Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um jovem diretor americano nos traz uma versão particular de Michael Corleone.

8,0

A essa altura você provavelmente já sabe que J.C. Chandor tem sido referido como um dos mais promissores jovens diretores de Hollywood, muito em razão de seu debut, Margin Call -  O Dia Antes do Fim (Margin Call, 2011), um drama lento e silencioso sobre a crise econômica de 2008. Em 2013, Chandor ainda faria Até o Fim (All is Lost, 2013), um show-de-um-homem-só com Robert Redford no papel de um homem à bordo de um iate prestes a naufragar.

De fato, grande parte do potencial que vejo em Chander está em sua habilidade de produzir filmes que provavelmente não seriam produzidos. Todos sabemos que Hollywood não está mais no negócio de fazer filmes para adultos. Mas de alguma maneira esse jovem diretor está em seu terceiro lançamento, O Ano Mais Violento (A Most Violent Year, 2014), e o resultado, assim como em seu debut, permanece impressionante.

Os teasers e trailers certamente não deram conta de antecipar o assunto do filme. Hollywood, além de não produzir mais tantos filmes para adultos, parece não ter a menor disposição para vendê-los. O Ano Mais Violento não é um filme propriamente sobre a máfia, embora dialogue com ela. Não é sequer um filme graficamente violento. Se em Margin Call o olhar de Chandor mirava um sistema financeiro eticamente falido, embora poderoso, aqui ele pretende questionar aspectos específicos do chamado sonho americano.

(E é claro que as duas coisas relacionam-se de uma maneira ou de outra)

Abel Morales é um imigrante às vésperas de fechar um acordo que mudará para sempre os rumos de seu negócio. Colombiano de nascimento, chegou aos Estados Unidos apenas com sua ambição. Foi motorista, vendendor e agora, em 1981, comanda sua própria empresa de distribuição de óleo combustível. É casado com uma garota do Brooklyn, Anna, que também serve como sua contadora. Seus negócios são legítimos e honestos, e Abel deseja expandi-los exponencialmente, sem abrir mão de sua idoneidade.

Ainda assim, Abel se encontra cada vez mais encurralado, incapaz de operar suas possibilidades: seus distribuidores estão sendo covardemente assaltados e sua empresa está sendo alvo de uma malha fina da Receita americana. Os assaltos provavelmente são ordenados por alguns dos mafiosos que comandam as outras empresas de óleo combustível do estado, e a malha fina acontece a mando do Promotor Lawrence, que vê nos negócios de Abel uma oportunidade fácil para constatar irregularidades e fazer fama para si.

Somos então testemunhas de um processo arrebatador operado pelas forças invisíveis no filme que querem, a todo custo, que Abel abandone a honestidade que construiu para si, e resolva suas questões à maneira legitimamente americana. As armas, o dinheiro sujo e o crime são apenas algumas das possibilidades que Abel rejeita veementemente, afim de manter inabalada a moral que, até ali, ele conquistara.

Um dos conflitos mais significativos da primeira parte do filme gira em torno de Abel aceitar ou não que o sindicato entregue armas aos motoristas-distribuidores, para que eles possam se proteger dos recorrentes assaltos. Abel naturalmente enxerga os assaltos pelo que eles de fato são: mensagens de algum dos poderosos empreiteiros da cidade, enviadas afim de desanimá-lo de sua ambição. Mas as ordens de Abel são claras: as armas estão absolutamente proibidas, tanto para seus funcionários, quanto para sua família. “Eu me recuso a viver dessa maneira”, ele diz.

Enquanto volta de um jantar, Abel acidentalmente atropela um veado, que fica à beira da estrada definhando. Anna diz que ele não pode deixar o animal sofrendo. Abel pega um pedaço de ferro e fita o animal ferido, aparentemente incapaz de golpeá-lo até a morte. Anna recolhe um revólver da bolsa e atira no animal: as armas constituem-se como um recurso mais fácil. Mas Abel não deseja percorrer o caminho mais fácil. Como explicitamente declara ao final do filme, a ele interessa o caminho “mais certo”.

À Chandor interessa justamente localizar especificamente esse fantástico lugar do “mais certo” em algum ponto mágico e nebuloso entre o certo e o errado no compasso moral da América. Chandor obriga seu protagonista a um processo não apenas de desmoralização – ele oferece ao imigrante Abel Morales a oportunidade de forjar, para si, uma identidade empreendedora verdadeira americana.

As armas, os crimes e o dinheiro sujo são apenas elementos metafóricos que tornam cristalinas a função de um sistema social baseado no dinheiro e no poder na vida de um homem comum com ambição: empurrá-lo na direção da corrupção e da exploração de seus iguais à exaustão. O senhor Morales resiste até quando pode. Mas, acossado pelas circunstâncias, não abre mão de exercer seu próprio legado de poder na maior cidade do planeta, mesmo que isso custe o que custou.

Porque o caminho “mais certo”, a que Abel se refere ao final do filme é justamente a dissolução de toda moralidade do sujeito, é mais um fragmento que compõe a ilusão coletiva de que as ordens sociais às quais pertencemos não são regidas pela exploração e pelo sangue daqueles que, por estarem tão abaixo de nós, definham solitários no porão do esquecimento.

E assim Chandor compõe, pela segunda vez, o que pode vir a se tornar seu arquétipo de herói. Um homem jovem e ambicioso que desafia com intrepidez e inteligência seus superiores, demonstrando decência e honestidade até o ponto em que esse mesmo homem tomará para si a imagem contra a qual passou boa parte de sua vida lutando.

Comentários (6)

Cristian Oliveira Bruno | quarta-feira, 08 de Abril de 2015 - 18:19

O Dia Antes do Fim é espetacular. Meus mais sinceros parabéns pela crítica! Preciso e queri muito ver esse!

Ravel Macedo | quinta-feira, 09 de Abril de 2015 - 01:21

Filmaço. Isaac consome a tela. Desde o trailer eu ja dizia, aquele olhar lembrava Michael Corleone.

Felipe Lima | quinta-feira, 09 de Abril de 2015 - 23:55

Filme muito bom e ótima crítica. Acho que a subtrama envolvendo Abel e Julian é o ponto central pra entender o que Chandor quis dizer com o filme. O "american dream", pra funcionar, precisa de um "empurrãozinho", representado por Anna e família, e invariavelmente acaba por levar ao caminho demonstrado no fim do filme. Julian representa bem os que não se encaixam nesses dois pontos.

Patrick Corrêa | quarta-feira, 15 de Abril de 2015 - 23:24

Ótimo texto. É um filme que chega e sai devagar, dando o que pensar durante e depois da sessão.
Isaac e Chastain foram maravilhosos.

Faça login para comentar.