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Críticas

Cineplayers

Walter Salles chega a Hollywood com um bom drama psicológico - mas se você quiser terror irá se decepcionar.

7,0

Não há como negar: o terror japonês ganhou o mundo. A enxurrada começou com O Chamado, passando por O Grito e chegando a Dark Water – e, ao que parece, haverá ainda muitas refilmagens e muitos diretores e atores japoneses para fomentar o gênero. Dark Water, bem como Ringu (o filme que originou O Chamado), é um terror psicológico que tece um drama a partir da complicada relação familiar, explorando o relacionamento mãe-filha. Nele, o diretor Hideo Nakata deixa o drama em segundo plano para criar uma atmosfera assustadora, que prende o espectador até o ápice da história, seu fim trágico. Já acostumado à direção de terrores psicológicos, Nakata não hesita em abusar das câmeras lentas para construir uma tensão que, na maior parte do tempo, não deixa de funcionar.

Água Negra, a refilmagem, repete alguns passos do original, mas muitas vezes desvia o suspense e encontra seu ponto forte na exploração do drama familiar. No filme, Dahlia Williams (Jennifer Connelly) luta pela custódia da filha (Ariel Gade), enquanto enfrenta um estressante processo de divórcio. As duas encontram um novo prédio onde morar, um bloco de apartamentos absolutamente decadente, numa região descuidada de uma cidade norte-americana. A situação se intensifica quando uma goteira surge no apartamento de Dahlia e ela começa a ouvir passos que vêm do andar de cima, há muito desocupado. Paralelamente, sua filha, Cecília, adota um amigo imaginário que se torna uma obsessão. 

Walter Salles é o diretor adequado para a refilmagem. Dono de uma sensibilidade inigualável e um talento imensurável para humanizar suas personagens, ainda que tímido ao conduzir as cenas de maior suspense, Walter Salles desenvolve o drama da película de um modo que Hideo Nakata não conseguiu. Sob a direção de Salles, Água Negra veste-se de drama psicológico – e não terror – para intensificar a fragilidade dos relacionamentos, o desespero de uma mulher que, ao contrário do que lhe fizera a mãe, não quer perder o amor da filha e para retratar uma sociedade solitária, composta por indivíduos que, na verdade, não interagem.

A belíssima Jennifer Connelly encarna com convicção uma mãe perturbada, atormentada pelo fantasma do divórcio e obsessivamente ligada à filha. Abandonada no passado pela própria mãe, ela teme abandonar a filha, e tenta sempre mostrar amor e carinho. Nessa obsessão, entretanto, ela tropeça nas próprias pernas, tornando-se uma mulher ansiosa e perturbada, mergulhada em agonia e desespero. Os momentos de exasperação são bem claros, e Connelly atua com profissionalismo e com cautela, para não cair na pieguice.

Água Negra repete os segredos de Dark Water no uso de cenários e cores. As câmeras filtram os cenários e realçam as cores pastéis, de modo que roupas e lugares passeiam entre o cinza e o bege. A reclusão das personagens está contida nas roupas sérias e padronizadas, e a morbidez dos cenários aparece através da chuva e da água que tudo invade.

O espectador que procura terror num filme que realça o drama irá certamente se decepcionar. Água Negra talvez seja um filme paradoxal, porque é sensível e incrivelmente humano sem deixar o suspense de lado. O espaço é disputado entre os elementos de terror, que apenas tentam assustar, e as personagens, que procuram aprofundar-se; estas, felizmente, saem vencedoras. Ao contrário do que acontece, a refilmagem acrescenta algo ao original: neste caso, um drama bem resolvido, belo e sensível. Sensível como apenas Walter Salles sabe ser.

Comentários (1)

Luiz F. Vila Nova | domingo, 11 de Outubro de 2015 - 13:13

Crítica perfeita. Fica claro que esta versão de Salles intensifica a o drama familiar do original, com personagens humanos inseridos num mundo decadente e solitário. A estonteante Jennifer Connelly esta fantástica e o elenco coadjuvante com nomes com John C. Reilly, Tim Roth e Pette Postlewaite não desaponta. A parte técnica é exemplar também. Desde a fotografia fantasmagórica em tons pastéis, da direção de arte claustrofóbica até a trilha sonora melancólica de Angelo Badalamentti. Não posso esquecer da direção sensível de Salles e seu talento em compor personagens críveis, além de orquestrar momentos de suspense e tensão com elegância. Um dos melhores remakes baseados no terror japônes, justamente por trazer uma nova perspectiva, mais sóbria e autoral, da versão original.

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