É com a mesma feição de malícia dada pelo personagem de Truffaut em Os Incompreendidos, quando questionado se já havia dormido com garotas, que os entrevistados de Pasolini respondem as perguntas sobre sexualidade. É como se pensassem ser brincadeira e refletissem duas vezes antes de responder seriamente sobre o assunto. Ainda que o sexo feminino o trate com maior seriedade, isso se deve ao dever social e religioso da castidade, mas é com uma maturidade indispensável para se ter um bom documentário que Pasolini trata do assunto.
Em diversas cidades da Itália, entrevista crianças, homens, mulheres e especialistas com questionamentos sobre casamento, divórcio, homossexualidade, satisfação pessoal, liberdade feminina, entre outros. Se tratando de um país historicamente religioso como a Itália, a abordagem do tema era a dissecação de um tabu. Efusivo como entrevistador, Pasolini dispara perguntas aos entrevistados, que respondem livremente como pensam, traçando um paralelo da imagem italiana sobre o tema.
A imposição social de que a figura masculina deve ser um Don Juan e a figura feminina, casta, tímida e inocente promovem a discussão acerca das diferenças entre os sexos, em uma Itália onde as mulheres casadas não possuíam o direito de saírem sozinhas a parte alguma sem serem malvistas. O mais interessante é ver mulheres – normalmente senhoras de já mais idade – defendendo o mundo como é, ou seja, sem uma maior liberdade à mulher e a castidade para enfim casar-se – aceitando o mundo onde vivem sem nunca terem questionado o porquê da inferioridade de seus sexos, tendo como respaldo o conformismo bíblico.
“Hoje em dia temos medo de nossos instintos, e nos defendemos com esse conformismo.”
A questão da Lei Merlin também é abordada no filme. Sancionada em 1958, a lei criminalizava os bordéis, objetivando a não propagação de doenças sexualmente transmissíveis. Prostitutas foram trabalhar nas ruas ou em bordéis clandestinos onde não tinham o direito à inspeção médica. Influenciada principalmente pela Igreja Católica, as classes operárias entrevistadas majoritariamente discordavam da lei: “os feios também têm direito as mulheres”.
“A Itália de suas entrevistas é tão real quanto àquela que as recusa”, diz um dos entrevistados. E a Itália do filme de Pasolini é tão verdadeira que por mais que não saiba da atual situação italiana, pode-se afirmar que o filme reflete o Brasil de hoje. Assim como as crianças do início do filme, as brasileiras ainda acreditam em cegonhas e sementes, já que muitas vezes não há uma iniciativa dos pais em falar sobre sexualidade. Mas não apenas nesse ponto, como também quando se vê o resultado das eleições de 2014, onde muitos candidatos defendem a repressão das “anomalias sexuais”, deixando de aceita-las como algo natural.
O filme de Pasolini é indispensável para a reflexão sobre o que as pessoas pensam sobre sexualidade ou de como elas pensam sobre isso. É o retrato dos conformismos de uma Itália conservadora e de uma herança histórico-religiosa da suposta inferioridade bíblica feminina e do prazer culposo e pecador do sexo.
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