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Críticas

Cineplayers

Desconstrução de gêneros e de expectativas.

8,0
Um dos primeiros filmes vistos no Olhar passado foi também um oriental, Um Sonho Tranquilo. Ao ler a sinopse e perceber que tinha como repetir a experiência anterior, nem pensei muito. Mas Nossa Casa é um mergulho radicalmente oposto... mas que como o melhor cinema, acaba beliscando uma certa ambiência aqui e ali. A diretora Yui Kiyohara prepara uma outra espécie de imersão, em outro escopo e contexto, mas seus propósitos acabam passando também por um cinema intimista, humsno e momentâneo de alguma forma. Com apenas 26 anos e no seu primeiro longa, a realizadora propõe reflexão a partir de um encontro de cinemas diversos, fazendo brotar o seu.

De narrativa bifurcada, acompanhamos a princípio mãe e filha em relação prestes a ebulir, em desconforto causado por um novo relacionamento materno. Em seguida entra em cena uma mulher aparentemente desmemoriada que encontra uma jovem numa barca, acolhendo-a em casa. A casa. Ambas as histórias se passam na mesma casa, onde móveis estão ligeiramente diferentes, uma cortina perdeu as contas e ganhou tecido. Detalhes que fazem o olhar procurar detalhes cênicos e encontrar já nessa decisão uma parte considerável da narrativa, que advém inclusive do título do longa.

Tudo tratado de maneira coloquial, em processos de mergulho suave e sem sobressaltos climáticos, a potência dessa escolha traduz o narrativo e nos faz passear pelo filme com um olhar quase arqueológico, buscando em cada possível detalhe uma sintonia que conecte as duas leituras para além do espaço físico habitado. Ou melhor, coabitado. Seriam uma versão evoluída de relações, um deslocamento temporal ou um amálgama de universo paralelo onde as realidades coexistem e não se fundem? Yui escolhe abrir o debate e deixar as impressões do lado de cá, de onde o fluxo de pensamento possa criar essas dobras e camadas possíveis.

A partir de determinado momento, a busca imagética e sonora passa a insistir com igual suavidade rumo a um crescente estado de suspensão de gênero, como se a estranheza já estabelecida provocasse a entrada do fantástico propriamente dito. Essa busca pode até chegar a uma catarse em determinada construção de clímax, mas a cineasta trabalha de maneira tão sutil que é provável que grande parte dos espectadores se sinta arremessada rumo a um furacão catártico inesperado, quando na verdade há uma conexão gradual que leva o longa de um lugar do melodrama até o suspense, em alguma instância.

Filmado com uma formalidade inesperada para o que o filme se torna e/ou propõe, talvez seja essa uma das chaves que tornam Nossa Casa tão intenso e inesperado. A gargalhada coletiva ao fim da sessão deu a certeza do desconforto que Yui causou, talvez premeditado. Tem uma digital forte nesse longa e quando nos damos conta que é o primeiro filme de uma jovem recém formada, esse espanto se transforma em um tipo de prazer. Uma provocação com o estabelecido e com expectativas geradas que alimentam o cinema e nossa própria experiência como ser pensante do mesmo cinema.

Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba

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