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Críticas

Cineplayers

Demolindo o olhar para todos os tempos.

9,0
O primeiro de diversos filmes orientais que irei ver nessa edição do Olhar de Cinema, o longa de Jang Woojin (selecionado na Mostra 'Outros Olhares') deixa claro que poderia estar na competição oficial do festival, com chances reais de levar o troféu. Trata-se de um típico exemplar coreano, no que a nacionalidade pode ter de melhor. Vivendo um momento cada vez mais superlativo dentro do cenário cinematográfico, não cansam de surgir novas vozes para amplificar a potência cinematográfica do país ainda mais. Woojin é da novíssima geração, recém completos 32 anos e apenas no segundo longa, e não será espanto vê-lo muito em breve nas competições dos grandes festivais europeus, coisa que já poderia ter acontecido com essa delicada observação da relação entre as pessoas e os espaços, e na metaforização que faz da vida e da morte a partir de duas narrativas separadas e de alguma forma complementares. 

O filme mostra duas vertentes de acontecimentos: no mesmo banco de trem se encontram um jovem que vai até a cidade de sua infância para uma entrevista de emprego, e um casal de meia idade que também tem seu rumo mirado para Chun-cheon, cidade que estará recebendo uma maratona no ato da chegada do trio. O jovem rapaz não consegue o emprego; o casal de meia idade está apenas se conhecendo. Aos poucos as duas situações começam a fugir do controle para os três, e o filme delimita bem o momento de quebra das narrativas, que seguem separadas mas que provocam um espelho refletido às avessas de uma a outra. O jovem desempregado esbarra na chegada com um amigo de infância, acaba reencontrando outro amigo e a realidade acaba batendo muito forte, fazendo com que ele entre numa espiral de desespero, transformando uma ligação telefônica numa catarse que evolui para algo visivelmente negativo. Já o casal recente tem toda a ânsia da novidade e do tímido frescor para um sentimento novo, que pode caindo por terra na igualmente visível vontade de mergulhar de cabeça no desconhecido e aproveitar o momento presente. No rapaz, a tristeza e o desprendimento da morte; no casal, a vibração e a entrega da vida. Mas nada é para sempre... 

Com planos que nos fazem recordar o Jia Zhang-Ke dos tempos de 'Em Busca da Vida' justamente pela relação entre os seres e o lugar que os cerca, 'Outono, Outono' deixa claro a começar pelo título que é um filme interessado em tudo que provoca dinâmica temporal; a especificação de uma estação do ano que literalmente se despe para a chegada de outra, e como esses símbolos nos remetem diretamente a morte e a vida. A julgar pelo posicionamento das câmeras e da escolha dos planos, Woojin claramente tem um ídolo e faz o trabalho de casa com um afinco espantoso. Diversos enquadramentos nasceram para a posteridade: a cena da visitação a um templo e o almoço onde a luz é um terceiro personagem na história do casal, e a cena do telefonema mais dolorido no cinema recente na história do rapaz, deixam claro que esse jovem autor pensou seu filme com afinco, e através de suas lentes também quis interferir exatamente no roteiro através disso, no que consegue. 

Com sua tônica de duas tramas que se comunicam através de seus contrapontos, Woojin ainda se reserva no direito de dar rasteiras narrativas no público. Observar as duas histórias não é definitivamente uma garantia de entender seu desenrolar prévio, longe disso até, quase propositadamente é buscado coerência dramática inclusive dentro dessa proposta de desconstrução do olhar para possíveis clichês. Servido de um elenco enxuto que trabalha para si e não para o espetáculo, Jang Woojin serve como testemunha do desejo da inabilidade com a inércia sentimental, fazendo com que seu trio protagonista façam escolhas extremadas no intuito de ser alguém mais feliz do que se é hoje. O diretor deixa claro que tem interesse no desafio que é sair da zona de conforto, seja por escolha ou necessidade. E que a volta às origens pode significar coisas dispares, mas que de uma forma ou de outra, nós escolhemos os nossos finais.

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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