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Críticas

Cineplayers

Um filme no qual as apresentações secundárias são muito mais interessantes do que a atração principal.

6,0

Nada no currículo do diretor Francis Lawrence indicava que ele poderia se interessar pela realização de um filme como Água para Elefantes. Os dois longas-metragens em sua filmografia, as adaptações Constantine (idem, 2005) e Eu Sou a Lenda (I Am Legend, 2007), eram superproduções repletas de efeitos especiais e muita ação que, apesar de funcionarem como entretenimento, tinham o foco no espetáculo, e não na história ou personagens. Desta vez, porém, o desafio era outro: a jornada do jovem sem futuro que acaba indo parar no circo e se apaixona pela estrela do espetáculo exigia que Lawrence desenvolvesse outro lado de seus dotes como contador de histórias, com o objetivo de tornar verossímil o romance que carrega a obra e prender a atenção da plateia sem as pirotecnias visuais que caracterizaram seus esforços anteriores.

Pode-se dizer que o resultado foi apenas razoável. Água para Elefantes, mesmo com sua parcela de deslizes e longe de ser particularmente memorável, ainda é um filme competente, capaz de entreter em muito do que oferece. Escrito por Richard LaGravenese (roteirista com bons trabalhos em seu currículo) a partir do livro de Sara Gruen, a obra sofre de um grande problema: o verdadeiro núcleo da história jamais funciona. Água para Elefantes é, em essência, uma história de amor e, infelizmente, ela não somente é mal conduzida como Robert Pattinson e Reese Witherspoon também não conseguem convencer como um casal. Por outro lado, boa parte daquilo que gira em torno do romance entre Jacob e Marlena, desde a recriação de época aos personagens coadjuvantes, é bem realizado, fazendo com que as apresentações secundárias de Água para Elefantes se tornem muito mais interessantes do que a atração principal.

Na realidade, chega a ser surpreendente a forma com a qual um roteirista experiente como Richard LaGravenese, responsável pelos textos maduros de romances como As Pontes de Madison (The Bridges of Madison County, 1995) e O Encantador de Cavalos (The Horse Whisperer, 1998), desenvolve a aproximação entre os dois protagonistas. Ao invés daquele processo de conhecimento mútuo que gera o real sentimento – tanto neles quanto na plateia –, o que ocorre em Água para Elefantes é o típico artificialismo preguiçoso do cinema comercial norte-americano, com os personagens praticamente se apaixonando à primeira vista. Não há qualquer motivo para o encanto de um pelo outro, não há a construção gradual de um relacionamento e, com isso, o romance sempre soa forçado, como se fosse mais um mero artifício de roteiro do que algo originado por sentimentos reais.

Água para Elefantes sofre de um sério problema de casting. Em qualquer romance, a química entre os protagonistas é fundamental, o que está longe de ocorrer aqui. Robert Pattinson e Reese Witherspoon podem funcionar interpretando amigos, irmãos ou até mãe e filho (uma vez que ela é dez anos mais velha do que o galã adolescente), mas a união dos dois como um casal romântico é completamente insossa. Aquela “faísca” capaz de incendiar a tela e fazer com que o espectador torça para que um casal cinematográfico acabe junto simplesmente não existe. De quebra, os personagens são igualmente sem graça, desprovidos de personalidade e complexidade, o que torna tudo ainda mais enfadonho. Witherspoon está longe de seu melhor, com uma composição que nada lembra o carisma e a energia que demonstrou em outros trabalhos, como Johnny e June (Walk the Line, 2005), enquanto Pattinson novamente demonstra toda a sua inexpressividade ao não trazer qualquer característica marcante ao personagem. Na realidade, as únicas cenas nas quais Jacob realmente se torna interessante são aquelas que trazem o personagem já idoso – o veterano Hal Holbrook faz, em poucos minutos, aquilo que Pattinson é incapaz de fazer durante o filme inteiro.

Na realidade, os dois personagens realmente inspirados de Água para Elefantes não são os protagonistas, mas uma dupla de coadjuvantes. O primeiro deles é August, o dono do circo interpretado pelo oscarizado Christoph Waltz. Ora bondoso, ora malvado, ora apaixonado, mas sempre dissimulado, August é a única criação do roteiro que consegue chegar perto de algo como um personagem complexo e bem desenvolvido. Waltz abraça o papel com talento, entregando todas as suas falas com precisão cirúrgica – talvez até por ser uma criação semelhante à do coronel Hans Landa, que o consagrou em Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2009). Já o outro personagem de destaque no filme é nenhum outro senão a elefanta Rosie. Mesmo que surja apenas na metade da produção, a sua história gera muito mais emoção do que o romance entre os protagonistas e, sem exageros, o animal parece ser até mesmo um intérprete de talento: em uma das cenas, Lawrence dá um close em seu olhar e a sensação de sofrimento e dor que a câmera captura é infinitamente mais significativa do que qualquer expressão de Robert Pattinson.

Ao mesmo tempo em que os coadjuvantes se destacam, a recriação da época e do dia a dia do circo também são muito bem executadas. Na verdade, acompanhar o cotidiano de viagens dos artistas e as conseqüentes dificuldades provenientes dessa vida nômade torna-se um dos grandes acertos de Água para Elefante. Durante toda a projeção, fica a vontade de acelerar as cenas de romance entre Jacob e Marlena para chegar logo a momentos como o sacrifício de um animal em função de um machucado ou a forma de se alimentar os leões. É uma pena, portanto, que Lawrence mantenha este lado de sua trama sempre como um cenário de fundo e não como aspecto principal – seria muito mais interessante acompanhar o deslumbre do jovem em um mundo como aquele do que assistir a um romance bobo igual ao que já se viu milhões de vezes no cinema.

Com Água para Elefantes, Francis Lawrence demonstra novamente ser um diretor de razoável competência, mas sem qualquer visão original ou abordagem criativa para personagens e história. O cineasta merece aplausos, claro, por sair de sua zona de conforto e se arriscar em uma trama que exige mais de seu talento como narrador. E, mérito seu, mesmo com a série de percalços presentes na produção, o filme flui com naturalidade e jamais se torna cansativo para o espectador. É, claro, uma obra da qual ninguém mais lembrará dentro de poucos meses, porém, capaz de entreter durante suas duas horas de projeção e com algumas qualidades. Uma pena, no entanto, que estas não sejam as mais importantes.

Comentários (1)

Alexandre Barbosa da Silva | quarta-feira, 29 de Fevereiro de 2012 - 01:29

Acabei de assistir ao filme e concordo planamente com a crítica. Gosto bastante do trabalho de Francis Lawrence em seus longas. Principalmente no aspecto de criação de clima e ritmo. Constantine e Eu Sou a Lenda são filmes muito gostosos de se olhar.
Este Água Para Elefantes é muito água com açúcar no romance, mas muito bom como entretenimento. Mesmo com todas as falhas apontadas pelo Silvio na sua resenha, é bastante agradável.

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