Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Empolgante e bem construído, talvez seja o filme que mais desenvolve o personagem em toda a história da série.

8,5

Como qualquer outro herói do Cinema, James Bond é um reflexo de seu tempo. Em seus mais de quarenta anos de atividade, o agente com licença para matar enfrentou o comunismo, participou de aventuras relacionadas à corrida espacial e combateu vilões com o poder da mídia, quase sempre traduzindo em seus filmes a época na qual a história se passava. A própria reinvenção do personagem, realizada por Martin Campbell e Daniel Craig no excelente 007 - Cassino Royale (Casino Royale, 2006), é um exemplo disso, apresentando às plateias o Bond do século XXI, cria das aventuras de Jason Bourne: saía o super-herói invencível, quase sobre-humano, para entrar um agente real, falível, com defeitos e virtudes críveis.

Em 007 – Operação Skyfall (Skyfall, 2012), no entanto, o diretor Sam Mendes e os roteiristas John Logan, Neal Purvis e Robert Wade acrescentam algo novo à série. Dessa vez, James Bond não é apenas um reflexo de seu tempo, mas também uma vítima dele. Sim, o terceiro filme do agente estrelado por Daniel Craig ousa colocar Bond como um veterano que insiste em permanecer em atividade, mesmo que canse e sofra com a idade já avançada para a tarefa que desempenha. Talvez pela primeira vez em toda a franquia, Bond é visto passando por testes dentro do MI6, precisando provar a sua aptidão. Da mesma forma, Mendes encena um plano com o simples propósito de exibir a exaustão do agente após se exercitar nadando em uma piscina, sem contar as constantes conversas dos personagens sobre “o tempo ser implacável” ou o fato de a atividade de 007 ser “coisa para jovens”.

Com isso, James Bond se afasta de uma vez por todas daquela caricatura que havia se transformado nas últimas produções antes de Daniel Craig (na verdade, uma caricatura que sempre foi), surgindo como um homem de carne e osso. Em 007 – Operação Skyfall, ele é um agente extremamente competente, sim, mas o é por ser bem treinado e extremamente focado no que faz, não por simplesmente ser James Bond. Mais do que isso, o personagem é falível e, principalmente, parece vulnerável: por mais que a plateia saiba que o agente irá sobreviver, Mendes e Craig conseguem transmitir a sensação de que ele realmente está em perigo e de que, apenas talvez, algo pode acontecer a Bond. O clímax situado em uma mansão na Escócia é onde esse sentimento se torna mais claro: ali, os realizadores passam a impressão de que qualquer um dos personagens pode não sair vivo.

Assim, 007 – Operação Skyfall também ganha algo que a série pouco teve em seus 50 anos de existência: tensão. Por ter sido tratado, na maioria das vezes, como uma caricatura, sempre foi difícil sentir o protagonista realmente em perigo, ainda que tenha sido divertido assistir a suas peripécias. Aqui, ao contrário, há momentos em que Bond parece realmente em problemas, e a plateia sente tal vulnerabilidade, fazendo o filme crescer em nervosismo. Além do trabalho do roteiro na construção do personagem, pesa para isso também o excelente – e por que não surpreendente? – trabalho de Sam Mendes na direção das cenas de ação: acostumado a filmes menos movimentados, o cineasta se sai muito acima da grande maioria dos diretores do gênero, orquestrando bem a mise en scène e evitando o excesso de cortes que prejudica a apreciação do que está acontecendo. Mendes, na realidade, parece se inspirar bastante no estilo de Martin Campbell em 007 – Cassino Royale, apostando em planos aéreos com a utilização de dublês e evitando no que pode o CGI, o que traz verossimilhança às cenas – e os longos planos, como a bela luta vista apenas através de silhuetas, apenas contribuem para isso.

Talvez não seja exagero algum afirmar que 007 – Operação Skyfall é o filme que mais desenvolve o personagem em toda a história da série. Além de tornar Bond humano e crível através dos elementos já citados, dando continuidade ao que Martin Campbell fez em 007 – Cassino Royale, a produção joga o protagonista em um verdadeiro mergulho rumo ao seu passado. Todo o terceiro ato do filme apresenta um inédito background de Bond, com detalhes sobre de onde veio, traumas de sua infância e até mesmo os nomes de seus pais. Mais do que mera curiosidade, estas informações funcionam de forma a compor o agente como uma pessoa de verdade, garantindo a identificação do público.

O que também contribui para isso é o desenvolvimento da relação entre o agente e M – nesse sentido, Mendes dá sequência ao melhor elemento do irregular 007 - Quantum of Solace (Quantum of Solace, 2008), que estabeleceu quase um relacionamento de mãe e filho entre os dois. Aqui, não apenas M cresce como personagem (e parte para a ação!), como também se firma de vez como uma espécie de protetora ou guardiã de Bond. Interpretada por Judi Dench, a superior do agente mais famoso do mundo surge como uma profissional extremamente dedicada e até severa, mas capaz de defender com unhas e dentes aqueles sob o seu comando. Além disso, o surgimento de um homem que faz parte do seu passado também traz um conflito interno à personagem, que, assim como Bond, também ganha novas camadas, deixando de ser apenas a carrancuda diretora do MI6.

Porém, ao mesmo tempo em que busca esse realismo na construção das cenas e dos personagens, Mendes jamais perde a essência de seu icônico protagonista. Seu James Bond ainda é o mesmo da última meia década, apenas mais evoluído. Pequenos detalhes, como arrumar a abotoadura de seu terno enquanto um trem desaba atrás de si ou o fato de ter uma resposta sempre na ponta da língua para as mulheres deixam claro que este é um filme de 007, e não apenas de um novo Bourne. Como se não bastasse, até mesmo a eficiência do personagem não é algo que o espectador precisa apenas aceitar de antemão, mas é apresentada: Bond, por exemplo, é um agente capaz de preferir ficar com estilhaços de bala de seu corpo para não perder provas.

Da mesma forma, o bom humor da série também se faz presente em 007 – Operação Skyfall. Logan, Purvis e Wade constroem ótimos diálogos, que funcionam tanto no sentido de entreter quanto no de contribuir para o desenvolvimento dos personagens. É o caso, por exemplo, da conversa entre Bond e Q em um museu: repleto de tiradas inspiradas e divertidas (“Vejo a porra de um navio gigante”), o diálogo também ajuda a trazer à tona o fato de que o agente já deixou seu melhor tempo para trás, ao mesmo tempo em que ainda estabelece a produção como uma cria do século XXI através de uma simples pergunta, quando Bond questiona a simplicidade da arma e do rádio que recebe de Q: “O que esperava, uma caneta explosiva?”.

Mas é o tempo, sem sombra de dúvida, o grande tema de 007 – Operação Skyfall.  Todos os personagens precisam, de certa forma, acertar contas com o seu passado: Bond acaba retornando às suas raízes para encontrar em si a força necessária, M deve lidar com a culpa e o remorso de ter abandonado um agente no passado e o vilão Silva está em busca de vingança. Cada um tem seus próprios demônios para superar. Enquanto isso, Mendes também brinca com o passado da própria série, criando uma homenagem divertida aos primórdios de Bond ao colocar o personagem em um carro que poderia muito bem ter saído de um dos filmes estrelados por Sean Connery – e o fato de esta cena trazer os acordes do tema clássico do personagem pela única vez na produção certamente colocará um sorriso nos lábios dos fãs.

Pela terceira vez assumindo o papel, Daniel Craig talvez tenha realize aqui o seu melhor trabalho como James Bond. Beneficiado pelo roteiro, o ator tem a possibilidade de se expor um pouco mais, buscando as fraquezas do personagem tanto na própria interpretação como através de pequenas escolhas, como deixar a barba crescer para passar a ideia de que ele realmente pode estar velho demais para as missões. Por outro lado, Craig jamais deixa de convencer no papel de um agente extremamente eficaz, exibindo novamente um estilo bruto que combina bem com o “novo” James Bond. Enquanto isso, a série volta a ter um antagonista à altura após o fraquíssimo bandido de Mathieu Amalric em 007 – Quantum of Solace. O Silva de Javier Bardem é um personagem mais complexo do que parece, com sentimentos conflituosos em relação ao seu próprio objetivo (ele é capaz de amar e odiar M ao mesmo tempo) e ainda tem alguns excelentes momentos, nos quais o oscarizado ator espanhol se delicia, como é o caso da cena na prisão a la Hannibal Lecter e, principalmente, em sua primeira aparição, na qual Mendes apresenta Silva através de um longo plano com um monólogo tarantinesco – e apresentar o vilão com uma conotação homossexual é mais uma forma do filme se distanciar das produções antigas, além de demonstrar uma boa dose de coragem por parte de Mendes.

Coragem, aliás, que o cineasta exibe também na própria construção de sua narrativa. Durante boa parte de suas quase duas horas e meia de duração, 007 – Operação Skyfall não traz qualquer sequência de ação, optando por desenvolver a história e os personagens. É algo arriscado para a série, especialmente em se tratando de uma produção voltada às multidões, mas que acaba por ser extremamente benéfica, tirando a obra da superficialidade e dando de oportunidade para Mendes construir alguns significados que podem passar despercebidos, como a rima entre o mergulho de Bond no lago congelado e o início (ressurreição, purificação) e fato de um personagem importante morrer exatamente no lugar onde os pais do protagonista foram enterrados. Até mesmo o clichê da lista dos agentes não incomoda, uma vez que serve apenas como uma espécie de MacGuffin para dar início a uma trama com mais camadas do que o esperado.

Trazendo ainda uma sensacional sequência de créditos iniciais e locações inspiradíssimas, 007 – Operação Skyfall pode não ser o melhor filme da série, mas é forte candidato ao posto. Mais importante do que isso, talvez, seja o fato de que se trata realmente de uma evolução para a franquia, um filme capaz de dar um passo à frente, construído sobre tudo aquilo que veio antes, porém ciente de que os tempos mudaram e que aquilo que dava certo hoje talvez não funcione. E isso já é o bastante para criar expectativa em relação à frase: “James Bond voltará”.

Comentários (13)

Fernanda B | sexta-feira, 09 de Novembro de 2012 - 14:13

Gostei bastante do seu texto. Concordo com você, achei o filme e os personagens muito envolventes e dentre os 007s que eu já vi, talvez tenha sido o melhor. Gosto muito de Goldfinger também.

Alexandre Marcello de Figueiredo | terça-feira, 13 de Novembro de 2012 - 19:49

A melhor coisa que fizeram com James Bond, desde Casino Royale, foi deixá-lo mais vulnerável, mais verossímel. Gostei do filme, do vilão interpretado pelo Javier Bardem que é um ótimo ator, sou fã da série.

Vinícius Oliveira | segunda-feira, 22 de Abril de 2013 - 02:45

A espetacular atuação em "Onde os Fracos não tem vez" já foi um sinal de que BARDEM, cedo ou tarde, iria demonstrar todo seu talento em um filme de grande apelo, como são os da série 007, e ele não desapontou, tal como Heath Ledger roubou a cena em O Cavaleiro das Trevas com um Coringa lendário, ele por vezes destronou Daniel Craig do papel de protagonista. Um filme expressivo, sem dúvida alguma, o melhor da recente. trilogia e um dos melhores de toda franquia. Sam Mendes que já mostrara ser ótimo com narrativas quanto ao desenvolvimento de seus personagens, vide o premiado "Beleza Americana", conduziu de forma primorosa esta obra. Um 007 mais crível, mais intenso, mais realístico, tem sido assim desde que Craig assumiu o posto, e sem nenhum demérito a Pierce Brosnan, já estava cansado de seus filmes, sempre iguais, e o novo rumo adotado para a franquia me parece acertadíssimo!!!

Yuri Mariano | sexta-feira, 11 de Outubro de 2013 - 14:16

Este foi um dos melhores 007 de todos os tempos.

Faça login para comentar.