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Críticas

Cineplayers

Sempre o mesmo, nunca o mesmo.

9,0
De onde Sang-soo tirou seu cinema? De acordo com a lista elaborada pelo próprio para a votação dos melhores filmes de todos os tempos na BFI/Sight & Sound, há avós óbvios do estilo formal rígido do sul-coreano, como Também Fomos Felizes, de Yasujiro Ozu, e O Raio Verde, de Eric Rohmer. É possível ver os dois em O Hotel às Margens do Rio na estética de tempo dilatado, na paixão por diálogos e silêncios, na fidelidade absoluta aos longos planos “editados” por zoom.

Também é possível ver outros filmes, porém. Vendo a história do velho poeta que convida os dois filhos para o hotel onde mora e suas interações com duas amigas hospedadas no local, outras referências passam a fazer sentido à medida que o filme se desenvolve. Estão também na lista filmes como O Atalante, de Jean Vigo, A Palavra, de Carl Theodor Dreyer, e A Mocidade de Lincoln, de John Ford. Filmes diferentes que na cabeça de um cineasta singular parecem conversar entre si. Todos os filmes - o drama romântico, a tragédia sobre a fé, a biografia do líder político - em certo nível procuram momentos pequenos e humanos e os engrandecem sob a luz do cinema. E isso parece uma preocupação central para o cinema de Hong Sang-soo. 

O rigor formal do diretor decerto pode despertar em alguns a irritação e tédio: são pessoas em bares, restaurantes e varandas sentadas, bebendo, fumando, falando sobre experiências pregressas quando a narrativa tradicional manda exibi-las, mostrar ao invés de falar. Mas aqui até as profissões se repetem: todos são poetas, escritores, roteiristas, diretores, atores. Que novidade existe nisso? A resposta parece ser, justamente, o rigor formal - e a sua transgressão.

Apresentando seu conhecido estilo, Sang-soo em O Hotel às Margens do Rio também desobedece o Sangg-soo antigo sem vergonha alguma. É fato que o rigor nunca o impediu de cravar histórias de teor absurdista e quase experimental em matéria de dramaturgia, como Vocês e os Seus e Certo Agora, Errado Antes. Mas agora, o diretor se despe cada vez com mais frequência para novas abordagens e irrompe em momentos cada vez mais subjetivistas. 

De alguma forma, as inserções da narração em off sobre as cenas simples de personagens que deveriam ilustrar o que é narrado, parecem buscar ao outro final quando são combinados de maneira “dessincronizada”, não-ilustrativa. Busca-se outra significação, inclusive novas técnicas que o diretor pouco usa: câmera na mão e sua trepidação típica e o desfoque parcial ou absoluto da imagem aparecem agora afetando os habituais e característicos enquadramentos do diretor.

O diretor já vinha explorando essa vertente desde o filme-exorcismo Na Praia à Noite Sozinha, com sua estrutura desgovernada e os muitos simbolismos dentro de quadro inseridos de forma menos óbvia, menos explícita e meta-narrativa e mais lúdica e interpretativa. E essa é uma tendência que Sang-soo vem radicalizando.

Agora, no momento do ato final de O Hotel às Margens do Rio, o poeta que havia convidado os filhos por pressentir que iria morrer é desconstruído pelos filhos, que replicam frases de sua mãe sobre seu caráter e, longe deles, irá contradizer a diegese típica de um filme do Sang-soo ao exercer a ocupação que diz ter na frente da câmera, lendo um poema.

Nesse momento, a montagem trabalha de maneira desconectada e ilustrativa, com uma atmosfera anti-realista e quase onírica. O personagem e a encenação libertam-se do formalismo típico e criam, a partir do início simplório de pessoa lendo um papel em um restaurante, um momento pungente e sem igual na carreira de Sang-soo. Nós já sabemos de onde vem seu cinema, e é maravilhoso ver e nos perguntarmos para onde ele quer levá-lo.

Filme visto no Festival de Cinema do Rio de Janeiro

Comentários (2)

Gabriel Fagundes | quinta-feira, 13 de Dezembro de 2018 - 02:09

Não sei porque mas me lembrei de Bukowski

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