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Críticas

Cineplayers

Juventude transviada

9,0

Água fria surgiu de uma proposta televisiva francesa para que alguns diretores do país fizessem obras em que uma festa fosse representada durante a narrativa. Essa pode ser uma interpretação para o fato de que a festa toma tanto tempo do filme de Olivier Assayas. Contudo, festas são em geral um momento em que paixões, alegrias e desejos estão em ponto de ebulição. E são nessas celebrações que os jovens podem desacorrentar todas as suas vontades. Seja para ouvir rock’n’roll em alturas elevadas, seja para ficarem chapados, seja para destruir os móveis de uma casa com a intenção de fazer uma enorme fogueira.

Esse sentido de ebulição festiva é o que move o casal de namorados Christine e Gilles. Não é apenas nos festejos em que eles querem experimentar a catarse, mas em todos os instantes de suas vidas. Obviamente, é impossível que todo momento da vida seja pontuado por apoteoses e, muitas vezes, esses jovens entram em problemas por sempre desejarem essa forma de arrebatamento. Água Fria é, então, uma grande homenagem à juventude da forma como ela é: cheia de intensidade e distantes de juízos de valor, aceitando que os erros e acertos fazem parte da vivência.

A primeira sequência já representa como Assayas deseja retratar Christine e Gilles. Os dois conversam sobre suas vidas, o que pretendem fazer e o que os aborrece enquanto caminham por uma loja de discos. Logo após essa conversa e com alguns discos escolhidos, eles saem correndo para tentar afanar as obras. Pode ser que os dois não tivessem dinheiro para comprá-las, mas roubar também carrega um certo desejo de transgredir as regras, atitude que, como fica claro posteriormente, faz parte da rotina dos adolescentes. Na verdade, todas as instituições burguesas são questionadas: família, escola, polícia. Todas são vistas como algemas para a vida realmente livre.

Todavia, não existe uma ideia real desses garotos sobre o que seria uma vida livre e nem como chegar a esse estado. Nesse sentido, Água Fria é um dos filmes que melhor capturam o espírito do rock’n’roll. Não necessariamente pela trilha sonora roqueira que permeia todo o filme, mas por uma grande vontade de captar o presente. O rock sempre se fundamentou por transmitir os desejos da juventude, desde o rockabilly da década de 1950, capitaneado por Elvis Presley, até o grunge formado na cidade de Seattle que teve o Nirvana como maior expoente, passando pela invasão inglesa de The Beatles e Rolling Stones até a atual Olivia Rodrigo. Fazer comentários sociais sobre o momento de agruras dos adolescentes é uma característica fundamental do gênero musical, e, por isso, o mesmo vai se modificando com as décadas, sempre se destacando como música para a juventude.

E, de fato, não há passado e futuro em Água Fria. Não se conhece nada sobre a infância de Gilles e Christine, por exemplo. Para eles, o amanhã é uma incógnita. Os dois são como pedras brutas de um universo em eterno estado de “buscar o agora”. A câmera intensa de Assayas amplia essa ideia ao se manifestar conforme os adolescentes enxergam o mundo. Durante a festa, por exemplo, quando a garota chega, a câmera flana pelo espaço como se buscasse conhecer todo aquele lugar. Porém, quando ela se mete em uma briga, a câmera fica turbulenta. São manifestações diferentes, mas com o mesmo objetivo de captar o presente.

A vontade de libertar-se a qualquer custo, gera a fuga como única opção e os dois não se acovardam diante da ideia. Entretanto, a felicidade ainda não é alcançada. O último plano do filme, quando Gilles abre uma folha em branco no meio da estrada indica que eles ainda não chegaram onde querem e nem se conseguirão chegar. As dores da adolescência são passageiras e se há uma certeza é a de que eles ainda estão no meio do caminho.

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