"Quando eu era pequeno, eu só sabia pequenas coisas. Mas agora eu tenho cinco anos, e sei TUDO!"
São poucos os filmes que conseguem ilustrar tão bem a perspectiva de seu protagonista acerca da própria história como esse O Quarto de Jack. Chega a surpreender por vezes como o filme não é filmado com a câmera sempre pela visão subjetiva do personagem-título (a revelação Jacob Tremblay), já que ao longo das quase duas horas de filme iremos dividir com ele diversas sensações que ele experimenta. E surpreende como um filme relativamente tão simples como a produção de Lenny Abrahamson desperte tantas sensações, seja uma obra tão sensorial, prova de que ele e a roteirista Emma Donoghue levaram para a telona o que de melhor existia no livro desta: a maneira como os acontecimentos da história vão transformando o olhar de Jack, amadurecendo-o no processo sem nunca lhe tirar completamente a inocência de um garoto de 5 anos de idade.
E manter essa inocência do rapaz praticamente intacta revela por si só o esforço hercúleo que sua mãe, Joy (Brie Larson) precisou fazer, afinal, ela e Jack viveram por anos em um quarto - a garota foi raptada aos 17 anos e 2 anos depois o menino nasceu já no cativeiro - que até o momento da liberdade era o mundo inteiro para o personagem de Tremblay. O quarto é o mundo e é real, ele pode tocar. O céu que vê pela claraboia de seu aposento é o espaço, inalcançável, surreal. E tudo que vê na TV ou que sua mãe fala - árvores, cachorros, outras pessoas - são de um outro planeta, quase falsas em sua existência que parece refletir apenas a imaginação de um garotinho. Tudo que reside no "lá fora" é novo, é algo a ser descoberto se um dia for possível. Se algum dia conseguirem escapar da casa do Velho Nick (Sean Bridgers) que se torna uma criatura ameaçadora e quase mágica aos olhos de Jack - e surpreende como sua mãe consegue manter os abusos sofridos por anos longe dos olhos do garoto, tornando-se uma espécie de versão feminina do Guido de Roberto Benigni visto em A Vida é Bela, mas sem a forçação de barra daquele longa.
A maneira calma como o filme retrata a prisão de mãe e filho em seu início, estabelecendo o contraste da opressão daquela situação para a personagem de Larson enquanto revela que por ser a única coisa que conhece, tudo aquilo é normal para o protagonista - "Bom dia, Piá. Bom dia, Tapete. Bom dia, Armário.", diz ele ao acordar, sempre tratando cada objeto como uma existência única, pois para ele o são -, é fundamental para o choque experimentado por Jack e, por consequência, pelo espectador ao sairmos do quarto: tudo é novo, tudo se confunde, tudo enche os olhos. E aí nos surpreendemos com como aquela criança consegue ser tão forte enquanto nós mesmos desabamos em choro. E é uma pena, portanto, que o ápice emocional do longa seja nessa cena, já que se torna quase impossível para o filme manter esse nível logo após, sendo assim, fica inevitável a sensação de que a qualidade da narrativa cai, ainda que se mantenha lá no alto. A segunda metade de O Quarto de Jack, então, passa a ser sobre adaptação, a do garoto a um mundo todo novo, e a de sua mãe a um mundo que apesar do seu esforço em nada lhe lembra o que ela deixou - porque ela já não é mais a mesma, claro -, aí sofremos com os personagens e nos surpreendemos com o quanto a imensidão da distância do quarto pode ser opressiva.
Essa opressão, aliás, é mais uma prova que em nada podemos questionar a presença de Lenny Abrahamson em prêmios de melhor direção como o do Oscar: a maneira como altera a visão de sua câmera - e aí entram os elogios ao fotógrafo Danny Cohen que, para meu espanto, é o responsável pelas fotografias abomináveis dos filmes de Tom Hooper - criar essa sensação é digna de aplausos, criando planos que parecem literalmente prender seus protagonistas. Da mesma forma, a maneira como os planos fechados e que não revelam o quarto inteiro na primeira parte da produção acabam criando a sensação de que aquele lugar é muito maior do que a realidade - como seria pequeno se Jack não conhece nada maior e sua visão é a do filme, não? -, resultando em um contraste assustador quando finalmente vemos o quarto em um plano aberto já ao fim da projeção, o que aliado a reação do personagem de Tremblay - "encolheu?" -, revela por si só o amadurecimento da visão daquela criança que em tão pouco tempo precisou passar por tanta coisa.
Tremblay, como não poderia deixar de ser, é um achado gigantesco da produção. Se Larson fica cada vez melhor (já merecia todo o reconhecimento que obteve aqui por Temporário 12, onde está ainda melhor), ilustrando com talento a dor de sua personagem em precisar se mostrar constantemente forte mesmo estando desabando a maior parte do tempo - e aí cada sorriso dela ao lado de Jack dói na alma por ser algo tão lindo e tão triste -, Tremblay agarra um dos personagens mais difíceis do cinema em 2015 e arrebenta tudo (e Leonardo DiCaprio que lide com o peso de seu Oscar em um ano onde não esteve nem perto do que o ator mirim faz aqui), poucos atores veteranos dizem tanto com o olhar como o garoto - e seus olhos confusos, admirados, curiosos, fitando a imensidão do céu pela primeira vez é uma imagem que não sai fácil da cabeça -, existe um mundo escondido ali e em sua voz baixa, aí praticamente toda cena de O Quarto de Jack se torna uma pequena obra-prima por conta dele - a primeira folha vista, o carinho em um cachorro, o corte de cabelo, tantas outras. Que pequeno grande ator...
Que pequeno grande filme...
Belo comentário Lubi 😁 quero muito ver esse filme mas infelizmente não chegou nos cinemas daqui.
Valeu, mano.
Pega na net, já tem em qualidade lá hahaha