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Críticas

Cineplayers

Mais um bom filme nacional, em um emaranhado de histórias interessantes e bizarras - mas não menos reais.

6,0

Cláudio Assis, diretor de Amarelo Manga, já tinha muita experiência com curtas metragens. Não é a toa que, em 1999, filmou O Brasil em Curtas - Curtas Pernambucanos. E é justamente essa a sensação que temos ao assistir Amarelo Manga. A sensação de que o filme, apesar de ser um longa metragem, é, na verdade, um apanhando de curtas que se entrelaçam para contar uma história maior. A narrativa da película, bem como seu desenvolvimento, apesar de trazerem elementos bem simplórios, agrada.

É um filme de baixo orçamento, como já poderíamos presumir. Mas ainda assim, "cheio de vida". O filme tem uma fotografia muito bonita, colorida, que cai em contraste perfeito com os lugares apresentados: um boteco velho, um hotel caindo aos pedaços que hospeda todo tipo de gente, um matadouro. Enfim... Ah, só a título de curiosidade, o hotel do filme, chamado de "Texas", é uma homenagem do diretor a si próprio (veja só...), visto que Cláudio havia filmado e produzido, também em 1999, o filme 'Texas Hotel'.

Como já fora dito, o filme é uma sucessão de curtas histórias envolvendo um bar e um hotel na cidade de Recife, que nos revela um mosaico de personagens vivendo em um bairro pobre da cidade. Um açougueiro e sua mulher evangélica, um necrófilo apaixonado pela dona de um bar, um homossexual apaixonado pelo açougueiro e outros, muitos outros personagens.

É interessante notar um detalhe logo na parte inicial do filme. Claro, impossível deixar que esse detalhe passe despercebido. Se você é daqueles que come algo no cinema enquanto assiste a um bom filme, certamente notou. O filme revela e mostra com brilhantismo a situação higiênica em que a população que mora nesses subúrbios do Recife (e em todo Brasil) está confinada. Sim, há um mínimo de higiene, entretanto, a discrepância assusta. Pegue, por exemplo, o açougueiro. Para quem ainda não assistiu a película, apenas digo que o processo que a carne leva das mãos do açougueiro até os pratos de comida dos moradores é um dos menos higiênicos possíveis. Não há como não sentir um embrulho no estômago enquanto assistimos a essa seqüência. E para completá-la, e "enojar" o público de vez, a personagem de Dira Paes, Kika, a evangélica, vomita ao preparar a carne na varanda de sua casa e, segundos depois, lá está seu gato de estimação lambendo tudo aquilo. Não dá para ficar indiferente. Méritos do filme.

As atuações chamam bastante atenção, principalmente as femininas. Leona Cavalli (de Carandiru), faz o papel de Lígia, a dona do bar. Uma mulher de atitude, forte, enérgica e "arretada", que não leva desaforo para casa. Leona está demais! A cena em que ela contracena com Jonas Bloch (bom ator, de Histórias do Olhar) no bar quando o mesmo a provoca pela cor de seus cabelos é, no mínimo, engraçada!

Puxando o lado masculino das atuações temos ele, claro, sempre ele, Matheus Nachtergaele (de dois soberbos filmes nacionais: Cidade de Deus e O Auto da Compadecida). Nachtergaele interpreta Dunga, o homossexual que ajuda a manter o hotel Texas e é apaixonado pelo açougueiro. Infelizmente, não vemos Matheus em outra grande participação em um filme, até porque seu papel é pequeno e bem reduzido pela história, que, convenhamos, é muito simples. Mas ainda assim, ele está alegre e jogando o astral do filme lá para cima, como de costume. Outra pessoa que merece atenção é Dira Paes, a Kika. A garota faz um personagem bem simples a primeira vista, mas depois de uma reviravolta já esperada pouco após a metade do filme, seu personagem se transforma completamente, nos fazendo esquecer da jovem e santa evangélica. Ótimo trabalho.

A trilha sonora, infelizmente, é fraca. Durante algumas passagens do filme, vemos até alguns esboços por parte da equipe de Cláudio Assis de realmente inserir algo que chamasse a atenção do público, entretanto, como disse, esse esforço não passa de um esboço. Não há uma trilha sonora consistente em Amarelo Manga durante todo seu tempo de projeção.

O filme ainda conta com um ponto fraco, sua história. Não me levem a mal, ela é muito bem contada e apresentada, porém, é muitíssimo simples. O filme sofre do mesmo mal de um outro que critiquei há pouco tempo atrás, Irreversível, de Gaspar Noe. Excelente desenvolvimento de uma fraca história, infelizmente.

Amarelo Manga ainda recebeu, no Brasil, uma pesada censura 18 anos. Em minha humilde opinião, uma censura pesada demais para um filme que quase não apresenta violência. Sim, há uma cena em que o necrófilo dá uns tiros num cadáver morto arranjado por um amigo do IML em troca de maconha, uma ou outra cena de sexo e, claro, o que deve ter pesado, a atriz Leona Cavalli mostrando sua vagina sem pudor algum a Jonas Bloch. Pode parecer pesado isso tudo no meio de tantas palavras, mas acredite, não é. Quatorze ou dezesseis anos já seria uma censura de bom tamanho.

Enfim, acredito que muitas pessoas poderão gostar de Amarelo Manga. O filme foi realmente pouco divulgado quando lançado nos cinemas nacionais, mas certamente vale a pena dar uma conferida nas locadoras. O ritmo do filme não irá agradar a todos, mas tenho certeza que a maioria terá tido uma boa tarde de entretenimento após assistir à 'Amarelo Manga'. Mais um bom filme nacional.

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