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Críticas

Cineplayers

As rosas que descumpriram o afeto.

6,5

Estamos constantemente tencionados à reflexão enquanto conferimos este Antes do Inverno, novo filme de Philippe Claudel. Há uma boa história que transcorre embaraçada, esbarrando regularmente no quase, nas amarras do roteiro que constrói situações insolúveis, como um suspense intimidado ou um drama estrito. É bem verdade que isso tudo não compromete as pretensões do filme, mas lhe rouba virtudes, deixando-o à margem da própria história em benefício da imagem exaltada que diz nas minúcias e incertezas o que casais fazem questão de não saber, ou dizer.

O roteiro é estruturado tal como num best-seller policial tradicional. Pistas, ações, reações e reviravoltas fazem parte da dinâmica do roteiro escrito pelo diretor que é um renomado escritor francês. Partindo de artes distintas, o que Claudel parecer querer fazer é uni-las. O cinema, que parte de uma narrativa com possibilidades de ser fotografada, incide enquanto uma descoberta ideal para as representações criativas do jovem cineasta que estreou no cinema com o sublime Há Tanto Tempo Que te Amo (Il y a Longtemps que Je T'aime, 2008). No entanto, havia algo de diferente naquele filme: o desenvolvimento efetivo que não acontece aqui.

Há um óbvio problema de ritmo, mas o que rola em cena é suficiente para prender nossa atenção. Os lapsos de suspense também contribuem. São 100 minutos e a sensação que fica é que poderia ser menor. Buquês de rosas vermelhas começam a aparecer na casa, no carro e no consultório de um importante cirurgião. De início parecia um exagerado reconhecimento de algum paciente satisfeito, todavia os presentes não cessavam. A dúvida provocou desconforto para o médico e sua esposa. O suficiente para irromper discussões que nunca tiveram. Suspeitos se acumulam – a atenção se volta para uma garota, Lou (Leïla Bekhti, bela atriz de origem argelina), que afirma ter sido atendida pelo médico durante a infância – e o espectador se enterra em especulações. Na obscuridade dos fatos, a dinâmica conjugal é ferida e ninguém parece verdadeiramente inocente nesse caso sem crime.

O casal vivido pelo astro Daniel Auteuil e pela esplêndida Kristin Scott Thomas tem como virtude a naturalização romântica. A dinâmica plantada pelo roteiro concilia com a dinâmica de um casal cuja cumplicidade é inexistente. Algumas frases proferidas nos ótimos diálogos fundamentam o conflito repentino dando-lhe perspectiva e cenas simbólicas saem da possível aleatoriedade para amparo da trama: a partida amistosa de tênis, por exemplo. Ela é acompanhada em um momento pela máxima: por que você sempre o deixa ganhar? Quase passa despercebido.

Os bons personagens cativam a atenção e identificação, uma vez tratar distintas relações – tanto no âmbito social quanto conjugal – aproximando o espectador devido à projeção de vivências do cotidiano de um casal junto há décadas, mas que nunca se firmaram enquanto amantes. Foge de estereótipos e se acentua enquanto sátira burguesa, não tão longínqua como em um discreto charme que Buñuel brilhantemente retratou em outrora. No meio de simbolismos emergem canções e essas ganham funções emblemáticas. Você, espectador, perceberá que será dificílimo levantar sem acompanhar a canção dos créditos finais. Antes do Inverno é delineado em composição e postura, com cada ato explicitando a cadência dos quadros, com cada gesto ou fala congruente, com cada buquê indesejado, com cada lembrança que amargura e cada arrependimento que cala.

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