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Críticas

Cineplayers

Godard depois de tudo.

7,5

O Godard de Imagem e Palavra é o cineasta do pós-tudo. O homem que em sua juventude liderou o movimento nouvelle vague, implodiu o fazer cinematográfico tradicional e instrumentalizou seu cinema em forma de fazer político no grupo Dziga Vertov chega em 2018 observando as crises nas narrativas tradicionais, criando filmes a partir de imagens de arquivo baseado em livres associações que circundam conceitos, experimentam possibilidades e andam à parte do cinema tradicional.

Dividido em cinco blocos, Imagem e Palavra é um filme sobre representação. Sobre como Hollywood representa, sobre a crueza da realidade representada na mídia, sobre os olhos do Ocidente e Oriente sobre cultura e barbárie. As imagens se associam, se sobrepõem, são estouradas, tem a janela redimensionada. O som é descontínuo, fragmentado, interrompido. As legendas, a pedido do próprio diretor, vêm e vão. Não há uma noção de totalidade ou linearidade pois o mundo hoje é feita de fragmentos descontextualizados, verdades aparentes, tentativas de narrativas.

É certo que é um filme hermético, fechado dentro de um conceito de analisar como observamos a violência em diferentes momentos - seja a violência catártica e bela de um filme americano antigo ou imagens de conflitos reais mostrados por jornais - e como a interpretamos, como a representamos, que avatares assumem. A metáfora do trem utilizada, como algo que segue em frente perpetuamente e afeta as diferentes percepções: Buster Keaton escalando o trem, uma menina vê um trem chegar maravilhada, judeus seguindo em direção aos trens dos campos de concentração. 

A violência também é infundida na forma, no tratamento das imagens maltratadas, envelhecidas, difíceis de se enxergar, nos cortes de um segundo, na perturbação da sobreposição de vozes. A impressão geral é que uma vez que a narrativa tradicional falhou em satisfazer anseios, desejos e utopias, resta uma reavaliação, uma refeitura de tudo que já foi feito. 

As muitas arestas da obra com certeza podem afastar muitos - trata-se de uma avalanche hiperbólica, uma perturbação sensorial, sem exatamente ter um início ou conclusão de ideias, mas pedaços de uma, encerrados em si mesmos mas também conectados e entrelaçados na soma de ideias obtidas através da montagem.

Com oitenta e sete anos, Jean-Luc Godard continua único, sem paralelos. Abdicou de qualquer concretude no seu cinema e partiu para perseguir as ideias, as ideias, suas representações, como o olhar é constituído hoje em dia. Onde muitos se acomodaram e resolveram se repetir, ele resolveu forçar os limites, não parecendo se importar com a indigestão ou o hermetismo de suas imagens, suas provocações agressivas e desagradáveis, pois sua preocupação é outra: como nos apropriamos de imagens, como devolvemos as imagens para o mundo, que imagens nos representam, que narrativas fazem sentido em um mundo onde eles naufragaram. Genial ou insuportável, que seja - a discussão se estende ao infinito. Mas por sua coragem, sobretudo necessário.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

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