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Críticas

Cineplayers

Apesar do início surpreendentemente bom, o filme é extremamente clichê, irritante e piegas.

2,0

Raras foram as vezes em que, ao longo de toda a minha vida de cinéfilo, tive o desprazer de mudar de opinião tão abruptamente durante um filme como neste Um Amor Para Recordar, drama adolescente “estrelado” pela pop-star Mandy Moore. Embora seja composto por uma galeria de personagens absurdamente estereotipados, que tornaram-se praticamente onipresentes nas comédias “teen” lançadas nos Estados Unidos nestes últimos anos, o filme consegue, em sua primeira metade de duração, envolver e cativar o espectador de maneira relativamente surpreendente. Desenvolvendo sua narrativa a partir da velha premissa do “garoto encrenqueiro que se apaixona pela menina mais ridicularizada da escola e que, para sustentar seu amor, muda completamente de personalidade e deixa toda a velha vida de badernas para trás”, o filme, inicialmente, desperta interesse por conseqüência da sutilidade e emotividade com que trata suas personagens e situações, mas toma proporções qualificativas radicalmente opostas ao revelar suas verdadeiras pretensões dramáticas. 

[SPOILERS EVERYWHERE]

Para me livrar o quanto antes da ânsia que guardo, dentro de mim, desde o momento em que presenciei a incrível revelação feita por Jamie Sullivan, personagem da supracitada Mandy Moore, ao seu grande amor Landon Carter, vivido por Shane West, farei questão de expô-la logo no início desta minha “crítica” (entre aspas mesmo, já que, na verdade, trata-se mais de um desabafo). Vejamos: tudo ia muito bem no reino da fantasia. O ogro, após receber o doce beijo da princesa, virara príncipe. Com sua bravura e coragem, enfrentara destemidamente a tudo e a todos para ficar com seu novo grande amor. Mudara completamente seu estilo de vida, suas características, sua maneira de pensar. Deixara de agir da forma como agia em seu pântano, aprendera rapidamente os trejeitos de um cavalheiro, de um verdadeiro príncipe. Descobrira, na princesa, uma parte faltante no quebra-cabeças de seu coração. E esta parte, logo após ser encaixada, logo após preencher cabalmente o espaço vago, acabara iniciando uma lenta e infeliz decomposição. 

Através dessa pequena fábula, abro espaço para contar o que realmente acontece no filme. Após viverem alguns dos momentos mais felizes de suas vidas juntos, um segredo, guardado a sete chaves por Jamie, destrói toda e qualquer esperança que pudesse ser construída a respeito de seu amor por Landon: a garota é leucêmica, já em fase terminal. Restam-lhe alguns poucos meses de vida, e nenhum futuro para seu relacionamento. Tudo aquilo que passaram juntos havia sido em vão. Não pelo fato de não ter valido a pena, já que os dois se amavam e demonstravam ter gozado cada momento, mas sim pela certeza de que nada daquilo poderia ser levado adiante. Chegaria uma hora em que, invariavelmente, a história de amor dos dois terminaria. Nunca um relacionamento possuira uma pré-destinação tão acentuada quanto este. Nunca o “nunca” fora tão verdadeiro. Eles NUNCA poderiam ficar juntos para sempre. Após certo tempo, NUNCA mais voltariam a ser ver. NUNCA mais tornariam a se abraçar. Nunca o “nunca” fora tão irreversível. 

O melodrama é indiscutível, mas passa longe de ser o maior problema da obra. Na verdade, seria até mesmo funcional caso este “nunca”, tão acentuado pela pessoa que vos fala, já não tivesse sido utilizado incessantemente em inúmeras outras obras do gênero. Para tornar tudo pior, o fato ainda não seria tão relevante caso duas destas obras, que compartilham exatamente a mesma idéia de Um Amor Para Recordar, não fossem tão recentes quanto Outono em Nova York e Doce Novembro (que por sinal é uma refilmagem, mas é o disparado melhor dos três, apesar de suas inúmeras falhas), respectivamente de 2000 e 2001. Um tema tão inusitado, tão pouco usual, não pode ser repetido tantas vezes em um espaço tão curto de tempo. Isso não é uma regra, claro (até porque não sou ninguém para criar regras), mas creio ser uma interessante questão de bom gosto que deveria ser estudada com parcimônia pelos chefões dos estúdios hollywoodianos. 

Porém, a culpa não poderia ser descarregada apenas sobre a falta de originalidade do argumento, já que vários bons filmes são construídos acerca de premissas gastas e pouco inventivas. Cito, por exemplo, Meninas Malvadas, um filme que divide com Um Amor Para Recordar o mesmo público alvo (embora possua pretensões cômicas, e não dramáticas). Sem fugir em momento algum da esquematização básica dos filmes do estilo, consegue entreter de maneira espetacular em razão da inteligência utilizada para apoveitar os principais estereótipos e clichês do gênero. Com isso, tornara-se uma das mais interessantes comédias adolescentes dos últimos anos, mesmo sem apresentar qualquer fiapo de novidade temática para tanto. Já no filme em questão, além da escassez de originalidade, ainda somos obrigados a agüentar um dos problemas mais irritantes encontrados em transformações psicológicas de personagens.

Como falado anteriormente na de Rain Man, a transformação idiossincrática de uma personagem deve ser feita de maneira evolutiva, gradual. Ninguém muda de personalidade na mesma rapidez com que troca de roupa. É um processo complexo, que exige diversas etapas e adaptações, e deve ser feito da maneira menos extremista possível. Na verdade, acho até mesmo muito difícil alguém mudar de personalidade, pelo menos de maneiras tão paradoxais (e Rain Man não tem esses problemas, vale esclarecer). Em Um Amor Para Recordar, ocorre justamente o oposto: um dia após conhecer a garota, Carter simplesmente passa a ignorar tudo aquilo que fazia parte de sua vida, e começa a praticar ações inimagináveis para uma pessoa com sua personalidade. A mudança não engloba qualquer outro fator senão seu amor por Jamie. Mas será mesmo que a garota possuía um poder tão grande para transformar um idiota completo em um romântico de carteirinha em tão pouco tempo? A resposta é óbvia: não, mas os roteiristas do filme tinham.

Apesar disso, confesso ter gostado da complexidade que o estereótipo da “garota esquisita que é rejeitada e ridicularizada por todos os alunos da escola” ganha com a questão da doença. Conforme Carter aprofunda mais e mais seu conhecimento a respeito da garota, vamos encontrando motivações para boa parte de seus atos, sempre ligadas às conseqüências psicológicas proporcionadas por seu câncer. Embora seja extremamente maniqueísta a forma como sua doença é tratada no terceiro ato da obra, ela serve como explicação lógica para sua forma de agir em todas as seqüências anteriores, desenvolvendo a personagem de forma um pouco (vale lembrar, um pouco!) mais interessante do que vemos corriqueiramente no cinemão romantico hollywoodiano. Mas ainda assim é muito pouco perto do desperdício proporcionado pelas pretensões emocionais da obra.

Enfim, Um Amor Para Recordar é um filme que engana de maneira bastante surpreendente. Enquanto nos deliciamos com uma simplória, porém divertidinha comédia-romântica juvenil, somos subitamente atirados em mais um melodrama hollywoodiano extremamente clichê, irritante e piegas, que destrói por completo a boa imagem que vinhamos criando com a primeira metade da obra. Em certo momento do filme, passei por uma experiência até então incompreensível: sem qualquer motivo aparente, minha televisão desligara-se sozinha, mesmo não tendo acontecido qualquer problema com os outros eletrônicos do quarto. Mais tarde, viria a entender a inteligente decisão de meu aparelho: caso tivesse acatado seu pedido de manter-se desligado, acabaria guardando para mim uma impressão relativamente positiva a respeito do filme, ao invés de me estressar vertiginosamente com sua resolução. No entanto, teimoso como sou, insisti em ligá-lo, e o único pensamento que retumbava após a tal reviravolta da trama era o seguinte: preciso aprender a acreditar e a interpretar melhor os sinais que me são confiados. Tornou-se uma de minhas resoluções para o ano de 2007.

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