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Críticas

Cineplayers

Cafonice com grife.

6,0
François Ozon despontou como um nome relevante na nova geração do cinema francês graças à dupla 8 Mulheres (2002) e Swimming Pool - À Beira da Piscina (2003) e sendo um dos poucos que ainda conseguiram manter o nome relevante graças a obras bem recebidas como Dentro da Casa (2012). Talvez um dos motivos para que o diretor ainda consiga atrair interesse é não apenas fazer um cinema extremamente físico, mas também a forma como trabalha com gêneros já estabelecidos.

O Amante Duplo tem seu charme na verdadeira salada que promove: erotismo, suspense e horror são elementos que se chocam para contar a história baseada no livro Os Gêmeos, escrito por Joyce Carol Oates e já adaptado anteriormente em Jogo Duplo, com Isabella Rossellini no papel principal. Protagonismo que agora cabe a Marine Vacht como Chloé Fortin, uma mulher que sente constantes dores no ventre e só passa a melhorar quando passa a se consultar com o psicanalista Paul Meyer (Jeremy Rénier), com quem desenvolverá uma relação afetiva. Quando se mudam, uma ponta solta do passado do médico mostra que ele tem ao menos um mistério na sua vida, o irmão gêmeo renegado e também psicanalista Louis Delord (também Rénier), com quem passa a ter uma relação extraconjugal de grande paixão física.

As primeiras impressões do filme pelas redes sociais afora não poupam as comparações: há quem compare com Cronenberg em Gêmeos - Mórbida Semelhança ou com o Polanski da trilogia do apartamento. Serve para entender a narrativa, mas tudo se desenrola na maior parte do tempo como se Paul Verhoeven resolvesse se reunir com o roteirista Joe Esterzhas para tentar reeditar Instinto Selvagem e Showgirls ou mesmo se Adrian Lyne, de clássicos do suspense erótico (e do mau gosto) como Atração Fatal, Proposta Indecente ou Lolita resolvesse imitar Brian De Palma. 

De Verhoeven, há a abordagem franca e frontal de sexualidade que chega a beirar o grosseiro, com a câmera explorando e demorando-se nos corpos. Já de Brian de Palma, a abordagem parece ainda mais clara, com a utilização de reflexos, focos seletivos, telas divididas e fusões que o americano chupinhou de Hitchcock para moldar os próprios filmes hiperviolentos mas também ricamente plásticos. 

É um filme muito atrativo em um primeiro momento: Ozon começa o filme relacionando desejo e intimidade da forma mais óbvia possível (descrever reduz o impacto), de maneira clínica e distante, para logo brincar com match cuts (ou seja, rimas visuais através da montagem), e o foco seletivo e a split screen servindo quase como um convite para o espectador dar sua própria leitura através de uma multiplicidade de pontos de vista, algo que o próprio Hitchcock tirou do expressionismo para formatar no cinema de gênero, como em Um Corpo que Cai, em que é mais fácil ver os protagonistas por perspectivas que olhá-los de maneira impessoal, sem julgamentos. 

O carnaval de excessos que o diretor trabalha em um filme com elenco mínimo é seu maior trunfo mas também seu maior tropeço: o tom mais explícito a cada minuto chega a parar de chocar em algum momento e o próprio diretor, sabendo disso, incorpora em alguns momentos de maneira bem-humorada. A tentativa de criar um labirinto psicológico também não se mostra a mais acertada, com um abuso de falsos caminhos como cenas de sonho/delírio, e mais um tanto de reviravoltas esticam a metragem e deixam o filme redundante do que propriamente aprofundam seus personagens.

Comparado a muitos diretores acusados de “mão pesada” na condução e na estilização, Ozon conduz a misé-en-scene com vigor narrativo que ainda frequentemente previsível e clichê consegue dar ritmo; é seguro dizer que o filme gira em cento e oitenta graus a cada vinte ou trinta minutos. Mas a infâmia da mão pesada também recai sobre o diretor, que não tem o escracho cínico de um De Palma ou Verhoeven e se apaixona pelo seu pastiche. 

Mesmo que interessante, a trama não traz nenhum ineditismo, e às vezes se leva mais à sério do que provoca nesse passeio pela construção metatextual. Os desdobramentos melodramáticos do filme não deixam de lado a impressão que, fosse lançado do outro lado do Atlântico, O Amante Duplo atrairia sobre si inúmeros adjetivos - anacrônico, fetichista, camp, kitsch, brega, cafona. Já para o público acostumado com a ideia que a Europa pratica uma versão mais intelectual do cinema que os EUA, Showgirls e Dublê de Corpo são clássicos do mau gosto por seu excesso de nudez, sangue e efeitos especiais enquanto filmes como O Amante Duplo são investigações da sexualidade e da psique humana. É intenso, não over. Seus delírios e alucinações são surreais, e não trash. 

De fato, a linha que separa todos eles é muito mais tênue do que isso, e ainda que não dirija um filme ao nível dos seus mestres do thriller moderno justamente por pesar a mão e perder a sutileza na hora de conduzir a espiral de bizarrice e estranheza - uma armadilha fácil -, Ozon dá sua abordagem pessoal a um gênero esquecido e renegado com todas as forças mas que ainda habita, lá no fundo, nosso inconsciente coletivo. E se quiser ver o potencial desse tipo de narrativa explorado ao máximo em um exemplo recente, vá atrás de Elle (2016) imediatamente.

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