Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um banho de sangue com sentido.

8,0

O Albergue tornou-se um daqueles filmes que consegue uma repercussão enorme mais por um elemento polêmico que por sua qualidade; um filme sobre o qual a maioria das pessoas (ou aquelas que se interessam por cinema) desenvolveu uma opinião, mesmo sem tê-lo visto. Aliás, muitos dos detratores sequer haviam assistido à produção, apenas traziam uma opinião formada por comentários e por matérias sobre O Albergue. Eu era um desses que tinha uma opinião (negativa) sobre o filme até pouco tempo atrás. E eis que, em um belo dia de chuva, resolvi dar uma oportunidade para saber o quanto o filme era realmente o lixo que havia sido pintado.

A história geral do filme (jovens americanos atrás de diversão – sexo e drogas – vão parar em um albergue na Eslováquia, onde são vítimas de lunáticos sádicos assassinos) já é de conhecimento de quase todos. O que importa dizer é que, ao contrário da maioria dos filmes do gênero, não há pressa nenhuma em trazer o horror ao público. Ao contrário, uma paciente construção dos personagens e – mais do que isso – do ambiente, consegue aumentar a credibilidade e tornar a situação um tanto mais crível. Assim, são evitados os clichês dos filmes de terror: “jovens se perdem na floresta”, “jovens vão parar em casa mal-assombrada no meio do nada”, “jovens resolvem passear pelo deserto” – e são sempre mortos um por um desde o início. Em O Albergue, a coisa é diferente. Passada mais de meia hora de projeção, não há indício algum de que se trate de filme de terror. Nesse sentido, lembra muito o clássico O Massacre da Serra Elétrica (o original, claro) – em que a aventura dos jovens era retratada com toda a calma durante quase a metade do longa. Assim, a parte inicial de O Albergue funciona bem, pois a narração é eficiente, os personagens são bons e a atenção do público é mantida.

Quando “começam a acontecer coisas estranhas”, O Albergue começa a se tornar ainda mais interessante. A tensão que vai surgindo aos poucos, chegando de mansinho, como quem não quer nada, começa a crescer tão devagar quanto chegara. Aos poucos, o personagem principal se vê em uma situação claustrofóbica, perdido em um ambiente desconhecido, sabendo que está em grande perigo (e o público, a essa altura, já sabe que o perigo é ainda maior).

Somente no ato final é que a coisa acontece. E acontece mesmo. Quando o “mocinho” é levado ao local (uma fábrica abandonada) onde reside o terror, a produção cresce em tensão e conteúdo ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, a solução do roteiro é ótima: em vez de ser um bando de sádicos malucos que matam e torturam por prazer, fica-se sabendo, apenas nesse ponto, que o lugar nada mais é que uma espécie de clube, onde os “sócios” e os “visitantes” (que pagam muito bem por isso) torturam e matam por prazer. O interessante é isso: não se trata de uma quadrilha de dementes, não é o Jason ou algum maníaco; nada disso, são pessoas normais, que levam uma vida normal, mas que têm esse divertimento, esse momento de dar vazão às suas perversões através de muita violência. O lugar nada mais é que um prostíbulo da morte. E, se um puteiro não choca mais ninguém nos dias atuais, ao contrário, é aceito e existe em qualquer cidade, não chega a ser absurdo pensar que um lugar como esse (que tem em comum o objetivo de dar vida às perversões) possa mesmo existir. Afinal, o gosto por sangue das pessoas é natural. Da mesma forma que quase todos param diante de acidentes de trânsito para ver com detalhes pessoas feridas ou mortas, da mesma forma que filmes com sangue em excesso são sucesso de bilheteria, é possível pensar que esse prazer mórbido que habita cada ser humano possa chegar aos níveis mais desvairados da insanidade. Será que é tão diferente assistir a um espetáculo grotesco de participar dele? Será que o nível de perversidade é tão diferente assim?

De qualquer forma, o filme encontra uma forma original para justificar o banho de sangue que vem a seguir. E, novamente ao contrário da tendência, ele não chega a ser gratuito: as cenas que se passam nesse “clube” servem para deixar o espectador no limite na resistência, pois se criou um grau de humanidade nos personagens e no ambiente que faz com que a identificação seja muito maior que nos demais filmes do gênero. O Albergue consegue criar momentos de terror absoluto. O mérito, aí, é da ótima direção de Eli Roth, que constrói o ato final com violência, fúria e tensão extrema. E, se parecia que o último dos mochileiros iria ter o mesmo fim dos amigos, uma surpreendente – e, mais uma vez, incrivelmente tensa – fuga acontece. Mas o ponto mais alto do filme só é alcançado depois que ele escapa do lugar. Trata-se da VINGANÇA – pois não se trata de uma vingança qualquer, mas A VINGANÇA. Nos momentos derradeiros da produção, ele consegue passar por cima (literalmente) de muitos que o colocaram naquela situação; e, na cena final, ele tem a oportunidade de dar fim ao seu grande algoz, um dos membros (e torturador assíduo) do clube. Nesse instante, tomado de furiosa raiva, ele não se satisfaz em matar o homem. Ele o tortura da mesma forma que havia sido torturado – e esse “da mesma forma” inclui “com o mesmo prazer”. É aí que O Albergue dá o maior salto e se torna veradeiramente assustador: o jovem, que até então ficava chocado com todas as atrocidades, ao matar o seu carrasco com as mesmas doses de sadismo que os torturadores e assassinos exibiam, torna-se exatamente o que eles são. Mas isso não é uma crítica moral: o importante é a idéia de que esse sadismo é inerente ao ser humano, está em todos nós pronto para ser despertado feito uma besta que descansa nas sombras. A maior vítima dos atos mais hediondos descobre esse prazer no fim das contas, permite que a besta se apodere dele. Da mesma forma que acontece com milhares e milhares de pessoas que têm imenso prazer com o banho de sangue de O Albergue.

Comentários (0)

Faça login para comentar.