O diretor Gustavo Galvão, do superlativo Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa (2013), apresenta aos poucos suas armas no seu novo filme, que saiu da Mostra BRB Brasília (a divisão local do Festival de Brasília) com dois prêmios, fotografia e montagem. Tudo se abre com uma banda na capital federal, seus integrantes, se não são adolescentes, ainda também não estão na idade da desilusão. Mas estão claramente desanimados, e os motivos se empilham na nossa frente: obrigados a fazer o que não querem, trabalhar no que não gostam, ainda dependendo de pais, os sonhos já não têm o sabor doce, mas uma amargura já começa a se acumular.
O filme se propõe a ser um retrato de uma fatia muito específica da sociedade em idade, classe social e etnia; qualquer um desses fatores mudasse, mudavam também as questões. Agrupam-se a esses fatores a logística onde se insere a trama, que compõe mais um dado sobre eles. Logo, Ainda Temos a Imensidão da Noite (2019) se torna, para o bem e para o mal, um filme que tem um alvo muito certeiro, sendo provável que cada característica diferente em cada espectador diminua seu interesse, por afastar nossa percepção do entorno.
O exercício da empatia transforma a sessão quase em aula de antropologia ao tentar entender cada atitude padrão naquele grupo, e o filme falha ao apontar seu foco para aquele grupo e desfazer o mesmo gradativamente, restando apenas a protagonista a ser seguida. E no auge da indecisão, nossa heroína abandona Brasília em direção à Berlim, para tentar encontrar no rock alemão o que ela já não vê mais na cena brasiliense; obviamente que ela vai também desenvolver afetos e tentar se observar a partir de outro recorte de mundo. Lá, ela vê que Brasília ficou pra trás mas também não saiu dela, se metaforizando em um estado de espírito exclusivo de quem conhece todas as curvas da cidade.
É quando é obrigada a voltar que o espectador percebe que a capital federal é mais do que o cenário de sua trama, mas seu personagem principal. Suas ruas são filmadas aleatoriamente, como se a cobrar posição. "Ei, eu estou aqui, essa sou eu", diz Brasília, antes de mostrar a verdade aos seus personagens-satélites. Galvão pinta sua protagonista como uma trituradora de sonhos, que já foi referência formativa e que hoje jaz melancólica e agonizante. Refém de um tempo que nunca chegou a ir além da promessa, a Brasília do filme é um retrato do próprio país como um todo, que não conseguiu ainda sobreviver às suas possibilidades não cumpridas.
Infelizmente muita coisa carece de organicidade em Ainda Temos a Imensidão da Noite, a começar pelo elenco. À exceção do brilhante Marat Descartes, todos ali são deficientes em maior ou menor grau, e quanto mais tempo de tela os atores têm, mais evidentes são suas deficiências. E se há necessidade de um ou outro diálogo sendo entregue com mais intensidade, nada sairá a contento; algumas cenas chegam a constranger, e o principal ator tem dificuldades muito fortes, comprometendo a fruição do todo. O cineasta faz o que pode ao tentar sujar a imagem, ampliando a participação da cidade como coração vivo das emoções da narrativa.
E como Brasília retribui ao filme esse protagonismo? Da forma acanhada típica da mesma, sem seduzir imageticamente e justificando toda a mágoa que é jogada na sua direção com uma postura retraída sempre. O lugar-personagem acaba entrando pra galeria de cenários que oprimem e justificam o pavor de seus tipos por eles, causando no espectador a mesma sensação de angústia que causou aos personagens que a habitam.
Crítica da cobertura do 52º Festival de Brasília
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário