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Críticas

Cineplayers

O impacto de um caminho conhecido.

7,5
Só hoje me bateu que o filme de abertura do Olhar do Cinema passou na Semana da Crítica em Cannes mês passado, e saiu de lá recheado de críticas. Assistido o filme fica claro como o povo europeu, elitizado, branco, em suas bolhas inalcançáveis e inatacáveis, tenham ficado de quatro com uma narrativa que nada difere da realidade tão conhecida de qualquer latino americano sem parentes importantes; A Família, a estreia em longas de Gustavo Rondon Córdova, poderia se passar em qualquer país do lado de cá além da Venezuela, inclusive o nosso Brasil. Uma trama de pegada não apenas popular e tensa, como também crua como tantas que já vimos. Então nos vemos nessa encruzilhada. 

De um lado temos essa estreia na direção, prodigiosa, ligada em planos-sequência, refinada esteticamente até, com um belo trabalho de fotografia e montagem, além de dramaturgia. A trama de Andres e seu filho Pedro, moradores de um condomínio carente (pra ser suave), vizinhos a uma comunidade, e que precisam fugir após uma briga infantil que termina em tragédia, é concisa e milimétrica, não apela para o sentimentalismo nunca, não cria um desenrolar rocambolesco como costuma ser usado de expediente e não abraça as explicações fáceis - na verdade ele quase nunca se explica, ponto. 

Repleto de silêncios e de interditos, A Família parte da ironia aparente em seu título (afinal, são só pai e filho) para discutir o cerne da questão, a formação moral da palavra família em contraste ao que de familiar pode surgir num universo tão árido de sentimentos. Utilizando ferramentas não-obvias por esse lado, Córdova registra um estranho caso de amor que machuca na superfície e... bom, e machuca também no fundo; no meio da confusão dos espinhos que não serão retirados com facilidade, está algo parecido com afeto.

Do outro lado temos a atmosfera total do projeto, que como esclareço no início do texto, tem nada de necessariamente novo ou recente. É um amálgama que não é necessariamente de trama alguma em particular, mas de ambientação, de pegada, de aproximação do objeto investigado, do espaço cênico e do registro. Já conhecemos tudo aquilo e o filme também não tenta descobrir a pólvora, mas apenas contar sua história da melhor forma possível. O problema é que o mapeamento do todo no fim das contas parece reconhecível demais, para além da necessidade. Andres e Pedro já foram vistos antes, seus desenhos de personagens já foram investigados e às vezes até sua marcação corporal parece já sabida com certa antecedência. Não há problema nessa situação em tese geral, mas a prisão que a estrutura incide sobre a obra acaba por torná-la simplesmente igual, e por isso desprovida de propósitos maiores que o de entreter. 

Vale ressaltar em separado o magistral trabalho empreendido pela dupla Giovanny Garcia e Reggie Reyes, em incorporações nunca menos que gigantescas. Eles conseguem algo bem difícil e raro: parecem ter a intimidade que o filme tenta demolir; é complexo, é bem triste e feio, mas é demasiadamente humano. E é bem crível, principalmente se levarmos em consideração que uma das partes é um pré-adolescente. Ainda que a dupla formada faça esse baile de interação truncada e bem real, criando um misto de tensão que conversa com todas as tensões do filme e uma expectativa eterna em torno de algo que pode ou não vir dela, o longa de estreia de Gustavo Rondon Córdova nos lembra a todo momento de seu lugar. 

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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