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Críticas

Cineplayers

Experimento que vai da morte à vida.

9,0
Ao sinal da sessão de um filme tão bem recomendado quanto desse longa de Pablo Chavarria Gutierrez, a vontade é não fazer outra coisa que não falar sobre. Decupar mentalmente cada cena e relacioná-la ao que você pode remeter pessoalmente, e tentar formar um retrato com o mosaico que Gutierrez nos dá. Mas o longa mexicano em competição na seção Novos Olhares do Olhar de Cinema '17 não sai da cabeça e assombra as ideias com frequência. Assumidamente muito mais uma experiência do que necessariamente um filme, Gutierrez espera seus rápidos créditos acabarem para ornar com cartelas seu longa, que dizem coisas como "não houve um roteiro" e "não houveram elementos tradicionais de uma obra cinematográfica, tais como um elenco propriamente dito". Ninguém pode acusar o cineasta de falta de honestidade, nem de falta de talento. 

Imagens aparentemente desconexas são pistas do todo, e é fácil imaginar que Gutierrez tenha uma cartela de ídolos como qualquer cinéfilo, e David Lynch deve ser um deles. Pra muitos autores, Lynch seria uma espécie de papa do experimentalismo no cinema, e o cinema experimental embora não tenha nascido com ele (se até Mario Peixoto aqui fez o seminal Limite nos anos 30, mesma década que apareceu Maya Deren, que até hoje impressiona com seu Tramas do Entardecer) talvez a partir dele o segmento tenha encontrado um porta-voz de peso. Mas esse universo se expande a olhos vistos, e de repente hoje Lynch parece só uma referência. O cinema experimental (que está repleto de exemplos aqui no Olhar) acaba sendo uma forma de expressão mais livre, uma forma de contato mais pura com o audiovisual, sem os dispositivos tradicionais que a Sétima Arte moldou no nosso entendimento. 

Atualmente no Brasil vemos surgir alguém como Arthur Tuoto, que não tem a mesma projeção de um cineasta que trabalhe com linhas narrativas mais claras, e por isso infelizmente é mantido longe do alcance. Eu pensei no trabalho de Tuoto, especialmente Carnívora, ao tentar absorver o caleidoscópio proposto por Gutierrez. Bebendo também em linguagem documental e num conceito de sombrio, com um trabalho de sons e imagens que remetem vez por outra a pesadelos, La Tierra radicaliza e fascina o pré-estabelecido com pelo menos um bloco de sequências, as que dizem respeito a uma estrada com uma curva iluminada por um único poste, onde é construído um estado de tensão crescente que raramente alcança acerto.

Outra sequência envolvendo uma espécie de leilão de beira de estrada, onde um grupo de transeuntes presenciam o todo com a mesma estupefação com a qual veriam um OVNI, chamam atenção pela simplicidade com que se alcança resultados a partir do corriqueiro, ou de imagens previamente captadas. Taí, caras como Tuoto e Gutierrez são objetos não identificados dentro de um conceitos de cinema que muito mais tem amarrado que mantido solto, ideias e imaginação, transformando filmes em planilhas matemáticas. 

Movendo animais, plantas e pessoas em igual comunhão estética num balé de estranheza e reflexão, La Tierra aun se Mueve não se fecha em si e acredito que a ideia de fato fosse muito mais perturbar do que julgar ou responder. Ainda que no meio do todo Gutierrez consiga traduzir em beleza comum aquelas sequências finais que envolvem a chegada das tartarugas, as motivações do cineasta são de natureza da descoberta, da tentativa e do chacoalhado, de tirar o espectador da zona de conforto e propor à retina uma nova escola de intenções e motivações. E se esse ano o circuito cinematográfico brasileiro já deu uma pulsada diferente com o desconcertante Phillipe Grandrieux e sua porrada 'Apesar da Noite', porque os Tuotos e os Gutierrez não podem invadir nossa praia e trazer ondas rejuvenescedoras a essa calmaria?

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