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Críticas

Cineplayers

O melhor de Tim Burton está nos detalhes.

6,0

Alice no País das Maravilhas não é o grande filme que muitos gostariam porque o diretor Tim Burton nunca foi muito bom em narrar histórias. Seus filmes em geral têm roteiros ruins e a ação não é seu forte, mesmo que algumas obras, como Edward Mãos de Tesoura, as tramas sejam belas. Ao contar a superconhecida história de Alice, as cenas de ação não funcionam e o final, com Alice tendo de matar um monstro gigantesco, Jabberwocky, simplesmente não convence - mas, sinceramente, quem se importa?

Em alguns momentos, os dois universos, de Lewis Carroll e de Tim Burton, unem-se de maneira interessante. Só não vá esperando os maneirismos, as facilidades, os reducionismos e os clichês de um James Cameron em Avatar ou mesmo o gótico anódino e asséptico da Hogwarts de Harry Potter. A Wonderland de Tim Burton não é aprazível nem foi feita para agradar. Alice dificilmente encontrará lá um ambiente idílico e propício para a fuga: seus melhores amigos são seres para lá de bizarros, na maioria das vezes viciados. Caberá a Burton humanizá-los, e essa é uma das melhores coisas do filme.

Helena Boham Carter e o gato de Alice, Cheshire, são os maiores destaques. No caso do gato, é o melhor que o 3D trouxe ao filme. Tim Burton, desconfiado da nova tecnologia, não quis filmar com as famosas câmeras 3D de Avatar e Os Fantasmas de Scrooge (de Robert Zemeckis). Fez tudo no tradicional e depois convertou o resultado final. Talvez por isso por vezes a tecnologia atrapalha mais do que ajuda na narrativa e em muitos casos, bastante óbvia, incomoda. Nesse caso, a imersão de Avatar faz mais sentido: o 3D, pelo menos por enquanto, funciona melhor em filmes que envolvam lutas, explosões, guerras – o chamado "cinema físico.

Na adaptação, feita por Linda Woolverton, roteirista de A Bela e a Fera e O Rei Leão, a maior mudança é a idade da protagonista, agora com 19 anos. É um dos grandes acertos do filme, pois o livro é visto por muitos como cheio de insinuações à pedofilia (Lewis Carroll era fotógrafo e adorava registrar garotinhas). Esse tipo de peso poderia arruinar a obra. Tim Burton deixou as muitas insinuações aos alucinógenos, seja no fumacê que Absolum, a larva azul sábia (voz de Alan Rickman), solta sem parar, seja nas poções e chás esquisitissímos tomados pelos personagens.

Helena Boham Carter, com sua cabeçona (interpretava sempre para uma câmera especial para deformar sua figura), tem o melhor da animação, da computação gráfica e dos efeitos especiais em si e ao seu lado. Tim Burton, seu marido, com quem tem dois filhos, utilizou vários processos de animação, mesmo com massinha, para compor a aberrante corte da Rainha (mistura da Rainha de Copas, de As Aventuras de Alice nos País das Maravilhas, e a Rainha Vermelha, de Alice Através do Espelho, a continuação do primeiro livro – em ambos é baseada a história).

Burton disse ter visto mais de 60 versões, entre filmes, seriados ou quadrinhos, de Alice nos seus 55 anos de vida. Reclama que a maioria não funcionou justamente por serem muito apegadas ao original e muito "literárias". Preferiu propositalmente apegar-se aos personagens e dar-lhes sua visão pessoal. Pode ser que a fraqueza do filme esteja aqui, ao não focar na narrativa, mas é com certeza um de seus pontos fortes também: a maneira como Burton apresenta todos, sempre compreensivo e interessado, mostrando as bizarrices sem nenhum constrangimento, como os mortos de A Noiva Cadáver, perfeitamente bem no que restou de suas peles. E Johnny Depp ajuda, com seu misto de ternura e loucura, nesse processo de humanização.

Burton prefere os diferentes. Injeta neles uma carga de humanidade que os tira dos estereótipos. Neste Alice in Wonderland, dá contornos impensáveis seja até mesmo para a imaculada Rainha Branca (Anne Hathaway). Seus monstros têm coração, seus loucos, lucidez. Se a Rainha Vermelha é má é porque sofre de solidão e pelo fato de negar sua condição física. Os outros personagens não têm esse tipo de problema – riem de si próprios e suas limitações.

Como já notou parte da crítica, de todos os personagens, justamente Alice é que teve o desenvolvimento menos satisfatório. Em pânico por ter de se casar, Alice foge e mais uma vez cai na toca do coelho. Durante sua estadia em Wonderland (ou Underland), vai aprender conhecer a si própria, adquirir auto-confiança e enfim poder voltar à vida real preparada para o que a espera. É decepcionante sim. O melhor do filme está na hipnótica direção de arte, na multidão de pequenos achados que tanto enriquecem seus filmes. O melhor de Tim Burton está nos detalhes.

Comentários (2)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 15:55

Tirando a dancinha de Depp no final, vale como visão de arte de Burton.

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