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Críticas

Cineplayers

Não é um clássico absoluto: seu tema é ultrapassado e possui algumas grandes falhas, mas os diálogos fazem valer.

6,0

Há filmes que marcam época, mas nem por isso resistem à prova máxima que um clássico que quer ser indiscutível deve passar: o teste do tempo. Hoje em dia (assim como em qualquer época do Cinema) há clássicos contemporâneos, que não o serão mais em 10, 20 anos. Considero que Adivinhe Quem Vem para Jantar seja um desses filmes: hoje em dia relações inter-raciais já são mais que convencionais, e qualquer pessoa que se sentir chocada com algo assim deveria ser internada em uma instituição para doentes mentais.

Partindo dessa observação, é interessante considerar o filme sob dois pontos de vista: como público de 1967 ou como público atual. Por motivos óbvios, não estarei apto a julgar o primeiro caso, embora seja afirmativo que o filme deu o que falar à época. Montado quase que totalmente em cima de bons diálogos, ele funciona quase como uma peça de teatro (e, surpreendentemente, ele NÃO é uma adaptação de uma peça de teatro). E realmente o que segura o interesse são, principalmente, três coisas: Spencer Tracy, Hepburn e os diálogos. Ainda que sejam sobre um tema ultrapassado, estes são ágeis, interessantes e muito bem construídos. Quando, perto do final do filme, os pais do noivo chegam à casa, eles ganham uma dimensão ainda maior, e o roteiro consegue não se perder com tantas conversas e discussões paralelas.

Os pais da noiva formaram uma dupla que ficou marcada muito tempo para os amantes do cinema. Com um entrosamento muito forte, fica visível a amizade de ambos dentro e fora das telas, o comprometimento de Tracy para com Hepburn e vice-versa. Sidney Poitier empresta seu charme de sempre, com fineza e sempre de forma marcante em cena. Não é necessariamente um destaque (ainda que seu papel seja chave): esse seu papel tem mais fama do que qualidades reais - no fim das contas, é somente um jovem assustado pedindo a mão da filha em casamento.

O filme, além de estar obviamente datado, possui dois outros elementos bem negativos: Katharine Houghton como a noiva Joanna promoveu uma interpretação altamente ruim: sua personagem é limitada, burra como uma porta, inocente demais e irritante. A moça apaixonada vive num mundo à parte, e os trejeitos que a atriz criou para ela não a ajudaram a tecer força e ficar à altura do restante do elenco. Não por coincidência (e isso não falo por maldade) que a carreira da atriz nunca foi para frente, e ela acabou participando apenas de poucos papéis mais daí para frente.

O segundo elemento negativo – e em minha opinião o mais grave – é a hipocrisia do roteiro. À princípio fica fácil dizer que ele foi “corajoso para seu tempo”. Um negro casando com uma moça branca de nível? Sim, mas para “compensar”, o negro em questão é rico, bem educado e tem um emprego dos sonhos. Oras, vejam se não foi uma solução fácil para contrabalancear a cor da pele. Não haveria sequer discussão entre os pais de Joanna se fosse diferente, se fosse uma pessoa com um emprego ordinário. Ainda que ambos se considerassem liberais, ficou bem claro que um dos principais motivadores para a possibilidade de aceitação de John na família foi seu status.

O filme tem algumas curiosidades tristes: o ator Spencer Tracy morreu aproximadamente duas semanas após o término das filmagens, e por esse motivo Katharine Hepburn jamais conseguiu terminar de assistir ao filme. O ator estava muito mal durante as filmagens, tanto que havia dois roteiros: um com ele e outro sem ele. Sendo assim, este filme ficou como último legado desse ator que teve mais de 50 filmes na carreira. Pode não ser um clássico absoluto e imortal, mas sua atuação não o desprestigiou: ao lado de Hepburn, ele foi o grande nome do filme.

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