"There are places I remember, all my life...some though have changed.
Some forever, not for better, some have gone and some remain.
All these places have their moments...With lovers and friends, I still can recall.
Some are dead and some are living, in my life I've loved them all."
É com um trecho de "In My Life", dos Beatles, banda favorita do personagem de Ethan Hawke no filme, que eu começo a minha resenha. Esta talvez seja a resenha que mais esperei para escrever nos últimos anos, já que Boyhood foi o filme mais aclamado das últimas décadas. O assisti neste sábado, com muita ansiedade, mas sem saber o que esperar da crônica de Richard Linklater sobre o tempo, afinal, ele gravou o filme durante 12 anos, com os mesmos atores, e eu nunca havia assistido algo com esta proposta antes. Agora, posso afirmar com toda a certeza que o filme é soberbo, uma obra de arte que ficará na história do cinema americano, o qual não apresenta a mesma criatividade de outrora.
Ao som de "Yellow", do Coldplay (representando o início dos anos 2000), o filme nos apresenta Maison Evans Jr. (Ellar Coltrane), protagonista, garoto de cinco anos, filho de pais separados e com uma irmã mais velha, Samantha (a filha do diretor, Lorelei Linklater), que ama pertubá-lo. Ele sonha em ver o pai e a mãe juntos novamente, mas ao longo dos anos entende que isso não é possível. A mãe (a excelente Patricia Arquette) se casa mais duas vezes, com um renomado professor e depois com um veterano de guerra, enquanto o pai (Ethan Hawke) começa desempregado, com o sonho de se tornar uma estrela de rock, mas ao longo dos anos percebe que precisa ganhar dinheiro e passa a ver a vida de uma outra maneira, mas nunca sem encorajar o filho a fazer o que gosta de fazer.
Ao longo de 2h45, pouco tempo para resumir uma juventude inteira, esses são os fatos mais importantes a rodear Maison, que vive uma infância feliz, passa por experiências traumatizantes, mas cresce e descobre seu próprio caminho, sabendo para onde ir, mas sem saber o que vai encontrar. Bem, é a vida, né? Qual seria a graça de vivê-la com spoilers? Por isso Boyhood é tão intrigante. Não há um suspense, um romance, uma linha de ação que exija a nossa atenção para ser desenvolvida, é tudo muito natural; apenas um filme gravado ao longo de 12 anos, em que o intérprete do garotinho de cinco anos é o mesmo do jovem de 18. É uma experiência que não tem como ser traduzida em palavras, mas posso tentar demonstrar sua brilhante simplicidade. Por exemplo, não é necessário grandes dispositivos no roteiro quando se tem o gancho da vida real, como na cena em que o padrasto de Maison começa a mentir para poder comprar bebida. Sabemos no que vai resultar, porque o objetivo de Linklater não é surpreender ninguém, mas sim mostrar como o garoto vê e como isso pode influenciar seu crescimento. Como na música dos Beatles, ele passa por muitos lugares, por muitas experiências, algumas ruins, algumas boas, mas com certeza amou a todas, porque elas o ajudaram a construir sua personalidade, seu direcionamento.
Quando a adolescência chega, tudo fica muito confuso mas ao mesmo tempo...intrigante. O novo é assim, cheio de contradições. O diretor Richard Linklater sabe muito bem disso: dirigiu Dazed and Confused, filme que fala sobre adolescentes que decidem experimentar a vida e suas possibilidades nos anos 1970; dirigiu Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-Noite, trilogia que reflete sobre as decisões a serem tomadas sempre sem saber ao que estas nos reservam. Para Linklater, vale a pena arriscar, afinal a vida é muito curta. Boyhood deixa bem clara essa sensação. O filme acaba e na hora pensa-se: já? Mas passou tão rápido...Sim, rápido. É necessário arriscar, é necessário muitas vezes começar do zero para ver uma nova possibilidade. Juventude não e só para quem tem 5, 10 ou 20 anos, mas para todos que querem recomeçar.
É interessante falar, também, sobre a proposta autoral do filme: Richard Linklater produz, escreve o filme (ao longo de vários anos) e dirige - se atuasse seria um novo John Cassavetes ; trabalha com seu melhor amigo, Ethan Hawke, que ajudou na produção e com alguns improvisos, mas não cobrou nada para participar do filme. Patricia Arquette apostou na proposta e se recusou a usar maquiagem, afim de que a proposta pudesse ficar clara no envelhecimento de sua personagem; e a irmã de Maison, Samantha, interpretada pela filha de Linklater, Lorelei.
O cinema americano chegou ao seu auge na década de 1970 com os maiores filmes já feitos, desde então, foram poucos os que se destacaram. Boyhood pode não ser tão genial como um Apocalypse Now, tão memorável como Tubarão, mas sua síntese da juventude e do tempo já arranjou um lugar na história do cinema americano, e eu tenho o prazer de testemunhar esse momento.
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