O cineasta Denis Villeneuve vem chamando a atenção por seus trabalhos cada vez mais ousados, obras, filmes que traduzem simbolismos e complexidades em mensagem até simples de se entender, quando decodificada. Foi assim em Incêndios, O Homem Duplicado (esse principalmente) e Sicario. O último trabalho do diretor, que abordou o eterno conflito na fronteira do México com os EUA, reafirmou a habilidade do franco-canadense em criar atmosferas peculiares, que permitem a total imersão do espectador na tela. Fica fácil acompanhar a história, e ela fica até mais fluida, quando se entra na brincadeira do artesão de imagens, que é visto como muitíssimo promissor, até mesmo para a sua próxima missão, recriar Blade Runner. Em Arrival, não é diferente, a partir da expectativa criada em torno de Villeneuve. O filme é bem amarrado e conta uma história com algo a mais, uma casca, um clima que só o diretor poderia concatenar e apresentar.
Não há enrolação, de início, para apresentação do enredo e personagens. Louise Banks, linguista de uma grande universidade, tem sua aula interrompida por conta de um evento macro, naves alienígenas que pousaram na Terra, em diferentes localidades no planeta. Posteriormente, as autoridades buscam uma pessoa para decifrar as primeiras comunicações que os supostos aliens estabelecem com alguns militares. Banks, interpretada por Amy Adams, é convocada para essa tarefa, que só na concepção, já se mostra difícil. Não muito depois, ficamos a par de Ian Donnelly (Jeremy Renner), matemático que compõe a equipe de investigação. Alguns diálogos se estabelecem, mas Villeneuve deixa claro que o primeiro encontro, com a nave em forma de concha, é primordial. Tomadas aéreas, pontuadas pela bela, porém escura, fotografia dão destaque para a inusitada carapaça da nave em meio às nuvens.
O primeiro contato é impressionante. O suspense é crescente no momento em que a equipe sobe até a nave e uma poeira ao fundo só pode ser vista com certo embaçado. É possível ver duas criaturas ali que, ao longo do filme, irão se comunicar com quem está lhes interrogando. Entretanto, esses seres emitem um espécie de sinal secreto, indecifrável à primeira vista. E são esses grafismos que Banks irá investigar.
Contudo, a partir de uma premissa que aponta para o óbvio, esperamos um conto de patriotismo americano, de exército em guerra com OVNIs, mocinha sendo salva e três homens ganhando o dia e o orgulho do povo. Não é isso que ocorre, mas sim um captar de imagens que diz muito mais do que um simples mistério a ser resolvido até antes dos créditos finais. Não importa o fato em si, o para si talvez. O objetivo final é narrar, em um blockbuster, através de metáforas e flashbacks (alguns incomodam aqui) a importância de três elementos: a memória, a existência e a comunicação. Arrival nos mostra que somos como formigas num universo tão vasto e que, com tanta tecnologia e interesse, nos acostumamos ao automático, que é a repressão, a tendência a reprimir tudo que não é da nossa natureza, que soa estranho, além dos nos padrões de normalidade.
Os exageros estão presentes no longa. Um sentimentalismo que incomoda, a trilha pouco marcante e algumas sub-tramas poderiam ser substituídos por algo mais agregador. Faltou também o desenvolvimento de personagens paralelos, como a personagem de Whitaker. Entretanto, a subversão da expectativa do espectador já é algo que vale demais. O plot twist não é exagerado e é elemento essencial para o filme finalmente revelar seu propósito, o de apontar para a necessidade de diplomacia, de revermos nosso conceito de amor, não nos apegando mais ao tempo. O mundo vê o tempo como um mero limitador de tarefas, um dificultador do cumprimento delas, estabelecendo prazos. Mas, para conhecermos o X da questão, para dialogarmos com o desconhecido e compreender o simples, o fundamental, não basta agir como um robô, é preciso sentir. Arrival é contemplativo, belo e relevante (e não fala só de ET's e terror que sua presença pode acarretar), tanto para os dias atuais, quanto para um bom tempo ainda que atravessará o futuro. É amor e beleza num filme sci-fi, que merece ser visto e revisto.
Destaque: Adams em sua incrível performance. Ela, a protagonista, se redescobre ao longo do filme, numa jornada em busca de coisas, aparentemente, inalcançáveis, mas que, com o entendimento do TEMPO e da paz consigo, tudo se normaliza. Tudo isso possível pelo e paralelo ao contato, talvez não muito longe de ocorrer, com "seres superiores". "Somos uma maneira de o universo conhecer a si mesmo", já diria Carl Sagan. Olhando pras estrelas , a gente se conhece.
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