Está cada vez mais difícil surpreender. Com o cinema já secular, o público se encontra numa posição de consciência dos mais diversos artifícios utilizados em filmes de gênero, de modo que os cineastas que por eles se aventuram precisam enfrentar essa extensa bagagem informativa, saber lidar com ela. David Fincher, por exemplo, fazendo o talvez mais ingrato tipo dos filmes de gênero, o suspense policial (thriller), e perfeitamente ciente de que o público já viu toda espécie de reviravolta imaginável, se utiliza desse acervo para jogar as informações de forma ágil, alicerçado numa montagem dinâmica, repleta de cortes “afiados”, de maneira a capturar a atenção da plateia, que, uma vez em suas mãos, é, atônita, levada aos obscuros recônditos do comportamento humano que tanto interessam o diretor – seja a própria obsessão investigativa em Zodíaco, a misoginia e o aterrador drama familiar em Millenium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres, o baile de máscaras sociais em Garota Exemplar ou a banalidade da violência em Se7en, sempre com a psicopatia e a exasperação por ela provocada como pano de fundo.
Já Ben Wheatley, por outro lado, encara o conhecimento do público, no terreno do horror, abstraindo o plot, forçando o espectador a construir a trama baseado nos indícios distribuídos pelo filme – ou seja, Wheatley se utiliza da bagagem da plateia de modo a deixar, em certa medida, subentendido o próprio enredo, que certamente não teria tanto impacto se normalmente revelado fosse, e não somente isso, ele aproveita e potencializa a aura de mistério provocada por essa abstração.
Com isso, chegamos a Ti West, que, desse trio, é o que explora conceito mais delimitado – seus filmes seguem uma estrutura básica na qual a ambientação leva cerca de dois terços da duração e os sustos, o verdadeiro horror, a materialização do mal eclodem na reta final, em vez de se encontrarem melhor distribuídos por todo o filme. A gradação do suspense e do terror é uma regra elementar do gênero, mas Ti West leva-a às últimas consequências – Trigger Man continua sendo a melhor síntese dessa ideia, onde o assassino perseguidor segue invisível até os últimos minutos.
De certa forma, Ti West e Ben Wheatley se aproximam, uma vez que West também, em algum nível, abstrai o plot – a diferença está no balanceamento dos dois fatores: enquanto o principal interesse do primeiro está no prolongamento da sugestão, o segundo se apoia na maior dose de pulverização da trama. Outra característica em comum, e Fincher nisso se inclui, está no saber construir e manter uma atmosfera constante de tensão – mais opressiva em Wheatley e Fincher, mais dotada de desconfiança em West.
A forma como o diretor desse Hotel da Morte utiliza a seu favor o acervo de conhecimentos do público sobre o gênero está justamente na sugestão. O espectador sabe muito bem que deve esperar por alguma surpresa quando o cineasta se utiliza, por exemplo, de um plano médio com o personagem olhando para o contracampo, ou de um plano geral em que a protagonista investiga a origem de ruídos estranhos pela casa, mas aqui (assim como em A Casa do Diabo e O Último Sacramento) West, na maioria esmagadora das vezes, frustra essas expectativas – mas o suspense não se compromete porque aqueles espaços vazios foram devidamente preenchidos por todos os fantasmas, monstros e entidades maléficas que vimos em tantos outros filmes e que estão, indefectivelmente, presentes em nossa imaginação, chamados à tona pela mise-en-scène de West. Não há como não falar da cena em que os protagonistas tentam fazer contato com o fantasma do hotel no porão, sequência em que o diretor extrai um incrível nível tensão com um simples plano/contraplano, posicionando os rostos das personagens não no centro, mas ocupando uma das metades do quadro, de modo a criar uma crescente expectativa sobre a manifestação física da entidade ao fundo.
Tudo isso não é à toa. O horror será materializado sim – e são justamente as frustrações que, decorridos cerca de dois terços do filme, acabam por criar uma sensação de confiança de que nada vai de fato acontecer no espectador, sensação essa erigida só para ser violentamente derrubada quando o clímax se inicia. E, nessa reta final, West usa e abusa da trilha sonora e de vertiginosos movimentos de câmara para potencializar o tão emulado soco na plateia, pois o horror, quando vem, vem com toda a força, e quando menos se espera, sem delegar direito à respiração a quem assiste.
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