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Críticas

Cineplayers

Documentário que propunha apresentar o encontro de três gerações de guitarristas prende-se demais ao formato tradicional de biografia de estrelas.

5,0

Jimmy Page, The Edge e Jack White, juntos em um documentário. Respectivamente, os guitarristas do Led Zeppelin, do U2 e da dupla The White Stripes. Todos eles estrelas da música, grandes guitarristas, referências na evolução do rock, mas não só somente: emblemáticos cada um ao seu modo, conseguiram construir uma personalidade característica e absolutamente única como instrumentistas, mesmo estando totalmente inseridos no universo pop com suas bandas. E, por tais personalidades tão marcantes, e por cada um ser representante legítimo da sonoridade de sua época, era de se supor algum choque, alguma reação química contagiante, uma forma de debate referente à guitarra e às diferentes visões diante da música. Um encontro que rendesse um derivado musical interessante (já que a ideia é que tocassem juntos), tivesse alguma finalidade, apresentar um razão para a existência deste documentário, alguma conclusão relevante sobre a relação do homem com a guitarra, que fosse.

O que acontece em À Todo Volume é o registro de um encontro amistoso e um tanto artificial entre esses três grandes guitarristas, em um galpão repleto de guitarras e amplificadores. As primeiras imagens do filme mostram depoimentos dos guitarristas em seus carros seguindo a caminho do encontro, cada um tenso e ansioso a sua maneira, o que leva a crer que a junção dos três será o grande mote do filme, o cerne de sua força narrativa. Mas acontece justamente o contrário: o encontro em si é relegado a um segundo plano na edição, e o filme todo acaba dando ênfase às biografias e depoimentos particulares de cada um, em imagens de arquivo e registros gravados separadamente, onde cada um conta a sua história. Tudo isso em um formato de documentário absolutamente arcaico, antiquado, seguindo o estilo de biografia transmitida em canais de TV à cabo como A&E Mundo e E! Entertainment.  Deixa de ser cinema. Ao invés de termos o encontro como grande atração do filme, este parece secundário, insosso, intercalado sem muita graça as sequencias que contam as histórias pessoais de cada um, tronando o documentário sem foco.

Os depoimentos são excessivamente auto-centrados, onde parece que cada guitarrista esqueceu da proposta do filme e tratou de contar a sua história de vida de forma tendenciosa e romantizada, fazer o seu próprio Beatles Anthology dentro de  À Todo Volume. Nesse sentido, as biografias acabam se sobrepondo ao argumento e deturpando o que era para ser um documentário voltado à guitarra. No entanto, é evidente que era necessário abordar as biografias dos músicos, até para estabelecer a relação entre guitarra e guitarrista, e como a vida de cada um influenciou no modo como executam seus instrumentos. Mas foi algo definitivamente mal dosado na edição.

Durante o encontro, cada um toca pequenos trechos de suas músicas e riffs de guitarra uns para os outros, ensinando como tocar a sua canção. Uma situação absolutamente armada e inverossímil. O que peca por ser nítido que não há uma grande interação nem cumplicidade entre os músicos, todos parecem estar na defensiva, desconfortáveis quando em grupo, um tanto acanhados para se expor. Quando era de se esperar que fluísse alguma ideia musical, ou alguma discussão acalorada, uma conversa natural, mesmo que fosse para divergir sobre algum tema, ou compartilhar alguma paixão em comum, nada disso acontece. Todos parecem seguir um rígido e completamente pálido script, onde papo nenhum e tema algum parece fluir. Porém há momentos de extrema graça na união dos três. É engraçado perceber como Jack White e The Edge abrem um sorriso moleque quando veem o veterano Jimmy Page executando o riff de "Whole Lotta Love", primeira faixa do disco seminal Led Zeppelin II, de 1968, onde o semblante deles indica: estamos presenciando a execução de um dos riffs do rock mais importantes da história pelo seu próprio autor, aqui e agora.

Se poderia haver alguma reflexão sobre a guitarra ou discussão mais a fundo sobre o tema, algo que vá além de comentários de roqueiro do tipo “guitarras tem cheiro de mulher” (Jimmy Page) ou então “de onde eu vim era vergonhoso tocar um instrumento” (Jack White), esta acontece na oposição entre os depoimentos particulares de cada um quando não presentes no encontro, mas naquelas biografias que preenchem inadequadamente o filme. Em dado momento, The Edge, de longe o mais egocêntrico e pretensioso, fala em seu estúdio sobre toda a sua fissura por pedais e racks de efeitos, em seu som processado até a exaustão com delays e reverbs. Logo em seguida, temos Jack White, em seu carro, comentando como ele odeia tecnologia, e como ele acredita que foi justamente ela que matou toda a criatividade nas artes e na música, destituindo-a de sua essência. Ao invés de sugerir o debate somente por meio da oposição na edição, este era um tema para ter sido debatido quando eles estavam juntos no encontro, não? Jack White talvez seja a maior personalidade do rock dos anos 2000, que com a dupla The White Stripes promoveu o culto à estética retro, ao vintage, a sonoridade do rock básico e cru, sendo um dos grandes nomes do indie e do rock alternativo que dominou a década.

Em outro momento sozinho, The Edge reclama que, quando viu o filme Spinal Tap, um falso documentário sobre uma banda de rock fictícia, que na verdade é uma comédia sobre os excessos do mundo do rock, o guitarrista do U2 diz que chorou ao invés de rir, por ser tão próximo da verdade. Pois bem, Spinal Tap, de 1984, é um filme que faz piada da grandiosidade e pretensão das bandas de rock a partir de um determinado estágio na carreira, algo que o U2 exemplifica hoje de certa forma. The Edge reclama do virtuosismo de guitarristas quando iniciou sua banda, dos exageros em solos de guitarra, de sua total repulsa por rockstars e guitar heroes que desdenhavam de seus fãs, louvando o surgimento do Punk. Convém lembrar que o Punk, ao menos musicalmente, surgiu em oposição justamente a bandas como Pink Floyd e o Led Zeppelin de Jimmy Page, este mesmo sujeito que com ele divide este filme, e por quem durante o encontro  demonstra grande admiração – não por acaso, o guitarrista do Spinal Tap faz piada ao tocar a guitarra com arco de violino, a marca registrada de Page.

As virtudes de À Todo Volume devem-se pelo bom gosto na escolha dos guitarristas, e principalmente pelas performances dos músicos empunhando suas guitarras, de fato maravilhosas. Apesar de toda a deformidade e da falta de coesão enquanto um filme de documentário, há esparsos momentos gloriosos: a cena onde Jimmy Page coloca, emocionado, o compacto de vinil do hit "Rumble", de Link Wray, para ouvir é fantástica (historicamente, esta gravação de 1958 é conhecida como a primeira com o uso de distorção na guitarra). Apesar das falhas, felizmente não temos em À Todo Volume a afetação virtuosística de um projeto como G3, os shows que viraram DVD's musicais que uniam guitarristas como Steve Vai, Yngwie Malsmteen e Joe Satriani, até porque o objetivo aqui e o público são completamente outros. Mas o resultado de uma forma geral é aquém do esperado, poderia resultar em algo lendário. De qualquer maneira, vale a pena conferir, principalmente sendo fã de alguma das bandas dos três, ou mesmo para guitarristas em geral.

No final do filme, os três resolvem executar juntos a música “The Weight”, da banda The Band. O motivo? Provavelmente por sugestão dos realizadores. The Band é uma banda de Country Rock muito importante no cenário musical dos anos 70, mas de jeito nenhum uma influência notável em comum para os três. A razão pela qual a música foi escolhida, suponho, foi para estabelecer um link, um elo com o que é conhecido como o melhor filme sobre rock já feito, o "The Last Waltz - O Último Concerto de Rock", com e sobre a The Band, dirigido por ninguém menos que Martin Scorsese. Dessa forma, emulando o momento catártico de um filme já consagrado no gênero, esperava-se uma legitimação, um modo de inserir À Todo Volume na história dos filmes sobre rock, conferindo algum atestado de autenticidade. Pelo contrário: todo o brilho dos três é arranhado pela péssima e horrorosa execução da música - Jimmy Page até tem que se desculpar por não cantar bem. Situação que exemplifica todo o filme: três grandes talentos desperdiçados por maus realizadores de cinema.

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