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Críticas

Cineplayers

Mergulho no azul.

7,5

Cor da tristeza em inglês, o azul invade a fotografia de Amor Profundo (The deep blue sea, 2011) e tinge em várias frentes o cotidiano de Hester Collyer (Rachel Weisz), uma estonteante mulher que não encontrou em seu casamento com William (Simon Russell Beale) a chama que a fizesse arder de amor. O passar de alguns anos ao seu lado trouxe justamente o oposto: da mornidão, eles chegaram à frialdade que o tom expressa tão bem. Esse detalhe é uma constante no longa de Terence Davis, que adapta para o Cinema a peça homônima, já montada no Brasil com o título de O Profundo Mar Azul. Antes de mais nada, contribui decisivamente para transformá-lo em uma intensa experiência sensorial, haja vista a preferência do diretor em não se prender a uma estrutura narrativa ortodoxa. Trata-se um filme carregado de sentimento e impressões íntimas sobre o laço mais forte que pode unir duas pessoas.

A opção de Davis pelos tons azulados não é uma novidade, muito menos com a intenção que o motivou. Apenas um ano antes, Derek Cianfrance utilizou a mesma cor para inebriar Namorados para Sempre (Blue Valentine, 2010) com uma atmosfera de desalento. Da mesma forma que Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), protagonistas dessa obra que ceifa ilusões no campo dos relacionamentos amorosos, Hester deseja simplesmente ser acolhida por um parceiro e experimentar uma paixão que não perca a incandescência com o avanço do tempo, o que, na visão dos realizadores de ambos os filmes, é pedir muito. O fracasso parece parte integrante e irremovível do ciclo dos romances e o que resta é a possibilidade de viver a fundo o amor enquanto ele reina. Há que se concordar que se trata de um olhar muito pessimista, apesar de ser aplicável a muitos relacionamentos mundo afora.

Em sua busca pelo calor nos braços de alguém, Hester acaba se envolvendo em um caso adúltero com Freddie (Tom Hiddleston), um piloto da Força Aérea Real com quem a paixão explode em longas sequências musicadas por canções instrumentais. Elas são outro grande acerto de Amor Profundo, por toda a capacidade que sua trilha sonora tem de acentuar a carga melodramática que atravessa o filme. Em certas passagens, a trama remete a Fim de Caso (End of affair, 1999), pelo modo passional com que seus personagens tomam suas atitudes: Hester não é capaz de encontrar razões para viver se estiver longe de um grande amor; Freddie prefere deixá-la por crer que, juntos, eles se destruirão; William engole todo orgulho e não só perdoa a esposa como investe na tentativa de um recomeço ao seu lado. Juiz da alta aristocracia britânica, ele é a segurança objetiva de que uma mulher precisa, mas que não é o bastante para Hester.

Aliás, a personagem é muito bem defendida por Weisz, sendo possível afirmar, sem medo de parecer exagerado, que é seu melhor papel até hoje. Devidamente indicada ao Globo de Ouro pela sua interpretação, ela encarna em olhares perdidos a agonia de uma mulher perdida em suas escolhas. Do flerte com a morte nos primeiros minutos do filme à projeção alucinatória que a invade no metrô, sua Hester é força pulsante, é inquietude sem meios de ser espalhada. Até mesmo sua vitória no Oscar de 2006 como coadjuvante em O Jardineiro Fiel (The constant gardener, 2005), mesmo que merecida, torna-se menor diante da força que ela transpira aqui. Não há uma cena sem a sua presença magnética, atormentada e mergulhada no azul que insiste em manter sua vida monocromática. Já seu companheiro de cena, Hiddleston, ainda é um rosto quase desconhecido, e segura bem a responsabilidade de encarnar a fonte do desejo e da paixão desmedida de Hester. Até então, o F. Scott Fitzgerald em Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011) era o trabalho mais conhecido na carreira do ator.

A sinceridade também é um ponto alto de Amor Profundo. Sem meios termos, o espectador é confrontado com frases marcantes sobre o sentimento que nomeia o filme em português, que têm força o bastante para deixar pensando longamente. A certa altura, a Sra. Elton, dona da pensão em que Hester e Freddie se encontram, é categórica com a protagonista: “Amar é limpar a bunda de alguém, é trocar os lençóis sujos de xixi e não deixar que o outro perca a sua dignidade”. Diante dessa colocação forte e inesperada, o desatino de Hester se esvazia quase totalmente de sentido e a faz repensar sua condição de amante em prantos. Depois de um período que não se sabe ao certo a quantos meses ou anos corresponde – o enredo é baseado no tempo psicológico – , ela volta a olhar pela janela, como havia feito no primeira cena do filme. Sai o tempo chuvoso, entram um anoitecer sereno e um olhar que vislumbra o futuro. Seu, meu ou nosso, ela ainda não sabe dizer. Apenas o futuro.

Comentários (3)

Wel Cunha | domingo, 12 de Maio de 2013 - 16:59

Considero a ausência de Rachel Weisz uma das maiores injustiças desse ano no Oscar. Filme lindão.

Phillipe Rocha | segunda-feira, 13 de Maio de 2013 - 23:24

O filme parece ser ótimo msm. Mais acessível do que essa crítica, só banheiro para cadeirante. 😎

Patrick Corrêa | segunda-feira, 13 de Maio de 2013 - 23:47

Muito obrigado, Phillipe.
Estou me esforçado... 😋

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