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Críticas

Cineplayers

Dramatizando as ironias da vida.

7,0

Deixando um pouco de lado as inevitáveis discussões sobre o câncer e suas implicações, é possível enxergar na sua junção de ideias que 50% (50/50, 2011) segue o mesmo estilo desenvolvido por Judd Apatow de fazer comédias atualmente, com um humor relativamente grosseiro e referencial, mas sempre escondendo um âmago doce em cada gag exposta, e uma questão profunda no que diz respeito aos dramas particulares ou mesmo aos eventuais embaraços aos quais seus personagens são submetidos. Claro que aqui as taxas dessas chamadas atitudes desmedidas são bem menos alarmantes se comparadas as de outros títulos, visto a serenidade com que propõe-se este interessante ponto de vista sobre coisas aparentemente prosaicas da vida e, dadas as circunstâncias, a iminência da morte para o homem.
 
Lidar com a finitude é o grande embaraço desses personagens, o modo quase sempre desajeitado como interagem com a novidade da doença dentro daquele cenário sólido faz nascer a comicidade da narrativa, abordando temas que, no cinema, rejeitam qualquer histeria ou melodrama deliberado. Se não houvesse o mínimo de entrega de seus atores e do próprio diretor, o argumento que se mostrava efetivo no papel estaria fadado ao fracasso, tendo em mente a carga melancólica que já possui um assunto dessa magnitude. Jonathan Levine acerta em adotar outra das características de Apatow, deixando por conta do improviso dos intérpretes os momentos de mais pura descontração em cena, que causam um agradável conforto ao espectador. E mesmo prezando pela naturalidade de sua trama, o cineasta nunca se permite, é óbvio, perder a piada sempre que surge a oportunidade.

50% não é um filme que visa quebrar regras e padrões dentro da própria comédia, tampouco restaurar a perspectiva que o gênero (cabendo o drama nessa definição) tem sobre o câncer propriamente. Ele só está lá para contar sua história, e, eventualmente, mostrar uma ótica diferenciada sobre a convivência social e afetiva de uma pessoa doente – sem muitos daqueles dispositivos usados em filmes semelhantes. Basicamente, tudo é um imenso abismo dramático revestido nos moldes da comédia americana contemporânea, se valendo inclusive da influência da amizade sobre as etapas da doença, que vão desde sua descoberta ao doloroso tratamento, passando, claro, pela esperança, acima de tudo. Para tanto, dois caras que transbordam carisma na tela são responsáveis por personificar esse elo entre Adam e seu fiel camarada Kyle; o simpático Joseph Gordon-Levitt e Seth Rogen, constante nos trabalhos de Apatow (uma espécie de ogro de bom coração), constroem juntos um panorama das barras enfrentadas e dividas por ambos, assim como de seus momentos de maior harmonia.

Dentre suas opções narrativas mais curiosas, talvez a brincadeira com os clichês seja a mais interessante, uma vez que é de propriedade do diretor encaixar sua ficção em nossa realidade, tornando figuras como Adam, seus amigos e sua família, facilmente identificáveis à ótica de qualquer público. Levine dialoga com as ironias do cotidiano, com situações que estamos propensos a enfrentar, sem para isso flertar com o extraordinário, ou algo que escape do mais próximo que seja desse lado de cá da tela. Não há firulas que possam transformar aquela situação em algo mais genérico ou menos crível. E, junto dessa verossimilhança construída pelo texto, estão os desempenhos sempre eficientes de todo o elenco, que jamais perde o tom adequado de seus personagens: de Rachael (Bryce Dallas Howard) e suas fracassadas buscas pela compreensão de todo aquele episódio até as alternativas de Katherine (Anna Kendrick) para criar um vínculo maior com seu paciente.  

Na composição de seres tão comuns e tão equivalentemente complexos, temos Anjelica Huston roubando a cena com aquele que é provavelmente o personagem mais profundo de 50%. A atriz rompe os estereótipos que poderiam ser empregados à condição de mãe superprotetora para dar espaço a uma forte teia dramática, que tange tanto suas atitudes perante o filho diagnosticado com câncer quanto o marido que há anos sofre com o Mal de Alzheimer. Sua comovente preocupação em ligar para o jovem simplesmente para perguntá-lo sobre seu jantar ou mesmo para oferecer suporte onde e quando ele necessitar, tal como seus cuidados amorosos com o esposo, jamais esquecendo-se de lhe dar os medicamentos na hora correta ou de demonstrar-lhe carinho ainda que a memória dele não garanta estabilidade. É com sua presença em cena que o filme desenvolve seus melhores momentos – como a emocionante cena em que transmite seus votos de fé para Adam, abraçando-o quando este já não tem mais certeza se sairá dali com vida.

Tudo que circunda 50% mais tem a ver com a vida que a morte, com os sentimentos das pessoas queridas suplantando os maus momentos. E mesmo que alguns esforços em cena pareçam não surtir metade do efeito esperado (a exemplo do catártico momento no carro ou do desfecho propriamente dito), Levine atinge com precisão suas singelas ambições de fazer rir e comover a plateia, dentro da transmissão da mensagem e de uma reflexão. Em meio ao conhecido discurso sobre dificuldades enfrentadas por um portador da doença, existe algo de muito mais simples e substancial na estrutura das ideias do filme, onde sob possíveis artifícios melodramáticos na abordagem do câncer, há unicamente a sinceridade da história de um cara que, por mais piegas que pareça, passou a sorrir mesmo quando sua vida parecia lhe dar as costas.

Comentários (8)

Vinícius Aranha | quinta-feira, 09 de Fevereiro de 2012 - 16:04

Seth Rogen é um dos caras mais divertidos dessa geração cinematográfica. Pode ser limitado como ator de personagem, mas é perfeito como ator de próprio caráter e seu carisma é incrível. A melhor coisa de Besouro Verde, pode crer.

Victor Tanaka | domingo, 12 de Fevereiro de 2012 - 16:54

Seth Rogen é demais.

Wendell Marcel | quarta-feira, 02 de Maio de 2012 - 23:49

Agradeço pela crítica Junior Souza. No decorrer, nao deixei de notar seu tom sombrio e acudido, tão fácil e inevitável como a própria história do filme.
O que normalmente ocorre em um filme de história onde o personagem principal tem uma doença terminal é que nada deixa a desejar em seu princípio, meio e fim. Assim, em 50% tudo é bem feito, sustentado e colabora no que uma boa trama de humor negro deseja passar ao espectador, que é emoção e identificação.

Rodrigo Giulianno | sábado, 26 de Maio de 2012 - 22:25

Junior Souza é um dos melhores críticos do Cineplayers.
Com certeza é o mais sóbrio e com grande argumentação!

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