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Críticas

Cineplayers

Onde foi parar o filme?

4,5
Questiono a afirmativa que dá título ao 'Animais Fantásticos e Onde Habitam (Fantastic Beasts and Where to Find Them, 2016), este que na verdade mais parece a nomenclatura de um especial do Globo Repórter, e me deparo não só com um, mas com dois pesarosos questionamentos: sim, de fato, onde é que tais animais habitam? No malote do protagonista e fim? Não houve um ''antes'', algo que supere os parcos sinais de uma exaustiva captura? Simplesmente em uma dezena de ambientes projetados pela magia? Dois: que pôde haver de tão fantástico nesses animais que passa assim tão despercebido? Seus tamanhos ou peculiaridades? Os sons fofíssimos que emitem ou as sensações humanas que parecem sentir? Excetuando-se a criatividade – também visivelmente escassa, isto quando trata de aparecer, por lampejos – de promover algumas breves misturas entre cobra e pássaro, rinoceronte e luminária, por exemplo, mas também pinguim, bicho pau e insetos, não há, a princípio, elemento algum que os torne essencialmente fantásticos ou símbolos de maravilhamento inventivo. Parecem, se olharmos bem, mais crianças levadas e carentes, extremamente necessitadas de atenção. A troca não surtiria efeito algum.

Ainda mais duvidosa é a estreia do mito J. K. Rowling na roteirização de um universo de sua própria autoria, e o que se supunha ser o encontro de um fervilhar criativo com uma zona de conforto aproxima-se mais de um erro catastrófico que pode ter se dado por centenas de motivos, embora dois permaneçam bem já claros. Mas é preciso ir antes à raiz: onde está o filme? Como foi possível, em que virada narrativa, em que mundo de receitas e remendos fílmicos se transformou a obra inicialmente apresentada? De uma caça-aos-monstrinhos que ameaçam desequilibrar as relações entre o mundo mágico e o mundo humano, surge, das profundezas maniqueístas que já haviam tragado todo o universo de Harry Potter para o tédio floreado de varinhas e feitiços, um vilão. Contados muito provavelmente a dedo, os ''fantásticos'' que haviam escapado da mala tinham timing acirrado – afinal, como se sustentaria uma história inteira com um jogo de caça aos monstros em loop? Não depois de uma descida à mala para apresentá-los com a mesma dignidade de um guia de zoológico em decadência. 

A questão para o Animais Fantásticos de Rowling é que não há sustentáculo algum para a apatia. Não há como colorir de dinamismo ou tensão um acontecimento (dois, ao que parece, e que fracassam) cujos protagonistas são uma loura tapada e leitora de mentes (contraste desgostoso), um padeiro fracassado como ponte para o cômico (a gramática hollywoodiana não descansa com suas inserções forçosas de gracejos), uma atrapalhada sentimentalóide e um Eddie Redmayne que está mais para o lado das sequelas de seu suposto grande papel como Stephen Hawking do que de um excêntrico caçador de feras (seu rosto mal se move senão para expressar um misto de espanto e hesitação, para não falar de constipação). Se se retiram os floreios formais e técnicos que a magia empresta, não resta um elemento, um momento ou traço peculiar que salve a obra do déjà vu. É o risinho fácil que quer se transformar na narrativa sombria de um menino atormentado por uma eufórica religiosa, mas não sabe como fazê-lo senão pelos paralelismos bestas da montagem.

E eis que ele surge: a mesma criança tesa e chorona, como se algumas cenas bastassem para construí-la como aquele-que-guarda-um-grande-mal, é repentina e ocasionalmente possuída por um protoplasma negro que ora deve simbolizar a fantástica criatura maléfica, ora a expressão violenta de uma angústia engolida por mais de uma década – quando não menos que cinco minutos antes os quatro trapalhões quebravam leis da magia e se envolviam em aventuras com as feras mais fantásticas do planeta. ''Que espécie de liberdade criativa é essa que permite ao seu narrador virar o tabuleiro e iniciar um novo jogo?'', poderíamos perguntar, e uma veloz ida à qualquer database de filmes revela, de vez, quatro sequências para a parceria entre Yates e a escritora. Depois deste haverão quatro outros? Sim, dos quais ao menos dois já se confirmaram. Como selecionar quatro recortes de projetos futuros e colá-los à metade inteira do roteiro deste, não é tão longínquo ou grandiloquente supor que ali tudo por ter acontecido, menos um filme que pertença à sua outra metade. Um hackeamento, uma infiltração de ideias por vir, o despejar descuidado de um tinteiro que mancha metade daquele grandioso ensaio que achávamos estar criando.

Nada se liga honestamente à nada, e quanto tenta fazê-lo é para amarrar as próprias pontas e originar o truque da obra que se encerrou ali mas que mantém o subtexto é fértil. E se só havíamos explicitado uma das causas para o grande embuste que é este novo microuniverso seriado, a sua segunda é aliás simples: é que o cinema pode não ter vindo primeiro que o ato mágico em si, pode não ter sido anterior à performance solitária do homem que mente diante dos olhos dos outros e que por isso precisa deles bem abertos, mas até hoje também não houve maquinário, trucagem, artifício capaz não de criar pequenos números ou grandes atos: o que a entidade Cinema legou ao prazer dos nossos olhos e sonhos foi a possibilidade de fazer tudo. Criar mundos, destruir universos, fazer aparecer e desaparecer, cristalizar personas e evanescer memórias quando bem queira, e da forma que quiser. Por isso – e o peso de ser a maior farsa da história se incrusta aqui – é imperdoável envolver magia em um filme, ou seja, ser brilhantemente redundante no papel, só para ter um resultado tão vexatório em ato.

Comentários (10)

jorge lucas | quinta-feira, 01 de Dezembro de 2016 - 12:00

Tudo o que você critica no filme, foi exatamente o que funcionou muito bem comigo. 😁 Me deixei levar pela história, adorei o filme. Um bom filme de fantasia.

Marlon Tolksdorf | terça-feira, 06 de Dezembro de 2016 - 16:20

A explicação do título da série, segundo a J.K. Rowling, é esta:
“Embora o título seja Fantastic Beasts, para mim, estamos falando de monstros que estão em todos nós, e a forma como vemos os outros como monstros. É algo tão perigoso de se fazer, traçar uma linha em torno de um grupo e dizer: ‘Você está errado, você é inadequado, você é insuficiente, e você deve ser tratado assim.’ Esse é o coração da maioria das histórias que eu escrevo, e certamente é o coração deste filme. Algumas [das histórias de Grindelwald] são insinuadas nos livros de Harry Potter, algumas delas são contadas, mas eu terei a chance de mostrá-las agora.”


Ela sempre vem com esses argumentos emotivos pra justificar a falta de conteúdo do trabalho dela.

Arthur Brandão | sexta-feira, 23 de Dezembro de 2016 - 02:50

Assisti o filme, e é muito parado, quase não há clímax, Colin Farrell está bem, mas entra o Depp e puta que pariu, má que merda.

O ponto é: O filme tem coisas legais, tem momentos divertidos, o protagonista não chama atenção, em alguns momentos irrita. Os personagens secundários também e por incrível que pareça, os animais fantásticos são o que realmente funciona e é interessante. De misturas com o mundo real e o fantasioso no filme todos já conheciam desde a série de filmes e livros.

Tem um final sem graça demais e previsível.

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