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Críticas

Cineplayers

As muitas vidas de Anderson.

6,0
Após A Floresta de Jonathas, onde fundia a observação da vida cotidiana no Amazonas com uma certa liberdade poética, o diretor Sérgio Andrade, em parceria com o curta-metragista Fábio Baldo, lançou seu segundo filme em longa-metragem, Antes o Tempo Não Acabava (2016), sobre a história de Anderson, um jovem de uma tribo indígena que anseia desprender-se dos costumes da tribo onde nasceu mas ao mesmo tempo também tem de encarar os percalços da vida urbana.

No seu segundo filme, o caráter de registro continua ainda mais forte: não há propriamente início, meio ou fim na narrativa de Andrade, que aos poucos revela a personalidade do seu personagem principal. Sua inadequação com o lugar onde nasceu, sua curiosidade em explorar sua sexualidade com homens e mulheres, a vocação profissional com as mãos que aos poucos descobre. 

Antes o Tempo Não Acabava tem esse título principalmente pela trajetória de seu protagonista, que ao sair do “círculo” que antes era sua vida encontra-se vivendo uma série de fragmentos. Antes, um dia era igual a outro; após o ritual de iniciação, que o filme se demora mostrando e consiste em vestir luvas com insetos adormecidos e acordá-los com a fumaça, resta viver de acordo com as tradições de sua tribo.

Tudo isso muda quando sua irmã perde a filha deficiente, considerada amaldiçoada pela tribo; a revolta tamanha que isso gera é bem refletida em cenas como a que se maquia cantando música popular americana, desenhando uma pintura indígena com batom no peito e logo apagando. A partir daí, o filme adquire um tom mais urbano, explorando a vida urbana e os percalços de Anderson para conseguir se manter e, ao mesmo tempo, sua exploração e formação de personalidade na transição da adolescência para a vida adulta.

Porém, o que poderia ser um filme puramente observacional aos moldes do cinema de fluxo, distanciando-se da jornada psicológica, há também momentos onde o filme se sabota. Momentos como a inserção de um delírio do personagem, sem peso nenhum, pois não retorna ou não se comenta sobre o fato, ou então suas interações com os atores que representam a população urbana; entre conhecidos, colegas e clientes, todos eles parecem puramente instrumentais e unidimensionais, com a performance igualmente dura e artificial; anos luz dos atores indígenas, únicos no elenco que realmente interpretam personagens, por assim dizer.

Após um tempo, também, o filme acaba por parecer redundante. Sua observação simplesmente para de se mover, acabando o filme quando as possibilidades se esgotam - até recebendo as novas de braços abertos em seu final carregado de ternura, mas ainda assim não justificando a uma hora e meia de duração, com muitas cenas que parecem não sair do lugar e não ter grandes propósitos, cheirando a inserções um tanto explicativas. 

O filme carece largamente de identidade, ora acompanhado de forma quase documental, ora apelando para a fantasia, ou para o subjetividade guiada das músicas diegéticas, por vezes distanciando-se dos personagens e apenas acompanhando desde seu dia-a-dia até novas descobertas - como na cena ao mesmo tempo seca e cheia de curiosidade da primeira experiência de Anderson com um homem - por vezes esboçando dramas que chegam às raias do explicativo, como é o caso da família que o convoca de volta. A colagem de estilos não é um mal em si, mas é explorada de forma tão pontual, sem um laço amarrando o filme sob um mesmo conceito - um indivíduo que sente perder a identidade - parecendo conjugar sob um mesmo teto muitos filmes incompletos, mas nenhum realmente desenvolvido.

E é assim, tentando muito, atirando para todos os lados, que o filme acaba por ficar no meio do caminho. É verdade que tem grande parte dos excessos de A Floresta de Jonathas podados e é mais discreto na fusão de diferentes técnicas e abordagens para puramente acompanhar seu personagem, mas ao pesar a mão para extrair alguma espécie de síntese social do seu personagem, também é onde o filme é vitimado.

Antes o Tempo Não Acabava cai no rol dos filmes insípidos, que tentam dizer algo de qualquer jeito, mudando de curso a cada dezena de minutos. Até tem bons momentos - mais de um aliás, mostrando o grande interesse que Anderson desperta, sendo conceitualmente um personagem muito singular em sua despersonalização para então caracterização -, mas é em grande parte esquecível, não acrescentando nada que um Serras da Desordem não tenha trazido para o nosso cinema, parecendo uma pálida versão da jornada de Carapirú no filme de Andrea Tonacci, na abordagem de como o índio é absorvido violentamente pela cultura ocidental e como isso afeta seus laços afetivos e seu mundo interior e simbólico. 

O filme acaba por não conseguir justificar qualquer intensidade ou peso para si, estagnado entre o conceito interessante e uma insuficiência enquanto obra cinematográfica, com a conclusão que, assim como no filme anterior, mostra que ainda há muito a ser lapidado.

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