estarão O Discurso do Rei e A Hora Mais Escura, Quem Quer ser um Milionário? e Boyhood - o jogo está sendo jogado, de novo. E vai muito além da qualidade a resposta para muitas das perguntas desse parágrafo. 

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