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Críticas

Cineplayers

Cannes no mundo da apelação.

5,5
O cinema americano até pode ter criado uma espécie de conceito por trás da expressão 'crowd pleaser', mas há muito não é a única entusiasta dessa divisão de filmes. Tratam-se de filme geralmente de fácil compreensão, que entregam ao público exatamente o que ele quer ver, em pacote que geralmente inclui risos, lágrimas e torcida organizada ao final; se houvesse uma tradução não-literal possível para esses produtos, podíamos dizer que são 'filmes jogados para a galera', compreendendo a procura por diversão rápida e sem compromisso, porém marcante. O apelo fácil é marca registrada, e a Europa, a Ásia, a América Latina e até a África embarcaram em produtos tipo exportação de fácil associação e identificação. Todo esse debate para tentar entender o que um filme tão pouco sutil como Yomeddine foi aparecer na competição principal de Cannes desse ano.

Possivelmente uma resposta a quem perguntasse pelo cinema africano, o diretor e curador Thierry Fremaux poucas vezes em cada ano cede ao melodrama e a propostas populistas de cinema, no que talvez essa seja a versão 2018 desse cinema fast food. O cineasta egípcio A. B. Shawky estreou no cinema com o pé direito, no sentido de holofote. Poucos são os cineastas estreantes que conseguem uma vaga na seleção do maior festival do mundo e quando o teor do projeto fica claro, percebe-se uma clara intenção de aproximação popular ao criar uma ponte do público menos exigente ao exibir algo tão raso quanto esse filme. Não há sutileza, não há livre associação de ideias; no lugar disso, metáforas construídas com o que há de mais pobre dramaticamente, alguns diálogos terríveis e a necessidade excessiva de agradar a tudo e todos cena após cena, ao menos de maneira assumida.

O mais impressionante no fim das contas é o filme funcionar. Repleto de cenas apelativas típicas das 'sessões da tarde' mais genéricas, o filme de fato não tem qualquer brilho essencial que o leve além do que ele é, um passatempo. Mas a história de Beshay, um leproso curado (ainda repleto de cicatrizes no entanto) que vive numa colônia para tais no Egito e tem uma amizade paternal com um menino órfão, é irresistível. Beshay tem uma aparência impactante e Shawky sabe disso, então ele demora a se concentrar imageticamente no rosto de Rady Jamal, e quando finalmente o faz, todos já estão completamente apaixonado pela história de Beshay e Obama. Trabalhando com atores não-profissionais, o diretor encontrou um pote de ouro ao combinar esses dois personagens/atores e oferecer ao público uma diversão latente e uma reflexão grátis no pacote, sobre aparência e aceitação social.

Mostrando o clichê a partir de um ponto de vista de pessoas e de um tema que realmente nunca havia sido tocado em um filme de "larga escala" como esse, provavelmente o diretor não tinha uma real pretensão de agradar a 'inteligentsia' vigente em festivais, e acabou saindo consagrado pela sua simplicidade e honestidade. O filme ainda mostra o Egito bem longe do cartão postal, inclusive com uma cena muito curiosa (provavelmente a melhor do filme) sobre a construção das pirâmides aos pés das mesmas. É de uma total disposição de revelar um lado B do país para resvalar no que a sociedade tende a fazer com os seres que são eles mesmos lados B. Sem muito requinte ou uma elaboração arrojada sobre a própria proposta, Shawky até pra discutir não passou da superfície e fez um filme para as massas onde eventualmente as pessoas se proporão a refletir sobre a rejeição geral que esses dois personagens representam hoje. 

Encontrar atores não-profissionais tão carismáticos foi a cereja do bolo para conquistar a todos. Cenas de despedida ("você vai voltar um dia para nos ver né Beshay?", é daqueles momentos onde só os corações mais duros sairão ilesos), cenas de reencontros e sacrifícios supremos constroem esse road movie que tinha tudo pra dar errado, cremos até que dá e ainda assim é impossível não se afeiçoar. Um autêntico 'crowd pleaser' com o qual nos refastelamos cheios de prazeres culpados.

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