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Críticas

Cineplayers

Will Gluck tenta sair da mesmice, mas acaba se mostrando apenas mais um caindo nas armadilhas próprias do gênero.

4,0

O cinema americano, já há certo tempo, precisa se reciclar dentro de determinadas áreas e parece que já está ciente disso. De uns anos para cá têm ocorrido misturas de gêneros improváveis, mudanças na composição do perfil de mocinhos e mocinhas, premissas mais chocantes e ritmo mais dinâmico – tudo isso englobado em uma série de tentativas em mostrar que suas fórmulas, dentro de qualquer gênero que seja, não estão gastas. E o departamento que se mostra mais carente nesse sentido é a comédia romântica. Nada mais de Meg Ryan e seus filmes açucarados, o que tá valendo agora são as comédias românticas escrachadas, “ousadas”, diferentes, inovadoras. Os roteiristas querem inovar dentro de um terreno pouco fértil e o resultado são trabalhos como Amizade Colorida (Friends With Benefits, 2011), do diretor e roteirista Will Gluck. 

A proposta inicial de Amizade Colorida é inversamente proporcional aos costumeiros clichês para o gênero. Desesperado em mostrar-se diferente, Gluck comanda uma história que se vale da indiferença a sentimentos nobres, como o amor e o companheirismo, para se ater ao que normalmente não prevalece por muito tempo nas premissas românticas, como a amizade e o sexo casual. Até então pode parecer interessante essa inversão de valores, mas o fato é que comédias românticas precisam de alguns elementos indispensáveis para dar certo e, portanto, é quase impossível se manter original do início ao fim. E é nesse ponto que Amizade Colorida escorrega feio. Depois de passar sua primeira metade inteira ironizando e satirizando os mais batidos clichês dos romances americanos, acaba por fim sucumbindo ao politicamente correto e desmoronando de vez com sua proposta inicial.

Embora não seja nada mal conferir uma série de situações em que Mila Kunis e Justin Timberlake tentam se entender na cama, é impossível não notar a falta de conteúdo presente em cada nova piadinha do roteiro. No enredo, Jamie e Dylan são dois amigos que acabam entrando num consenso de que é possível manter uma relação de sexo e amizade sem deixar que o sentimentalismo estrague tudo. Eles passam então a viver assim, transando como amantes e vendo filmes como amigos, crentes de que sentimentos mais intensos não surgirão para atrapalhar sua ideia de relação perfeita.

Desse ponto de partida se desenrolam inúmeros momentos que deveriam ser divertidos, mas que na verdade são de extremo mau gosto. Muito à vontade em seus respectivos papéis (talvez à vontade até demais), Mila Kunis e Justin Timberlake protagonizam infindáveis cenas de sexo, fazem caras e bocas, apelam nos diálogos “sinceros” e não hesitam em desempenhar com desenvoltura suas performances, digamos, íntimas. Para Gluck esse é o máximo que se pode aproveitar de seu casal principal e de sua historinha divertida, que não passa de uma sucessão de momentos grosseiros e, embora calientes, muito comuns.

A projeção dada ao sexo aqui é tida como elemento principal na hora de mostrar o quão diferente Amizade Colorida deseja ser, assim como acontece também no recente Sexo Sem Compromisso (No Strings Attached, 2011). Mas a idéia é falha em todos os sentidos. Primeiramente porque banalizar o sexo em função de uma comédia apelativa pode até ocasionar momentos de diversão para alguns, mas soa a maior parte do tempo como uma vitrine para expor a falta de ideias atual dos roteiristas para tentar chamar a atenção do público com uma história de qualidade, que não necessite descer tão baixo para ganhar audiência. Para efeito de comparação temos uma grande comédia romântica que aborda o sexo e a amizade de uma maneira muito mais realista, muito mais engraçada, muito mais inovadora e muito mais digna, que é o caso de Harry e Sally – Feitos Um para o Outro (When Harry Met Sally..., 1989). Tudo bem, os tempos são outros e, para alguns, o sexo indiferente e casual ainda é algo inovador e chocante. Mas em pleno século XXI, quem ainda acha uma cena de sexo oral engraçadinha debaixo dos cobertores algo marcante? Ou seja, até na hora de tentar se mostrar diferente, Amizade Colorida cai talvez não nos clichês dos filmes, mas nos clichês da vida.

Ironicamente, o sopro de originalidade tão alardeado pelo marketing vem no final, quando finalmente o roteiro sucumbe ao moralmente correto. Como era de se prever, os dois não conseguem se manter apenas nessa de ficar transando indiferentemente e pinta um sentimento romântico na história. Por incrível que pareça, nesse ponto Amizade Colorida atinge a sua melhor abordagem, ao colocar em xeque não somente o inevitável desfecho de uma comédia romântica, mas também a eterna questão entre amor e sexo hoje muito discutida quando o tema gira em torno dos relacionamentos modernos.

Para muitos passou despercebida, mas a grande sacada do filme, mesmo que não tenha sido intencional, é o amor. Aquele amor tão criticado, ridicularizado e humilhado no começo, abre espaço nos momentos conclusivos da trama, e faz do sexo o suposto elemento inovador, algo trivial e clichê. No fim das contas, a comédia romântica tradicional, à lá Meg Ryan, mostra-se presente e intacta, provando assim que Will Gluck caiu na armadilha de seu próprio roteiro.

Talvez não valha a pena conferir Amizade Colorida pelos motivos dos quais o filme se gaba (mesmo sua tentativa de brincar com o próprio gênero é falha). Será muito mais interessante analisá-lo como um tipo de comédia romântica disfarçada por um monte de alegorias visuais apelativas, mas que no fundo não passa de uma comédia romântica. Querendo ou não, em um gênero tão cheio de regras, é quase impossível inovar (privilégio exclusivo de cineastas de muito mais experiência, vide irmãos Farrelly), e usar o sexo para isso já se mostrou uma tendência batida e clichê. 

Comentários (11)

Rodrigo Barbosa | sábado, 01 de Outubro de 2011 - 00:46

Na minha opinião a pior falha do filme é a conclusão. No mais, se não sofrível, é pelo menos aceitável!

Rodrigo Torres | sábado, 01 de Outubro de 2011 - 05:38

"Eu achei um bom filme, ao contrário do No Strings Attached", mas gostei do que li.

Portanto: "Achei bem legal sim, mas concordo com quase tudo da crítica". 😉

Marcus Almeida | sábado, 01 de Outubro de 2011 - 09:15

Nunca que a Julia é mais bonita que a Kunis, pelo jeito não conhecem a admiração do Tor por ela.😎

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