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Críticas

Cineplayers

Um divertido noir que traz um Bogart canastrão como nunca e uma história cheia de reviravoltas.

7,0

O cinema noir ainda encanta gerações de cinéfilos amantes da arte. Mas ele, enquanto existia, não mudava. O roteiro de seus filmes, seus personagens e suas situações são praticamente as mesmas desde que O Falcão Maltês deu as caras e inaugurou o estilo narrativo e visual. À Beira do Abismo chegou apenas cinco anos depois de Falcão, com o mesmo protagonista: o sempre canastrão Humphrey Bogart. A fêmea da história (praticamente todo noir tem uma femme fatale, embora esta aqui não seja descaradamente fatal) é interpretada por Lauren Bacall (pode ser vista em Dogville, Reencarnação e futuramente em Manderlay) e também traz todas as características que uma personagem de seu gênero deve possuir.

Possuidor de uma história nem sempre muito clara, na verdade ela não é um dos elementos mais importantes do filme. Há um monte de reviravoltas, mocinhos que viram bandidos e vice-versa. Trata-se de uma história de detetives razoavelmente inspirada e em nenhum momento original. Mas como é divertida! Bogart, como já comentei, é um canastrão. Durante todo o filme devem passar, em sua mão, mais de uma dezena de pistolas diferentes. Isso sem contar a quantidade de vezes que vê uma pistola apontada para ele mesmo. Todo o filme parece uma grande peça de teatro, sem grande preocupação com o realismo das cenas - tudo tem uma aparência visivelmente frágil, quase cômica. As situações físicas são mal dirigidas e ensaiadas. Não é culpa de Howard Hawks em sua maioria, é uma característica normal do noir (Falcão Maltês já a possuía).

O filme todo passa-se à noite (outra característica obrigatória do noir), com o detetive investigando inúmeras pessoas e visitando vários locais para avançar no caso. Esse tipo de cinema não seria aceito de forma alguma nos dias atuais. A velocidade da narrativa também poderia assustar ao público. Claro que Hawks já havia dirigido filmes cuja característica mais marcarte eram os diálogos rápidos e ferozes - Levada da Breca, Jejum de Amor - e isso repete-se aqui. As explicações dos acontecimentos vão passando de boca em boca e é necessário atenção redobrada para não perder um diálogo. Felizmente, como eu já havia comentado, a história é apenas um aspecto secundário. O filme todo pode ser apreciado como uma sequência de cenas independentes, cada uma apresentando um novo diálogo canastrão por parte de Bogart ou algum diálogo ridiculamente artificial por parte de qualquer bandido. De fato, como isso é divertido!

Os diálogos são geniais! Não no sentido artístico, obviamente, mas são irônicos, cafajestes, ousados e sensuais. A cena do primeiro encontro entre Marlowe (Bogart) e Vivian (Bacall) é um exemplo de construção de diálogos muito interessante. O esperto mas desleixado detetive trocando ironias deliciosas com a mimada filha do milionário que o contratou promove uma das inúmeras boas cenas do filme. Tecnicamente destaca-se a trilha sonora, que invoca mistério e adiciona uma dose razoável de suspense às cenas, sobressaindo-se, inclusive, às imagens, nas cenas mais tensas. A fotografia do filme sempre bem escura não faz deixar de aparentar os visuais artificiais das cenas em estúdio, proporcionando um efeito que torna o filme ainda mais teatral do que já tinha citado anteriormente.

Em nenhum momento À Beira do Abismo configura-se como uma obra-prima. Hoje é reconhecido por inúmeros críticos e está presente em muitas listas como um dos grandes filmes de Hollywood da década de 1940. No final das contas, é apenas um bom filme de detetive, que não possui a mesma força do noir original, O Falcão Maltês e muito menos o de alguns exemplares do gênero mais sérios e profundos, como O Terceiro Homem. Em contraponto, seria injusto para com a obra de Hawks afirmar que ela possui algum elemento digno de se destacar negativamente. Recomendo o filme não como um ponto de entrada para espectadores que busquem conhecer o estilo noir (esta recomendação iria provavelmente para Crepúsculo dos Deuses, considerado um noir mas não aprofundando suas técnicas - além de ser, aquele sim, um dos grandes filmes que Hollywood já lançou). Recomendo, então, para os bons cinéfilos que queiram aprofundar-se no estilo.

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